Sunday, July 26, 2015

POEMINHA DE DOMINGO (por Armando Freitas Filho)



COMUNICAÇÕES 


  Eu falo de mim - daqui -, 
    desta central, 
   pelo microfone do corpo, 
  por esse fio que vem do fundo 
    eu me irradio:

  assim, numa transmissão de 
   sustos e rangidos, 
  veia e voz - ao vivo - sob tanto 
   sangue: - pantera escarlate 
   que passa e pisa

  e se espatifa nesse chão: 
   pata de lacre, 
  grito! pingo sobre o alvo 
  tão tátil da minha carne, 
    nos panos

  instantâneos do meu espanto 
    nas janelas 
   onde me debruço sucessivo 
   e vário, seqüência de mim, 
    em fotonovelas

  me desdobro - quadro por quadro, 
    nos desenhos 
   de dentro do que sou e projeto, 
   aos poucos, - plano e pausa - 
    para fora

   com a vida que me veste 
    pelo avesso: 
  - filmes de sêmen onde publico 
  figuras de suor e celulóide, 
    numa lâmina

  de velocidade e de lembrança, 
    em fotogramas 
  de esperas e posturas - falha, 
  folha de slides-células, sopro 
    e pulso,  
página de pele em que escrevo 
    o uso 
  a articulada letra do meu gesto, 
  o rascunho de rugas & rasuras 
    feito à unha

  nas nuas marcas do meu corpo 
    no espaço, 
   e nos lençóis da claridade, 
  monograma, silueta, cadência, 
    e a fala

   que se imprime nesta fita, 
    neste sulco: 
  - a linguagem como um fim, 
   - a linguagem por um fio, 
   e a morte em morse



Armando Freitas Filho
 nasceu no Rio de Janeiro
 há exatos 75 anos.
 Publicou em 1963 "Palavra",
 seu primeiro livro de poemas.
 Desde então, publicou outros quinze.
Em 2003, reuniu seus primeiros
 quarenta anos de poesia
 no calhamaço "Máquina de Escrever".
Publicou pela Companhia das Letras
 três volumes indispensáveis
 nesses últimos anos: 
"Raro Mar" (2006),
"Lar" (2009)
 "Dever" (2013)



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