Thursday, July 9, 2015

MÁRIO PRATA, PROFISSÃO PERIGO (por José Luiz Tahan)


Todos os anos, desde 2009, realizamos aqui em Santos o festival Tarrafa Literária. Nos preocupamos e nos divertimos na mesma proporção, anualmente. E quase não tiramos a tarrafa da cabeça, porque ao fecharmos as cortinas já começamos a preparar a próxima.

E como ela está agora na minha cabeça, me veio um causo surreal que ocorreu nos bastidores da festa de 2011.

Naquele ano resolvi chamar vários autores que se gostam, amigos mesmo. Daria um clima de intimidade nos debates, e a plateia sentiria essa proximidade com os convidados. Deu certo. Na mesma edição trouxemos Reinaldo Morais, Matthew Shirts, Fabrício Corsaletti, Alberto Martins, João Gabriel de Lima, Paulo Roberto Pires, Inês Pedrosa, Antonio e Mário Prata, dentre outros - e que não se pense que os outros sejam menos legais, esse texto é descompromissado, não um texto de cerimonial.

E eles foram chegando, a cada dia mais convidados desciam a serra nos carros da produção, em horários variados, de acordo com as agendas e os horários das mesas do festival.

Estávamos começando a almoçar quando estacionaram duas vans repletas de escritores. Havíamos combinado que, antes de pararem no hotel, eles fossem ao nosso encontro, assim nos cumprimentávamos e cuidávamos do estômago também.

Mas é aquela bagunça: escritor já sentado, outros chegando, um com uma garfada no ar parando o movimento para se levantar, faltam cadeiras, arrasta a mesa, do que é essa caipirinha, não está em cima da hora?

E nas vans estavam Matthew (nosso conselheiro do evento, e artilheiro), Reinaldo Morais, Betito, Corsaletti e os Prata, dentre outros (de novo).
Foram se aproximando, examinando o lugar e as pessoas. Eu estava com a Inês Pedrosa, a talentosa portuguesa. Prata pai a viu, fez uma reverência, e bradou: “Inês Pedrosa!”

O Prata filho, um pouco preocupado: “Você a conhece, né pai?”

Inês tinha um anel de lula espetado no garfo, estancado no meio do movimento que o levava à boca, e o cumprimentou com intensidade bem menor, talvez o jeito lusitano.

E o Prata pai prosseguiu:
− Claro que conheço! Sabe Inês, ganhei aquele seu livro, como se chama mesmo?
− ‘Fazes-me falta’?
− Isso, isso! Que edição bonita, capa dura, foi no evento de lançamento da editora no Brasil, acho. 
− Vai Prata! 
− Sabe que ele me foi muito útil?
− Pois?
− Eu tinha comprado uma daquelas TVs grandonas e fininhas, de plasma, e sabe, elas podem ser fixadas na parede.
− ...
A lula continuava lá, espetada. Em frente, Prata!
− E ela não estava legal, meio frouxa a instalação, tinha uma folga que deixava a TV meio solta, assim ó.
Ela e o anel de lula pacientes.
Antonio encostou a mão no braço do pai e avisou que a mesa foi arrumada, com alguma aflição.
− Eu passei uma fita isolante em volta do livro e ele encaixou direitinho no suporte, ficou perfeito, Inês!
Inês e a lula olhavam fixas para o Prata, eu e Antonio também. E a lula, quer dizer, a Inês rebateu:
− Isso que eu chamo de um livro de autoajuda. − E comeu finalmente a lula.
Prata pai se dobrou de rir, Prata filho apontou a mesa com energia, e nós rimos dessa profissão perigosa de ser escritor. Inês riu menos, mas riu. Esse Mário Prata...

Foi um evento de velhos e novos amigos, bonito isso.


José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
 Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
 gosta de ser chamado de "livreiro",
 pois acha mais específico do que
 "empresário" ou "comerciante",
 ainda mais porque gosta de pensar o livro
 ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
 Nas horas vagas, transforma-se
 no blues-shouter Big Joe Tahan.

(a ilustração acima é do Seri)

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