Friday, November 6, 2015

CAFÉ E BOM DIA #2 (por Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta)



Foi lendo Conte-Sponville que me perguntei quem não viveu um amor platônico na trajetória da vida. O desejo humano, segundo Platão, tem a mania de querer o que não tem: o ausente e o distante são sempre mais desejáveis do que o presente; o longínquo, mais amável que o próximo; a grama é sempre mais verde no jardim do vizinho… O platonismo em uma pílula: “aquilo que nós não temos, aquilo que nós não somos, aquilo que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor.” Que tristeza seria viver se Platão tivesse razão e se todos os amores fossem platônicos! Em busca do que nos falta, marchamos sempre: eis o quadro platônico. Lembremos do que significa um amor platônico: desejar à distância, sem gozar de convivência íntima; fabricar uma imagem idealizada do outro, ao invés de conhecê-lo como é de fato; perder-se em infindas fantasias de felicidade, estritamente imaginárias, em amores cujo único palco é a imaginação…É Dom Quixote, exposto por Cervantes em todo o seu ridículo, que transforma a simplória e feiosinha Dulcinéia del Toboso numa deusa viva, sempre distante e somente sonhada, ornada pela fantasia do amante com as auréolas e as maravilhas mais estupendas – e que é de se suspeitar que ela não possua de fato.


Pode ser entendido como uma provocação ao meu querido amigo Paulo Passos, mas não é. Defendemos posições contrárias com relação a Lewis Carroll. Esta interpretação psicodélica de Alice como uma hippie mirim está longe de ser novidade. Tim Burton, um dos cineastas mais intensamente influenciados pelo legado de Carroll, chegou a descrever os livros protagonizados por Alice como “drogas para crianças”. Jenny Woolf lembra ainda que “desde os anos 1960, a obra tem sido associada com a vertente psicodélica do movimento contra-cultural. A leitura dos episódios alucinantes que Alice atravessa é o suficiente para deixar até o mais sóbrio dos mortais em um estado de embriaguez lírica. Como se tivesse lambido LSD. Grande parte dos perigos que Alice enfrenta são decorrentes de suas bebedeiras, de seus tiragostos em poções psicodélicas. Dá uns pegas e umas lambidinhas nos vários tipos de “pó-de-pirlimpimpim” (para lembrar do entorpecente favorito dos personagens de Monteiro Lobato no Sítio do Pica-Pau Amarelo) que estão disponíveis em Wonderland. Em San Francisco, nos anos 1960, em plena efervescência do movimento hippie, do rock’n’roll lisérgico, das experimentações com estupefacientes em acid tests musicados pelo Grateful Dead, Alice no País Das Maravilhas reaparece: em “White Rabbit”, canção do Jefferson Airplane, estão sintetizados muitos dos elementos que puderam tornar a obra de Lewis Carroll um monumento para a Geração do Ácido. Grace Slick canta sobre as pílulas que te aumentam ou diminuem o tamanho – desde que não sejam as “pílulas da mamãe”, já que estas não dão nenhum barato. Canta também sobre o célebre “hookah-smoking caterpillar“, o mais explicitamente chapado dos personagens de Alice. Recomenda aos psiconautas que estão embarcando em viagens com substâncias psicodélicas que “perguntem à Alice”, caso tenham dúvidas sobre o processo, como se a pequena heroína de Carroll pudesse servir como uma espécie de proto-guru Timothy Learesco, tendo atravessado tantas doideras depois de seu percurso alucinado pelo País das Maravilhas. Pois se há um lugar melhor do que Wonderland é minha mesa de café: tem a bebida que quero sem ser amigo do rei. Bom Dia.


Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
 é poeta e proprietário
 da banca de livros usados
 mais charmosa da cidade de Santos
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do Empório Saúde Homeofórmula
(onde bebe seu cafezinho orgânico)
e da loja de Equipamentos de Áudio
do bom amigo Orlando Valência 




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