Autocrítica, por mais cruel que seja, sempre é algo positivo. Ela ajuda todos nós a não nos levarmos demasiadamente a sério. É um santo remédio para redimensionar egos inflados. Todo jornalista que cague regras e seja metido o suficiente para posar de visionário -- categoria na qual me incluo -- precisa de tempos em tempos reler suas "profecias" de alguns anos atrás. Só para deixar de ser besta.
Eu andei fazendo isso nessa última semana enquanto liberava espaço num HD lotado de arquivos fotográficos gigantescos e inúteis. Sem querer, descobri perdidos numa pasta vários artigos escritos para várias publicações nos primeiros anos do Século 21.
Quando comecei a lê-los de novo, fiquei surpreso positivamente com alguns -- é engraçado como, depois de algum tempo, não conseguimos mais nos reconhecer em nossos próprios textos -- e bastante assustado com outros.
Num deles, em particular, publicado em 2008 num jornal semanal daqui de Santos, fiquei assustado com a quantidade enorme de bobagens que eu previ que iriam acontecer nos próximos anos, e que simplesmente não deram a luz de sua graça.
O nome do artigo era ROLL OVER GUTTENBERG, TELL CITIZEN KANE THE NEWS -- uma alusão à canção de Chuck Berry associada à Imprensa Escrita, que dava sinais de naufrágio iminente, e às Editoras de Livros, que viram-se de uma hora para outra assaltadas pela Amazon com o lançamento e o sucesso instantâneo do Kindle.
A quantidade de bobagens que eu prevejo no artigo é impressionante.
Dou a entender que as editoras brasileiras estavam comendo bola e perdendo o bonde da chegada dos e-books ao mercado, o que não se provou verdadeiro, já que todas se prepararam bem para entrar nesse segmento.
Dou a entender também que o modelo de comercialização das Editoras iria se voltar para a web, e que isso iria condenar à morte todas as livrarias fisícas -- outra grande bobagem.
Para piorar, digo de boca cheia que essas livrarias virtuais podem vir, pois as livrarias físicas já deram o que tinham que dar. Por afirmar uma boboseira como essa, eu acho que mereço pelo menos cinco dezenas de chibatadas.
Como ninguém vai me bater por ter dito tamanha baboseira e por ter sido tão cretino, submeto-me aqui a um "mea culpa" público, e republico nesta semana em LEVA UM CASAQUINHO esse artigo que estava esquecido.
Para que da próxima vez em que eu sair fazendo previsões e cagando regras eu pense bem antes de afirmar baboseiras.
Leiam o artigo de 2008 em questão -- isso se acharem que vale a pena, claro! -- e tirem suas próprias conclusões:
No final dos anos 90, quando engrenagens como o Napster e o AudioGalaxy Satellite surgiram na Rede Mundial de Computadores, poucos foram os Capitães da Indústria Fonográfica que perceberam que aquilo era o começo do fim das mídias físicas, e o início de uma era pós-industrial para a música gravada.
Não deu outra. Dez anos mais tarde, esses Capitães da Indústria Fonográfica estão quase todos desempregados, e quem mais vende música no mundo inteiro é o serviço online iTunes Music Store, da Apple Computer -- que, diga-se de passagem, nunca precisou se preocupar em monopolizar o mercado, apenas acreditou na falta de visão das gravadoras e na viabilidade comercial do formato mp3 no momento em que ele surgiu. Hoje, colhe merecidamente os frutos desse pioneirismo.
Pois bem, agora é a Indústria Editorial que segue pelo mesmo caminho.
Partindo do pressuposto de que livros, jornais e revistas de papel são antiecológicos -- e, consequentemente, politicamente incorretos --, webempresas gigantes como Amazon e Google, que muitos julgavam inofensivas até bem pouco tempo atrás, agora começam a botar as manguinhas de fora, e a tirar o sono dos setores mais conservadores do meio editorial.
E a grande revolução no setor chega através do Kindle, o leitor portátil de livros, revistas e jornais eletrônicos da Amazon. Custa algo em torno de 350 dólares, e já caiu no gosto do grande público.
Mês passado, todos os editores de jornais e revistas nos Estados Unidos celebraram com bastante estardalhaço a chegada de uma nova geração de Kindles, o Kindle 2, com tela bem maior, adequada à leitura de jornais eletrônicos.
Estima-se que o Kindle 2 deva impulsionar a venda de assinaturas eletrônicas de jornais e revistas para muitos novos usuários, e permita que esses editores de periódicos consigam finalmente sair do vermelho em que estão desde que teve início o colapso comercial de suas edições impressas.
Ou seja, foi a web que levou essas empresas ao buraco. Agora, a salvação para essas empresas vem justamente da web. E quem apostou que a imprensa escrita e analítica iria sucumbir em meio a tantos avanços tecnológicos, apostou errado. Negar o potencial do Kindle e as novas perspectivas que ele abre para o setor editorial é uma atitude tão anacrônica quanto suicida em termos empresariais.
Curiosamente, quem leva vantagem nessa virada de mesa é o consumidor final, que vai poder consumir mais livros, já que os preços tendem a cair vertiginosamente, na medida em que deixam de existir os custos de impressão e de distribuição, que oneram brutalmente o preço final do livro impresso. Claro que o eventual sucesso do Kindle deve matar boa parte das livrarias que se encontram hoje no mercado, assim como a expansão do MP3 matou muitas lojas de discos.
Mas, acreditem, não se perde grande coisa. Hoje em dia, quase todas as livrarias funcionam da mesma maneira que as bancas de revistas. Recebem todos os livros consignados das editoras. Se vender, vendeu. Se não vender, basta devolver tudo para a editor seis meses depois. O valor do encalhe já vem projetado no preço do livro ao consumidor final, que paga a conta toda sem saber, e sem poder sequer contestar o custo abusivo de um livrinho qualquer. Graças ao Kindle, essa política de preços cruel que vitima o bolso do consumidor final está com os dias contados.
Mas, acreditem, não se perde grande coisa. Hoje em dia, quase todas as livrarias funcionam da mesma maneira que as bancas de revistas. Recebem todos os livros consignados das editoras. Se vender, vendeu. Se não vender, basta devolver tudo para a editor seis meses depois. O valor do encalhe já vem projetado no preço do livro ao consumidor final, que paga a conta toda sem saber, e sem poder sequer contestar o custo abusivo de um livrinho qualquer. Graças ao Kindle, essa política de preços cruel que vitima o bolso do consumidor final está com os dias contados.
Para se preparar para uma eventual explosão de demanda de livros pelos usuários do Kindle, o Google lançou dois anos atrás a versão beta de sua engrenagem Google Book Search, capaz de acessar gratuitamente versões (em inglês) de mais de 5 milhões de livros, todos de Domínio Público -- ou seja, escritos há mais de 85 anos.
Muitos editores já se renderam às evidências de que o futuro do meio editorial passa necessariamente pelas mãos do Google e da Amazon, e estão digitalizando seus títulos para poder vendê-los em versões eletrônicas assim que engrenagens como o Google Book Search deixem de ser beta (experimentais) e passem a ser alfa (comerciais), cobrando assinaturas ou vendendo downloads de livros completos.
Aqui no Brasil, até o presente momento, apenas três editoras estão apostando nesse processo pós-industrial: Companhia das Letras, Zahar e SENAC. As demais preferem se dedicar à choradeira, pois não conseguem disfarçar o quanto estão inconformadas com a morte anunciada de sua galinha dos ovos de ouro: justamente as obras de Domínio Público, que dispensam pagamento de direitos autorais aos familiares dos autores, e correspondem a 60% do faturamento global do setor editorial.
Bem feito para quem achou que o Google pretendia ser apenas um serviço de buscas enciclopédicas.
Bem feito também para quem subestimou a Amazon, tratando-a como uma uma weblivraria qualquer.
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