Sunday, January 8, 2017

ESCRACHANDO O DEMÔNIO COM UM CHUTE NOS BAGOS #9 (um folhetim de J R Fidalgo)


AS CARTAS DO CORINGA
(1ª Temporada, Episódio 09)

Às vezes, fazemos coisas sem a menor lógica e ficamos nos perguntando pelo resto da vida por que diabos as fizemos.

Já dentro do helicóptero com Speed me contando do tempo em que carregava pasta de cocaína para ser processada nos laboratórios de umas fazendas de uns políticos famosos, me desliguei do papo e comecei a lembrar de como meu amigo sonhava em ser empresário de uma banda de rock and roll de sucesso.

Tentou várias vezes, mas nenhuma das bandas que ele escolheu deu certo. Daí, após a sua primeira reabilitação pelo consumo desenfreado de anfetaminas e cocaína, virou editor de livros de autoajuda e acabou se dando bem.

Mas, no fundo, acho que ele nunca abandonou totalmente seu sonho de manager de uma banda de rock.

Passou-me pela mente que ele tivesse abandonado os remédios com prescrição que tomava desde seu último surto e tivesse voltado a usar as drogas ilegais, algumas bem novas, aliás, e com efeitos bem diversos das que usávamos e abusávamos nos tempos antigos.

Isso talvez tivesse provocado em sua cabeça avariada a ideia de que, já que não havia conseguido ser um empresário de sucesso do meio musical, me transformaria agora em um superstar sei lá de que, já que nunca tinha sido roqueiro, muito menos escritor de livros de autoajuda.

Resolvi deixar de conversar comigo mesmo e voltei a prestar atenção às históricas “épicas” de Speed, inclusive aquela que estava contando no momento sobre o dia em que conheceu Pablo Escobar.

Enfim, decidi descobrir o que realmente estava acontecendo com meu amigo. Afinal, era o único que havia restado dos tempos, bem, daqueles tempos.

Talvez ele fosse um elo perdido que eu necessitada juntar à corrente da minha existência. E, de qualquer forma, os cheques que ele garantiu que começariam a chegar me interessavam muito.

Nunca havia visto o tal galpão antes, mas, com certeza, ele realmente tinha sido transformado num estúdio de gravação de vídeo e, quem sabe, até de som.

Ou talvez, analisando melhor, aquilo parecesse mais um “centro de operações” escondido no meio da selva.

Quando entrei, uma equipe de várias pessoas andava de um lado para o outro, preparando isto ou aquilo, ou checando se isto ou aquilo estava funcionando mesmo.

Voltei a conversar comigo mesmo e me perguntei aonde meu amigo conseguia arrumar dinheiro para suas empreitadas malucas sem nunca ter sido achado morto numa vala.

Assim que me viu, veio me dar um longo abraço e disse a todos em volta: “Esse é o cara!”

Depois, sem me dar chance de respirar, informou que, pensando melhor, havia descartado a ideia de eu aparecer nos vídeos só com óculos escuros e chapéu sob um lenço com as cores da Jamaica. Descartou também a ideia do Homem Aranha, mas tinha passado a noite toda acordado pensando na possibilidade do Coringa.

Claro, isso envolveria gastos com direitos autorais altos e uma negociação complicada com os gringos de alto escalão. De repente, teve o que chamou de “revelação” e lembrou dos políticos para quem Speed transportava pasta de cocaína para ser processada nos laboratórios clandestinos enrustidos em suas fazendas nada clandestinas.

Embora Speed tivesse abandonado o negócio, já que ficou muito marcado e poderia virar presunto em um acidental acidente aéreo com seu helicóptero, o esquema de processamento de pasta não só prosseguia e inclusive tinha se expandido, incluindo agora redutos no Paraguai, Colômbia, Ilhas Virgens e Afeganistão (nesse último destino, era óbvio que estavam se preparando para entrar pesado no ramo da heroína).

Como disse, Speed estava fora, mas, como o assunto, na época, foi totalmente abafado por toda a mídia, devido ao poder dos políticos brasileiros envolvidos, não custava nada reativar alguns contatos que passariam a sugerir que mais “gente graúda” também estava interessada em ser sócio no esquema.

A proposta dessa “gente graúda” ávida a explorar um novo mercado era bem simples e muitos chamariam simplesmente de chantagem: ou o grupo original concordava com a sociedade, ou essa “gente graúda” tinha meios mais do que suficientes de fazer a história toda vazar na mídia, nacional e internacional.

Como um voto de confiançae “boa-vontade” na nova sociedade, os “donos” do negócio teriam que depositar quantias significativas em paraísos fiscais, em nome de empresas que seriam devidamente listadas e que, todos sabiam, lidavam com tráfico de armas e de mulheres da Europa Oriental.

Mas de onde afinal sairia o dinheiro para pagar os direitos de uso das imagens de super heróis em quadrinhos nos vídeos de divulgação do “Escrachando o Demônio’?


JR Fidalgo,
um jornalista que tem preguiça de perguntar,
um escritor que não tem saco pra escrever
e um compositor que não sabe tocar.

(mesmo assim escreveu dois romances
e uma quantidade considerável de canções
ao longo dos últimos 40 anos - nota do editor)




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