Wednesday, January 11, 2017

NESTA DATA QUERIDA (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



Tudo depende bastante do ponto-de-vista: em relação à própria idade, como diz o escritor Lourenço Mutarelli, inicia-se uma espécie de ‘contagem regressiva’. Já em relação a essa humilíssima Mercearia, um primeiro ano sobrevivido.

Tem idades que não contamos para ninguém, outras que berramos pelo megafone. Há envelhecimentos em que o fim fica um pouco mais próximo e interrompe outras passagens do tempo as quais estimamos o surgimento de rugas e fios esbranquiçados.

Acho que é assim mesmo, querido(a) freguês(a): um monte de coisas que não sabemos lá explicar muito bem porque a gente age assim.

Há de se tentar, dentro da medida do possível, gerenciar as interferências: ser justo com aqueles que não têm nada a ver com qualquer percalço passado. Olha... tarefa difícil, essa. Em geral, fagulhas voam e o grande exercício de alguma calma fica quase bem próximo do impossível.

Mas, quando se consegue, um bonito prêmio, como esse: apagar a velinha do primeiro ano.

Devo confessar que foi um ano amargo, o que passou. A única forma por onde a ‘vida passou’, pessoalmente falando, nos últimos 365 dias, foi nessa aqui, de texto, semanal... toda quinta-feira.

Sempre tive um certo ‘pé atrás’ com escritores(as) que diziam: “... escrever é minha terapia!”. Enfim, cada um tem seu jeito de entender seu próprio trabalho, atividade, fazer artístico. Na época, conferia à escrita nobre reputação, não uma mera atividade psico-artística-laborial, ou o que valesse, a cura para sua ‘loucurinha’ particular, ‘soluçãozinha’ de ‘abisminhos’, e por aí, vai...

Não que tenha mudado de ideia. Não, não! A atividade da boa escrita é democrática, é para todos, mas é uma forma de arte que também possui seus rigores e, logo, pouco afeita ao açoite de aventureiros(as). Contudo, depois de 2016, há de se entender quem vai para a escrita a fim de não enlouquecer.

Ou se sublima, ou se perece...

Penso que se (Baruch) Espinosa estivesse vivo, entenderia a arte (incluindo a do ‘entretenimento’) como um daqueles conhecimentos que produzimos “... para que a vida passe”. Sem ela, enlouqueceríamos, perderíamos a longevidade, a perenidade.

A sublimação: se ficássemos só ‘na carne’, o ‘trem’ emperraria de vez.

Acho que foi o que me fez não parar completamente, apesar de estar cada vez mais afastado da Literatura, ou da ‘escrita como arte’: renovar o estoque da Mercearia toda quinta-feira. Larguei muita coisa porque o ano que passou não foi fácil.

Continua não sendo, mas já há ‘dispositivos’ (alô, Foucault! Aquele abraço!) para a sobrevivência. Um desânimo do cacete, exceto para a Praia e para a Mercearia. E, assim, consigo não parar de vez.

“Take your time”, diria a anglofonia. “Hmm... não sei”. Há também de se parar com tudo para não enlouquecer: cenários poluídos, ‘gatekeepers’ tremendamente contestáveis, formas de manipulação, um ‘seis-por-oito’ que dá uma ‘paumolecência’ que remédio e/ou terapia alguma dão jeito.

Mas há uma Mercearia estabelecida à praia, que dá seu rosto a tapa toda quinta de manhã.

Nunca curti muito ficar preso a um estilo de escrita somente. Imaginem... ao longo do ano são perto de 52 inéditos. Se em determinado ponto não se partir para a prosa de ficção, enlouquecemos.

Cheguei, nesse semestre passado, a cogitar parar com tudo. Diminui drasticamente quase todos os meus escritos, parei com muita, muita coisa. Era preciso administrar as interferências, brecar certas energias de intromissão para se apanhar alguma fluência mais a frente. Portas estreitas, ar rarefeito, sobreviver aqui para viver mais adiante.

A Mercearia, inexplicavelmente, mantinha suas portas abertas. Aqui, manifesto o valor da covardia: não tive coragem de interrompê-la. E fui! Sem saber qual rumo tomar, qual a direção disso ou daquilo.

Ano I completado! Nessa data querida, os(as) queridos(as) fregueses(as) apagam a velinhas aqui comigo, aqui, com todo mundo.

Ano II aberto! Vamos a mais um ‘tour-de-force’ do calendário, driblando fins, dando jogo-de-corpo nas interferências, sobrevivendo aqui para viver acolá. É Mercearia, é na praia, é resistente, a danada!

E, sempre, meus sinceros e nobres agradecimentos ao ‘capitão-mor’ dessa empreitada, o estimado Chico Marques, que, com sua generosidade e gentileza, permitiu a essa navegada Mercearia transpor mares, às vezes, bastante bravios.

Queridos(as) fregueses(as), embarquem nesse Ano II. A prosa desse ‘secos-e-molhados’ certamente ajudará a singrar mares que não estão para peixe. Uma boa viagem! E, acima de tudo, parabéns a todos.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO




No comments:

Post a Comment