Thursday, January 5, 2017

O CIRCO RECOLHEU SUAS LONAS (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



Uma das chagas que acontece (ou pode acontecer) com qualquer ser humano é ficar sem trabalho. A aflição se agiganta quando o período sem emprego é longo: depois de um ano, horizontes desmoronam e perspectivas desaparecem. Já não é possível planejar, muito menos sonhar. Toda validação de ‘estar no mundo’ por intermédio de uma habilidade ou talento torna-se irrefutavelmente sem efeito. Um drama para milhões de pessoas que vêm suas próprias vidas quase literalmente encurtadas pela falta de préstimo. Leva-se o triplo de esforço para o pão na mesa e o teto sobre a cabeça. Não se trata qualquer ser humano assim, em indecência. A tragédia da falta de trabalho que se abate sobre qualquer um(a) corrói o espírito de tal forma que, quando menos se espera, tudo pode ser muito tarde. ‘The point of no return’; ‘no way out’. Crises não surgem para aproveitarmos oportunidades: crises surgem para uma silenciosa destruição em massa. Crises nunca são boas: crises são crises, férteis em interferir onde e quando não devem. A falta de trabalho é a antesala da terra arrasada: desaparecem a dignidade, o elã, o viço, o panorama, o sonho. Jogam-se fora resiliências e esperanças para a única ocupação do temor. Gerações se perdem e vocações desencontram o eco: a completa ausência de reverberações. Chega-se a esse ponto pela cegueira de meretrícios deletérios, pela inaptidão em postos-chave, pelas trevas difundidas nas ideologias. Tanto um lado quanto o outro está inapelavelmente errado ao se alicerçar na imperfeição. Vale a visão particular do mundo, “... estou do lado certo, você está do lado errado...”, “... farinha pouca, meu pirão primeiro...”, e foda-se o resto. Uma população inteirinha tomando no cu, do primeiro ao quinto. O tempo passa, e as vocações vão se perdendo. Lares se desfazem, vidas derretem, mas as ideologias e partidarismos estão ali, intactos, propalados por gente cuja conta bancária garante uma segunda-feira sossegadíssima, sem a menor preocupação de procurar trabalho. Os filhos engordam em recantos educacionais de galhardia, o carro está na garagem, duas férias por ano, as sanhas devidamente aplacadas em solares cinematográficos no ponto mais nobre da cidade. Assim fica fácil: visite o rés-do-chão, camarilha! Venha ver de perto a destruição que suas ideologias fazem com gente que só queria trabalhar e viver. Parem de defender suas sardinhas enquanto uma nação inteira que não tem nada a ver com isso vai para o buraco, sem reversão. Parem de defender ‘o que vocês acham da porra toda’ e atenham-se aos fatos, não aos indícios, ou ao que a pobre cabecinha ‘pensa’ disso ou daquilo. Ignomínia bruta dessa raposa a tomar conta de galinheiro, Herodes na gerência da creche. Ninguém está certo, e está todo mundo errado. Tanto para esse assunto, especificamente, como para tantos outros que compõem a vida, é justo avisar que, para esse ano que se inicia, o circo recolheu suas lonas. Não há mais picadeiro: os palhaços foram embora. As cachinadas, caterva, agora jazerão no mais profundo silêncio. Se quiserem divertir alguém, não contem conosco. Se é essa a ‘justiça’ de vocês, a humanidade, entre outras bossas, não reclamem quando a maré, inflamada, tomar de volta aquilo que lhe pertence. Não há mais picadeiro. Não há mais circo. Quando se dança com o diabo, não se vê a hora da música parar. Bela contradança. Sejam felizes. Toquem suas próprias vidas, que nós seguiremos por aqui, sem a menor necessidade de sermos colonizados por delírio algum.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO




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