Thursday, April 14, 2016

2 OPINIÕES DIVERGENTES SOBRE A ADAPTAÇÃO PARA O CINEMA DE "ESCARAVELHO DO DIABO"


UM FILME EFICAZ, MAS IRREGULAR E POUCO CONVINCENTE

por Francisco Russo
para ADORO CINEMA


Nem sempre a lembrança que se tem de algo saudoso corresponde à qualidade do mesmo. Truques da memória, que por vezes valoriza mais o prazer existente na situação vivenciada. É o que acontece com O Escaravelho do Diabo, sucesso literário junto ao público infanto-juvenil nos anos 1980 e 90 que, enfim, ganha uma adaptação para o cinema. Após ver o filme e reler o livro, agora sob o olhar adulto, fica a constatação: a nova versão é melhor. O que não significa que seja, necessariamente, boa.

Para início de conversa, é importante compreender as mudanças feitas pelos roteiristas Melanie Dimantas e Ronaldo Santos em relação ao livro escrito por Lúcia Machado de Almeida, em 1956. Se antes Alberto era um jovem adulto, quase formando na faculdade de Medicina, agora ele é uma criança em torno de 13 anos. A opção em rejuvenescer o protagonista tem fins comerciais, já que o longa-metragem busca atrair o mesmo público jovem de antigamente, mas também resolve problemas conceituais em torno do personagem, um notório paquerador. Agora criança, tal característica é eliminada por completo e a história encontra brecha para trabalhar o tema do primeiro amor, que costuma ser bem recebido pelo público em geral.

Outra mudança considerável se refere ao coprotagonista delegado Pimentel (Marcos Caruso, apático). Unidimensional no livro, onde segue o estereótipo do policial competente e dedicado, aqui ele ganha dificuldades de saúde que afetam sua capacidade. Na verdade, a intenção da dupla de roteiristas era criar deficiências que pudessem ser exploradas tanto em Alberto quanto em Pimentel, de forma que não fossem tão heróicos e sempre corretos, como o livro aponta. Há uma tentativa de humanizá-los, tornando-os mais próximos à realidade e, é claro, ao público atual. Também neste sentido, há várias referências às maravilhas modernas da tecnologia, como tablets, conversas online e videogames. Tudo para que o jovem de hoje se sinta perfeitamente ambientado.

Entretanto, por mais que haja esta nítida preocupação em situar a trama do livro para o mundo de hoje, o roteiro entrega também algumas falhas graves de desenvolvimento. Seja com diálogos bruscos ou conclusões precipitadas/sem terem sido bem fundamentadas, há lacunas relevantes na investigação conduzida por Alberto e Pimentel em busca do assassino dos ruivos. Uma delas é a própria descoberta desta conexão, conduzida através de uma simplicidade impressionante (no mal sentido). Outra é o "escaravelho do diabo vai voltar" solta aleatoriamente por Marcos Caruso, de forma até canhestra.

Apesar destes descuidos, que poderiam ter sido evitados caso o roteiro recebesse um maior apuro, é importante ressaltar o esforço e até a ousadia na proposta do longa-metragem. Mais do que investir na aventura juvenil, O Escaravelho do Diabo adota um tom sombrio que surpreende. Seja através da figura do enigmático vilão, intencionalmente apresentado nas sombras durante boa parte do filme, mas especialmente ao não poupar o espectador de cenas mais fortes. Apesar de jamais ser explícito, o filme traz cenas de violência pouco comuns ao gênero, bem conduzidas pelo diretor estreante (no cinema) Carlo Milani.

Outro ponto positivo é a forma como o roteiro reorganiza os ataques do vilão, até mesmo inserindo situações que não estão no livro. A sequência com o jornalista, interpretado com competência por Bruce Gomlevsky, é uma delas. Divertido e atual, traz ao filme agilidade e também um certo alívio cômico necessário, especialmente quando os problemas de Alberto e Pimentel ganham terreno. O mesmo vale para a cantora pop Rubi, representação cinematográfica da atriz de ópera presente no livro. Por outro lado, a exclusão da subtrama da pensão de Mrs. O'Shea retira do filme um peso excessivo decorrente dos personagens e ainda a paixão insossa existente entre Alberto e Verônica - além de alterar radicalmente o desfecho da história, o que também é uma melhoria.

Por mais que seja irregular, especialmente nas ausências mal explicadas de seus dois personagens principais em certos períodos, O Escaravelho do Diabo merece atenção pelo modo como recria uma história consagrada e até mesmo a melhora, retirando os clichês e vícios decorrentes da época em que foi escrito. Ainda assim, fica a incômoda sensação de que esta mesma história, melhor trabalhada, poderia render um filme bem mais envolvente. Destaque para o bom trabalho do jovem Thiago Rosseti, intérprete de Alberto, bem naturalista em cena.



QUE SEJA A PRIMEIRA DE MUITAS ADAPTAÇÕES PARA O CINEMA DA COLEÇÃO VAGALUME

por Carlo Milani
para CINE RESENHAS

Muitos adultos tiveram a sua paixão pela literatura despertada com as leituras recomendadas no colégio da série Vaga-Lume. Era uma saída para os adolescentes desestimulados a ler, que então se viam em meio a títulos empurrados goela abaixo não condizentes com essa fase agitada de ensino. Ou os textos eram infantis demais (como as releituras de fábulas) ou complexos (como Machado de Assis).

Por meio da Editora Ática, vários escritores foram capazes de encontrar o equilíbrio entre o mistério adulto e a perspectiva infanto-juvenil, estimulando a imaginação sem abrir mão de temas pertinentes ao público-alvo. A mineira Lúcia Machado de Almeida foi a mais certeira nessa missão, sendo o seu “O Escaravelho do Diabo” o clássico mais popular da série Vaga-Lume.

Afeito a trabalhos televisivos, Carlo Milani sempre foi um fã confesso de “O Escaravelho do Diabo”. A devoção ao material o envolveu em uma peregrinação que durou 12 anos entre a decisão em adaptá-lo e as filmagens. Lançado em 1953 capítulos pela revista O Cruzeiro e em livro em 1972, “O Escaravelho do Diabo” exige modernização. Felizmente, ela acontece sem ferir o espírito da trama concebida por Lúcia.

Antes um protagonista adulto, Alberto (Thiago Rosseti) é agora uma criança e um alicerce ainda essencial para auxiliar o Inspetor Pimentel (Marcos Caruso) a desvendar a identidade do assassino que matou o seu irmão Hugo (Cirillo Luna). Mudaram-se também os contextos de alguns acontecimentos memoráveis do romance, como a morte da cantora lírica Maria Fernanda: no filme, temos uma cantora popular também eliminada por um dardo envenenado durante a gravação de um clipe musical.

Para quem verá “O Escaravelho do Diabo” sem o conhecimento de sua premissa, temos uma cidadezinha marcada pelo número expressivo de habitantes ruivos. Nela, passa a agir um assassino em série, cujas vítimas são justamente inocentes com a cabeleira cor de fogo, que tem a morte anunciada a partir do instante em que recebem uma espécie diferente de escaravelho. Alberto é quem associa o inseto ao autor dos crimes e o seu modus operandi. Além do luto por perder o irmão, que teve uma espada espanhola cravada em seu peito, Alberto precisa concentrar as suas atenções na segurança de sua amiga (e interesse romântico) Raquel (Bruna Cavalieri), ruiva e, consequentemente, uma vítima em potencial.

Se o filme peca pela falta de imaginação de uma ou outra passagem (como um sonho de Alberto com todos os pixels de uma fase de videogame) e por um clímax apressado, não falta respeito a todo esse espírito da série Vaga-Lume, conseguindo render uma obra cinematográfica para os jovens sem se furtar da vulnerabilidade inerente ao seu universo. Há também um humor que se equilibra bem com certa brutalidade, bem como a nostalgia em ver personagens em uma ambientação contemporânea sem o inconveniente de dispositivos eletrônicos assumindo algum protagonismo. Que seja a primeira de muitas adaptações da série Vaga-Lume.


O ESCARAVELHO DO DIABO
(2016, 98 minutos)

Direção
Carlo Milani

Roteiro
Melanie Dimantas
Ronaldo Santos

Elenco
Thiago Rosseti
Marcos Caruso
Jonas Bloch
Selma Egrei
Lourenço Mutarelli
Ronaldo Santos




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