Sunday, April 3, 2016

A LOIRA (um conto de Márcio Calafiori)



“Viu os dois casais que acabaram de sair?”

“Quais?”

“Aqueles que vão ali...”

“Eles estavam aqui?”

“Bem ali naquela mesa.”

“Não vi. Será que perdi o interesse pelo ser humano?”

“Quando eles saíram você estava consultando o cardápio.”

“Por falar nisso, o que estamos fazendo nessa pizzaria? Vamos recapitular, pois no século 21 considero absolutamente suspeito dois homens feitos se encontrarem pra comer pizza numa véspera de feriado.”

“Recapitular o quê?”

“Relembre, por favor, como viemos parar aqui.”

“Acabei de dar uma palestra. Você me acompanhou pra verificar o que precisa ser corrigido no meu discurso. Como me pagaram pela palestra, te convidei pra comer uma pizza.”

“Ah, bom! Como dizia o Paulo Francis, vivemos numa época em que não se pode mais andar abraçado com um amigo na rua. Triste época.”

“Olha lá, o outro casal de despediu. Só ficaram o cara e a loira.”

“Vendo daqui, a loira parece sensual.”

Ela é uma coroa tipo Vera Fischer, muito bonita.”

“Por que eles estão parados na esquina?”

“Acho que eles saíram juntos pela primeira vez, por isso é que estavam na companhia do outro casal.”

“E daí?”

“O cara agora quer ficar com a loira, mas pelo visto ela não quer.”

“Pelo menos ele está tentando ser convincente.”

“Quando saiu daqui, ele tentou pegar a mão dela. Ela então afastou a mão discretamente, fingindo que ia abrir a bolsa; e também retardou um pouco o passo pra não ficar ao lado dele. A tática do cara foi lamentável.”

“Concordo, pegar na mão é um gesto íntimo.”

“De qualquer modo, ele tentou ser decisivo.”

“É, mas eu jamais faria isso.”

“O que você faria?”

Eu ficaria só conversando.”

“E se ela não gostasse de conversar?”

“Jamais saí com uma mulher que não gostasse de conversar.”

“Qual a tua aposta?”

“O quê? Como assim?”

“Esse cara vai conseguir ficar com a loira?”

“Você aposta o quê?”

“Eu aposto que não.”

“Eu também apostaria que não, mas vou apostar que sim. Sou do contra.”

“Essa nossa aposta me lembrou aquele filme com o Marlon Brando e o Frank Sinatra. Eles apostam sobre qual deles vai conseguir comer a Jean Simmons, que faz o papel de uma moça do Exército da Salvação. Esqueci o nome do filme...”

“Guys and Dolls.”

“Esse mesmo. Grande filme. Olha lá, a loira se afastou mais um pouco, como se quisesse ir embora. Eles estavam num ângulo da esquina e agora estão quase no outro.”

“Qual será a história dessa loira?”

“Ela parece professora de primário.”

“Deve ter sido casada, se separou, criou sozinha dois filhos (um casal) e agora está cansada de ficar em casa, desperdiçando o que lhe resta de beleza.”

“Você vai perder a aposta. Decididamente, esse cara faz tudo errado! Ele tentou mexer no cabelo dela.”

“Esse erro é absolutamente infantil. A mulher fica duas horas arrumando o cabelo e o cara vai lá e mexe?”

“A principal falha dele é a falta de criatividade. Ele não sabe conversar, então tenta compensar isso com gestos supostamente carinhosos.”

“Mas apostei nele, e vou torcer por ele. De repente, o cara diz algo, ela sorri...”

“Mas até agora ela não sorriu.”

“Esses dias eu vi um filme... O cara era feio, mas experiente com as mulheres. Sabe o que ele dizia?

“Não faço ideia.”

“Ele dizia: ‘Mulher gosta é de companhia.’”

“A loira tá quase indo embora...”

“Será que ele vai deixar que ela vá embora sozinha? Esse cara é um fraco.”

“A loira deve morar aqui por perto e não quer que ele saiba onde ela mora. Mas esse cara deve estar com boas intenções. Caso contrário, não a convidaria pra conhecer os amigos dele, pois o casal era amigo dele, e não dela.”

“Se eu fosse encontrá-la, não convidaria ninguém.”

“Mas vai ver que esse foi o único modo que ele encontrou para que ela aceitasse sair: a companhia de outras pessoas.”

“Esse é um dos piores foras: quando a mulher exige a companhia de outros, justamente pra não ficar sozinha com você.”

“O trágico é se apaixonar por uma mulher linda assim sem ser correspondido... Ah, não acredito!... A loira deixou o cara pegar a mão dela.”

“Caramba, o que será que a convenceu?”

“Não sei, as mulheres me surpreendem sempre.”

“Sabe o que eu acho que ele disse pra convencê-la?”

“O quê?”

“Acho que ele disse: ‘Nunca mais vou conseguir dormir sabendo que não te terei. Oh, minha amada. Penso em ti como jamais pensei em outra mulher. Você é única, inesquecível. Não sei mais o que fazer. Estou completamente apaixonado, perdido, ferido mortalmente de amor.’”

“Em pleno século 21 será que as mulheres não estão cansadas desse drama?”

“Você é um intelectual estúpido. As garotas gostam de emoção, meu caro.”

“Essa loira me decepcionou.”

“Que venha a pizza!”






Márcio Calafiori é jornalista. 
Nasceu em 1957 e se formou 
pela Facos em 1986. 
Exerceu quase todos os cargos 
em redações de jornais em Santos, 
Santo André, Campinas e São Paulo. 
Foi redator, repórter, revisor, editor, 
secretário de redação, 
chefe de reportagem e ombudsman. 
Aposentou-se em 2012 
como professor da Unisanta, 
depois de 29 anos 
de dedicação exclusiva 
ao Jornalismo Impresso.
Colabora regularmente com
LEVA UM CASAQUINHO.


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