Uma das principais preocupações dessa Mercearia, bem como do nobre blog que a hospeda, é evitar a todo custo apologias sobre o que for. Em especial as relacionadas com ervas.
Toda erva é boa? Como tudo nessa vida, há o lado bom e ruim das coisas. Alguns diriam que tudo depende da dose, algo que dá boa margem para controvérsias. Como na natureza, há situações e até mesmo pessoas ao longo da vida que, se não transformadas, são altamente tóxicas.
Tudo dependeria do gosto, de como o organismo reage a determinado princípio ativo, da predileção e do que Kant chamaria de ‘inclinação’. Bom... entende-se? Não sabemos, ao certo. É bem raro se ter exata noção do porquê gostamos daquilo que gostamos.
Nesse passeio pelos ‘mistérios da vida’, talvez encontrássemos belas justificativas para o nosso mau-caratismo; ou para todas aquelas coisas que julgamos inexplicáveis e que atrapalham pacas. Sim, aquele universo de padrões que se repetem e não damos conta para um ‘basta’ na tragédia pessoal.
Quando a dor interna é gigantesca, lá estamos nós enfiando os pés pelas mãos. Como seres racionais, não deveria ser assim. Porém, acontece: ervas, bebida, comida, trabalhos intermináveis, práticas esportivas à exaustão, sexo, viagens, agressividade, diversas substâncias, auto-flagelo. Se colocássemos na ponta do lápis o custo (e o impacto!) da operação, entraríamos para um monastério beneditino e nunca mais poríamos a cara na rua.
De repente, saímos de casa para vermos se nós mesmos estamos na esquina. Em geral, não estamos. Mas vale o passeio: fatalmente encontramos alguma ‘tchurma’ que nos ajuda a passar o tempo nesse fio terminável entre a maternidade e o cemitério.
Entre perdas e danos, quando essa ‘dorzinha’ é bem dilacerante, nos entregamos a esses passatempos que encurtam o fio. Uns mais nocivos, outros mais benevolentes. Talvez isso explique certas ‘inclinações’ (alô, Kant! Aquele abraço!). Tem filosofia de bar, mas também tem filosofia regada a Ilex Paraguariensis.
Ilex Paraguariensis é o nome científico de um determinado tipo de erva que faz a cabeça de qualquer civilização entre o estado do Paraná e a Terra do Fogo. Sim, a erva mate! Só para se ter uma idéia (maldita resistência essa, a minha, contra a nova ortografia da Língua Portuguesa!), se você chegar para um argentino e dizer que ele perdeu o emprego, está com uma doença terminal, que a mulher dele distribui ‘pro geral’... vida que segue. Mas se você avisar que ‘no hay el mate’, pode se preparar que até Deus será destituído do posto de Si mesmo.
A versão das praias santistas é a da folha torrada e moída. O que deve causar um enorme transtorno para as civilizações entre o Paraná e a Terra do Fogo quando se instalam na cidade ou vieram curtir ‘el verano’ nesse ponto remoto dos mares-do-sul. Deve ser algo parecido com maionese na pizza... mas, tudo bem.
Nessas humilíssimas praias, o elo entre o vício do gaúcho (que não é somente um morador do Rio Grande do Sul) e a verve transcendental dos indianos (chineses, japoneses e toda aquela galera do Extremo Oriente): a folha torrada e moída na infusão. O bom e velho chá.
Se o matogrossense pode enfiar o pé na jaca com o ‘tereré’, por que os santistas também não podem gelar a beberagem?! Assim, nasce uma marca dos tempos modernos de algumas praias entre Espírito Santo e Paraná: o tal ‘mate gelado’!
Tal refrescância é uma marca local. Sendo Santos uma ‘cidade de passagem’, das várias importações feitas de outras culturas, a do consumo de mate gelado talvez seja a que nos caracterize melhor. Não é um cultivo caiçara ‘de raiz’, mas já que está todo mundo partindo para a ‘resignificação caiçara’, de repente, eis um traço desse ‘caiçara urbano’.
Rodando aqui e ali, sul da Bahia, litoral catarinense, montanhas paulistas, interiorzão ‘show-de-bola’, Vale do Jequitinhonha, Vale do Rio Doce (que não é a corporação, mas unicamente a topografia, aliás, linda de morrer!) e as Alterosas¹, foi muito raro (para não dizer ‘nunca’) encontrar o tal ‘mate gelado’. Definitivamente, se a bebida é popular em algum lugar do Brasil, esse local é Santos.
Uma técnica aprendida com os indianos: mesmo seca e torrada, quanto maior o tamanho da folha (quanto mais ‘integral’), mais leve é o sabor. Se a folha for muito picada ou moída, mais acentuado esse sabor se torna (a bebida fica mais escura, inclusive, após o processo de infusão). Entre outros aspectos, a oxidação da folha ‘in natura’ também conta para um gosto mais ‘marcado’ do chá.
Sem querer desmerecer a Isa (dos sucos, que brevemente também será alvo dos olhares dessa Mercearia), quando o ‘coraçãozinho’ aperta, o seu vizinho do Mate da Barra também pode ser uma legítima opção para se ‘espantar a crise’. Capitaneado pelo falante (e quase lendário) Marquinhos, o pit-stop ali pode ser tremendamente estratégico.
A praia do Joinville, para quem não é da cidade, é uma porção da praia do Boqueirão que vai do canal 3 à Av. Conselheiro Nébias (sentido São Vicente-Ponta da Praia). Recebeu esse nome pela referência feita pelos ‘locais’ com à mítica doceria Joinville, à Av. Pres. Wilson (um desses patrimônios imateriais de Santos que ninguém consegue explicar). O Joinville é frequentado por pessoas mais jovens (nem que seja de espírito), belíssimos corpos sarados, vida saudável (pero no mucho) e positividade (de alguma maneira): uma espécie de ‘trading topics’ para qualquer um com intenção de se tornar ‘transadíssimo’.
Ali, o Sr. Marcos assenta seu carrinho de mate, onde também são encontradas generosas tigelas de açaí, suco de abacaxi (que também pode ser servido com açaí e guaraná), além de aluguel de pranchas para o SUP². Dependendo do horário, além de um bom papo com o próprio Marquinhos, o(a) freguês(a) também pode presenciar o proprietário se lançar ao mar para suas costumeiras (quase diárias!) ‘remadas’.
A vantagem de se viver em centros urbanos ladeados por praias: certamente surgirá algum ponto-de-encontro (bem diferente da Fátima Bernardes). O Mate da Barra é um deles. Aliás, e é bom que se diga, dos vários espalhados ao longo das praias de Santos. Cada morador da cidade tem o seu, a sua ‘tchurma’, dos que praticam vôlei aos que jogam ‘beach tennis’, dos que abraçam lindamente a caipirinha (reza a lenda que é uma criação local!) aos que passam o dia inteiro na canoa havaiana. Democrático: dos futebolistas aos que levam seus filhos para empinar pipa e brincar a tarde inteira.
O ser humano: esse bichinho tido como ‘social’ (pero no mucho). Em tempos de polaridades um tanto canhestras, ainda se estende a bandeira branca para simples refrescâncias e conversas desinteressadas. A vocação brasileira para Irlanda do Norte (o brasileiro ainda desconhece esse seu ‘lado’!) dá uma trégua: é possível deixar certas ‘incandescências’ juntas com a pasta-de-dente para se ter algum sossego. Essa modesta Mercearia, a cada dia, acredita mais e mais nisso.
E, certamente, depois de uma simples visita a esses pontos-de-sobrevivência, voltamos para casa com a alma um pouco mais leve e a cabeça um pouco mais organizada.
No caso do mate do ‘Marquito’, tudo isso regado a Ilex Paraguariensis, seco, moído, infuso e posteriormente refrigerado. Com limão ou sem. Em tempos de se redefinir o ‘caiçara contemporâneo’, moderno e urbano, numa avalanche de resignificações, cabe sugerir uma marca local que não se encontra muito por aí. Um refrigério para os ensandecidos dias quentes, mas que pode salvar uma vida.
No caso do mate do ‘Marquito’, tudo isso regado a Ilex Paraguariensis, seco, moído, infuso e posteriormente refrigerado. Com limão ou sem. Em tempos de se redefinir o ‘caiçara contemporâneo’, moderno e urbano, numa avalanche de resignificações, cabe sugerir uma marca local que não se encontra muito por aí. Um refrigério para os ensandecidos dias quentes, mas que pode salvar uma vida.
(¹) Alterosas: nome carinhoso dado à região metropolitana de Belo Horizonte, que engloba a própria capital do Estado de Minas Gerais e as cidades vizinhas.
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