O CREPÚSCULO DOS NOSSOS ÍDOLOS (por Antonio Luiz Nilo)

As interpretações de Wagner Moura em Abril Despedaçado, Cidade Baixa, Tropa de Elite e mais recentemente Narcos fizeram do ator uma preferência nacional. Não existe quem não o idolatre ou, pelo menos, quem não o reverencie como um ator extraordinário. Ou melhor, não existia! Porque depois de seus depoimentos que condenam as prisões do Lava Jato, qualificando-as de midiáticas, sua popularidade simplesmente despencou. Hoje é comum ouvir frases do tipo: “Parei de assistir à série e não assisto a mais nenhum filme desse cara”. Ou ainda: “Ator bom, porra nenhuma. Isso é um petralha miserável, deve ganhar muito dinheiro do governo ”.

Lobão e Roger (Ultraje a Rigor), ícones do rock e unanimidade da juventude dos anos 80, vivem o mesmo drama só que do lado onde o muro é pintado de azul. Condenados por suas ofensivas radicais contra os encarnados, viram balançar seus alicerces profissionais, sofrendo boicotes generalizados. Lobão chegou a ter todos os seus shows cancelados em 2015 e continua virgem em 2016. Apesar de tudo, o mais contundente crítico do governo Dilma ainda segue otimista: “isso não vai perdurar por muito tempo”. Sabe como é, até mesmo um lobo feroz não deve perder a elegância diante da decadência. Mas ele, em rigor, pede misericórdia.

O caso mais curioso sem dúvida é do excelente Gregório Duvivier, que condena veementemente o “golpe” e o “facismo”, apesar de ter ganhado notoriedade através de seu grupo Porta dos Fundos que chegou a fazer, em junho de 2013, um vídeo no Youtube onde a “presidenta”, com o seu indefectível tailleur salmão, sugere aos membros do governo uma trégua na roubalheira (sucesso da internet com mais de 8 milhões de views). Na época, Duvivier ainda não se expunha politicamente, pelo menos com a assiduidade de hoje. Mas ele não participou do vídeo como ator... e, deduz-se, nem como redator. Mesmo assim, na semana passada, um blogueiro o acusou de ter mudado o discurso depois da “Ancine” (numa alusão a uma possível ajuda do governo ao Porta dos Fundos).

Outra acusação importante foi a de que o grupo usou de sua habilidade criativa para dissimular as críticas que sofreu depois dos sucessivos depoimentos de Duvivier e especialmente depois dessas acusações recentes, publicando ontem (dia 11/04) um vídeo intitulado Reunião de Emergência 3, Delação 2, onde eles, os próprios atores do Porta dos Fundos, tomando champanhe e revirando sacos de dinheiro, assumem espalhafatosamente que ganham milhões do governo para defendê-lo em seus vídeos atuais. Segundo os acusadores, esse tipo de comédia farsesca, onde se pega uma verdade e a transforma numa cena hiperbolicamente ridícula, costuma ter um efeito incrível no público médio: por achar a mensagem exagerada e assumida, essa grande parcela da população tende a interpretá-la como mentira (algo semelhante ao que a Globo faz com o personagem revolucionário nordestino, interpretado por Adnet, que mete o pau na emissora, criticando sua programação, o seu conteúdo e até o seu monopólio no divertidíssimo programa Tá no Ar: A Tv na Tv).

Hoje, o Porta dos Fundos é encarado com muitíssimo mais reserva pelo pessoal de direita do que pelo de esquerda (independente de os motivos terem fundamento ou não)

Quem não se lembra do prefeito Florindo “Seu Flô’, de Roque Santeiro... do avarento Nonô Correia de Amor com Amor se Paga ou do Coronel Artur da Tapitanga de Tiêta? Personagens que fizeram de Ary Fontoura uma das maiores referências da teledramaturgia do país. Pois não é que até o Coronel Quinzinho acabou perdendo ibope por causa de suas declarações no programa do Faustão. Afinal, não é uma medida nada popular dizer para mais de 50 milhões de eleitores de Dilma que foi ela quem deu golpe ao prometer uma infinidade de coisas ao povo brasileiro e não ter cumprido.

Eu podia me estender por horas falando aqui de Tico Santa Cruz, Marina Lima, Marieta Severo, Xico Sá, Camila Pitanga, Otávio Mesquita, Caetano Veloso e das inclinações políticas de outras dezenas de artistas. E mais algumas horas sobre o perigo que eles sofrem de perder popularidade em função dessa dicotomia apaixonada e consequentemente irracional que estamos vivendo nos dias de hoje.

Mas o principal personagem dessa crônica não é o artista. É o público. É ele que paga por esse show de corrupção de quem está no poder. É ele que paga para aqueles que lhe roubaram o voto e a confiança. E, infelizmente, é ele que se arma até os dentes para combater o opositor de esquerda ou de direita sem saber que esse opositor poderia ser o seu verdadeiro aliado nessa guerra.

Antonio Luiz Nilo

nasceu em Santos
e é redator publicitário
e diretor de criação
há quase 30 anos,
com prêmios nacionais
e internacionais.
Circulou a trabalho
por todo o país,
com paradas prolongadas
em Brasília, Belo Horizonte e Salvador.

Publicou em 1986
"Poemas de Duas Gerações"
e, mais recentemente, o romance
"Ascensão e Queda de Pedro Pluma"
(à venda em alnilo@gmail.com).
Além disso, atuou como cronista
para o diário Correio da Bahia.
De volta a Santos desde 2013,
Antonio segue sua trajetória
cuidando de Projetos Especiais
na Fenômeno Propaganda
e como sócio-diretor
da Agência de Textos
TP Texto Profissional.