Wednesday, October 28, 2015

AS DESVENTURAS DO ROCK PAULISTANO (1984) UM TEXTO ANTOLÓGICO DE PEPE ESCOBAR

por Pepe Escobar


Tudo agora gira em torno do Rock in Rio. As gravadoras produzem volumosos press-books divulgando os feitos das estrelas que vão aterrissar nestes trópicos. A garotada voa atrás dos ingressos. Heavy por heavy, na Europa e EUA só se ouve heavy. Aqui no verão, a fritura de cabeças e corpos será em escala nunca vista.

Por acaso, no meio do caldeirão, teremos uma eleição (?) para presidente. No dia 16 de janeiro, algo terá mudado - ou não - e poucos irão saber. Porque no dia anterior , a TV só terá dado o incêndio de watts de AC/DC ou outra luminária heavy. A Globo vai cobrir o Rock in Rio com um esquema mais complexo do que utilizado nas Olimpíadas. No Rio e São Paulo, em diversos círculos ligados ou não à indústria da música, este é um assunto viral no momento. Muita gente está preocupada. Enquanto o circo pega fogo...

Os fatos continuam se avolumando. Não há nenhuma banda paulista incluída na programação do Rock in Rio. Será no mínimo ridículo - inclusive para os próprios grupos. Imaginem Kid Girimum e suas Lagartixas Amestradas abrindo um show para as Go-Go's. E Ivan Lins? O que este cavalheiro está fazendo em um festival de rock?

Problema básico: o rock paulista debate-se em guetos, e nele permanece. Seu espaço na mídia é limitado. Há boas possibilidades em ascensão, como o RPM e os Voluntários da Pátria. O RPM deveria ser contratado imediatamente por uma grande gravadora. Os Voluntários lançaram seu primeiro LP independente, e se passarem por cima de suas letras PT, vão longe. O Zero está com uma ótima fita gravada em estúdio. O resto é de lascar.

Esta semana, recebemos uma carta do vocalista do Zero, Guilherme Isnard, comentando o estado de coisas. Ele se refere à programação atual do Val Improviso, com vários grupos de rock paulista: "Quero denunciar a programação nesse pulgueiro que é o Val Improviso (neonazis ride again), que no final é uma armação para alimentar "algumas bocas", isso porque de onze ou doze grupos, sete são a maçonaria do rock, uma cooperativa (?) musical inter-grupos, que exclui novos instrumentistas que se inibem diante da presença dos egos multi-instrumentistas". A seguir Guilherme traça o mapa da máfia do rock paulistano, que qualifica de "genealogia dos neonazi", em homenagem ao cidadão Nazi, vocalista do Ira e também do Voluntários. Guilherme termina defendendo seu ponto de vista: "Não é recalque não, é só a indignação de ver os pseudo-colegas fechando a nova música nos mesmos e coligados", no final é o mesmo fascismo das danceterias, só que autofágico".

Adjetivos à parte, o raciocínio é correto. Gueto só serve para a Inglaterra, onde     há mercado - e locais de encontro - para todos. Aqui, não adianta algum grupinho tentar monopolizar a "vanguarda". Existe uma tendencia explorada pelos donos do mercado que precisa ser revertida. 


O texto acima foi publicado na FOLHA DE S. PAULO
 há exatos 31 anos, no dia 28 de Outubro de 1984
 deixou indignadas algumas bandas de rock paulistanas.
 E o caso se desdobrou, dois dias depois, na matéria abaixo…


ROCK PAULISTA GERA POLÊMICA 
E FUTURO DEBATE NA FOLHA
(Folha de S.Paulo, 30/10/1984)

Roqueiros revoltados invadem a redação e ameaçam Pepe Escobar.

da Reportagem local


Representantes de doze bandas de rock - entre elas "Garotas do Centro", "Voluntários da Pátria", "Ira", "Inocentes" e "Metrópolis" - estiveram na redação da "Folha", no final da tarde de ontem, com o objetivo de manifestar seu desagrado quanto aos artigos do jornalista Pepe Escobar na "Ilustrada". Motivados pelo texto "Desventuras do rock paulistano" (Ilustrada, 28.10.84), solicitaram uma discussão mais ampla da questão, com a presença do jornalista, suspensa, entretanto, devido à momentânea exaltação dos queixosos. Ânimo exaltado, o vocalista do "Ira", Marcos Valadão (o "Nazi"), tentou partir para a agressão física, contida pelos seus companheiros. Assim que começou o tumulto, agentes de segurança do jornal se aproximaram mas não foi necessária sua intervenção.

Os artistas sentem-se atingidos em sua profissão, considerando que Pepe Escobar "não se interessa em entrevistar e ver de perto o trabalho das bandas, escrevendo de "orelhada" e incitando fofocas no meio", conforme disse Miguel Barella, da "Voluntários da Pátria". Por isso, enquanto profissionais, "viemos em conjunto desautorizar o Pepe Escobar a escrever sobre elas. Não estamos contra a Folha e sim contra um crítico incompetente", sintetizou Marcus Mocef, produtor da Mundo Moderno, responsável pelo projeto (em andamento) de apresentação dos grupos no bar "Val Improviso".

No calor da discussão Nazi tenta agredir o jornalista
...mas é contido pela turma do “deixa disso”

Convidados a colocarem suas reclamações com tranquilidade, um grupo de sete pessoas(das bandas "Mercenárias", "25 Segundos Depois", "Smack" e "Voluntários da Pátria", e do "Mundo Moderno) esclareceu que o descontentamento, quanto às críticas, vem da postura do jornalista: "Ele louva as bandas estrangeiras, independentes como nós, e impede que a semente brasileira cresça. Se Pepe é crítico de rock estrangeiro deve se limitar a isso; ou então vá conhecer o trabalho desenvolvido aqui para depois falar", disse Miguel.

Segundo Neusa Vidolini, da "25 Segundos Depois", o jornal pode falar o que quiser, bem ou mal, "desde que se tenha conhecimento de causa. Senão o conjunto das pessoas enfocadas desautorizam o trabalho, mesmo que a Folha continue apoiando essa pessoa".

Ainda segundo esses representantes, Pepe agiu mal quando utilizou trechos da carta do vocalista do "Zero", Guilherme Isnard (onde discutia a mecânica de programação de rock na cidade) no texto publicado domingo último. "Ele quis incitar polêmica e fofoca no meio", disse Miguel. O crítico afirmou que simplesmente tomou parte do texto enviado à Folha para denunciar um "estado de coisas". Quanto às denúncias afirmou já ter ouvido a maioria das bandas ao vivo, constatando que a maioria, musicalmente, é muito ruim.

"Já citei uma série de grupos que inclusive não vieram aqui: Magazine, Ultraje a Rigor, Zero, RPM, todos paulistas, em vários textos. Quando a produção é boa, sai publicado. O critério é óbvio. Mas se o trabalho é primitivo isso tem que ser levado a publico. Esse episódio é lamentável: fruto da posição fechada de um grupo que não aceita crítica e parte para a agressão, ao invés de argumentar. Nos países civilizados, a imprensa não precisa andar armada para se defender dos criticados. Aqui, pelo visto ainda impera a dialética do faroeste". Quanto à sugestão de que escrevesse apenas sobre rock inglês", disse que não exerce na "ilustrada" a função de crítico de rock brasileiro, e sim escreve sobre vários assuntos. 

Atendendo à ansiedade dos músicos, a Folha se dispôs a organizar (em data a ser marcada nos próximos dias) um debate em seu auditório, ao qual compareceriam tanto representantes das bandas quanto críticos e especialistas convidados,público, e também o jornalista Pepe Escobar. O assunto deverá ser a produção musical do gênero, suas dificuldades e o papel da crítica.

Pepe acha essa decisão algo positiva: "Quero discutir a competência , e não a paranóia de membros dos grupos".

Pepe Escobar nasceu em 1954
e foi o jornalista cultural
mais brilhante e ativo
 do "dream team" de jornalistas
da Folha Ilustrada nos Anos 80.
Deixou o Brasil há mais de 25 anos
para viver no Oriente, 
e desde então trocou o jornalismo cultural
pelo jornalismo político internacional.
Trabalha para o Asia Times Online
onde assina a coluna The Roving Eye,
 e é consultor do Russia Today,
 da Al-Jazeera e da Iran Press TV.
Seus textos são publicados em português
pelo portal VERMELHO.com.br.
 Pepe vive atualmente em Hong-Kong.



No comments:

Post a Comment