Monday, May 30, 2016

2 OPINIÕES DIVERGENTES SOBRE A PRODUÇÃO FRANCESA "OS ANARQUISTAS"



OS ANARQUISTAS: BEM ACABADO RETRATO DE UMA ÉPOCA
por
Carlos Cirne
para
Colunas & Notas

Na Paris do ano de 1899, o policial Jean Albertini (Tahar Rahim, de “Samba”, 2014) é escolhido para se infiltrar num grupo de anarquistas que tentam abalar as bases do governo francês, à custa de pequenos atentados a bomba e roubos a casas de milionários.

Escolhido justamente por não ter laços de parentesco com ninguém – e por ler e escrever com clareza -, Jean começa, pouco a pouco, a se envolver com os membros do grupo de uma forma um pouco mais intensa do que sua missão exigia. Na verdade, os anarquistas, liderados por Elisée (Swann Arlaud), acabam se tornando meio que a família que ele não teve, sendo que Judith (Adèle Exarchopoulos, de “Azul é a Cor Mais Quente”, 2013), companheira de Elisée, desperta em Jean avassaladora paixão.

E tudo começa a ficar mais complicado. Jean, para manter seu disfarce, e assim conseguir informações mais precisas das ações programadas pelo grupo, tem que começar a participar de forma ativa nestas ações, todas fora da lei.

O que o jovem diretor Elie Wajeman (de “Alyah”, 2012) consegue com “Os Anarquistas” é um muito bem acabado retrato de uma época pouco explorada no cinema (a virada do século XIX para o XX), em especial o francês, com um elenco cativante e preciso. A falta de perspectiva da população, o caos social e as péssimas condições de trabalho, aliados à completa falta de qualquer tipo de salvaguarda para a classe trabalhadora, transformaram a Paris do período em terreno fértil para qualquer tipo de ação que pudesse dar um fim a esta situação, mesmo as mais extremadas, como as dos anarquistas.

E o filme discute não só o efervescente período histórico, e suas mazelas sociais, mas também a organização familiar do grupo, com seus personagens bem delineados, que conseguem retirar poesia e companheirismo de situações beirando a pobreza absoluta. Até mesmo o sonho de redenção dos imigrantes franceses, que rumavam para a América em busca de vida melhor. Este é o destino de uma das personagens, mesmo que isso signifique que seus sonhos imediatos tenham sido destroçados. Sem contar a experiência da viagem de navio na terceira classe, à qual nem todos sobreviviam.


Bela fotografia e trilha sonora composta por canções contemporâneas, num interessante contraponto, contribuem para o resultado visto nas telas. E um elenco coeso, dirigido com precisão, só melhora este resultado. Não perca.




O PENSAMENTO DO ANARQUISMO E A VIOLÊNCIA EM UM FILME DESENCONTRADO
por
Marcelo Leme
para
Cine Players


Considerando o movimento de transformação social proposto e a época que o filme busca retratar, a sensação legada quando enxergarmos o início dos créditos finais é que tal obra sofre para atingir um mínimo de relevância contextual e política, dado o relevo histórico desenhado pelos realizadores. O filme é pobre! Bons enquadramentos e o talento dos atores pouco fazem frente à esterilidade do roteiro, que não chega a impelir o espectador com o que deseja passar criticamente. Qual é o foco, então? A ação dos anarquistas ou um romance ocasional entre eles? Em suma, o filme traz um grupo de jovens anarquistas em Paris, lá no finalzinho do século XIX, planejando levantar a bandeira de seu pensamento, até a violência eclodir. Você, leitor, irá por muitas vezes recordar de Os Miseráveis.

E o que é ser anarquista? O roteiro em momento algum procura explorar a indagação, mas as atividades do grupo. Talvez nem tenha sido seu interesse fazer-nos compreender o conceito de uma maneira abrangente. E qual seria o interesse? Desenrolar-se sobre um relacionamento em meio às ações de seus membros? Isso explicaria a entrevista inicial que assistimos, quando a personagem da bela Adèle Exarchopoulos, Judith, ratifica: “O amor me fez uma anarquista!”. Então é uma história de amor travestida de drama de época ou de suspense policial. Ou esse amor refere-se a ideologia que ganhou voz nos escuros becos parisienses.

O jovem cineasta francês, Elie Wajeman, dirige o drama. Alguns de seus interesses são claros. Contar um aspecto ideológico que parece lhe ser um interesse particular e explorar os bons atores que tem em mãos. A seu favor, a junção de duas jovens estrelas do país: Exarchopoulos, reconhecidamente colérica no libidinoso Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle, 2013); e o ótimo Tahar Rahim, em franca ascensão na Europa, que vem trabalhando com importantes nomes. O diretor dá ênfase a dupla, parecendo acreditar que juntos dariam conta de tocar o filme para além da ideologia que os cerca. Alguns planos se concentram nos olhares de Exarchopoulos que embeleza a fotografia e que não reside em cena unicamente por sua feição envolvente. Sua personagem é forte, tem serventia política e filosófica.

De maneira similar está Rahim com seu Jean, policial de vagas convicções políticas, cuja frieza e indiferença rendeu-lhe um convite para um posto complexo no departamento o qual trabalha: se infiltrar no meio de um grupo de anarquistas que vem ameaçando a elite da capital francesa. Aí a narrativa encontra seu norte, a ligação desse personagem ao grupo e a relação que passa a ter com eles, quando em profunda convivência reconhece o símbolo de suas lutas. A ideologia, para Jean, passa a fazer sentido, especialmente por que se apaixona. A expectativa que reina é quando se dará a descoberta da verdade, o que implicará em decepções morais e românticas.

A conotação de frieza vislumbrada pelas lentes rigorosas da câmera nunca encontra alguma oposição que lhe sirva de contraste estético simbólico. Se há algo quente, é a relação dos anarquistas e o romance repentino naturalmente instaurado entre a dupla protagonista. Mas até estas parecem impassíveis. Há embates dentro de uma própria vertente. Nesse caso, o roteiro não fundamenta a ideologia de seus personagens, apenas permite que seus diálogos – com algumas frases soltas retiradas da literatura clássica francesa, passando de Mikhail Bakunin a Victor Hugo – orientem as atividades escolhidas pelo grupo. Em suas individualidades, muitas coisas são explanadas.

A elaboração da época é simples e eficiente em planos bem definidos, não escondendo as limitações na composição artística e construção dos cenários. Quase sempre os planos são fechados, em quadros muito próximos e locações pequenas, como becos, apartamentos ou a fábrica que une alguns operários dispostos a derrubar o sistema. A arte restringe-se as cores frias que o inverno contextual oferece e aos figurinos rudimentares. Em certo ponto as roupas inspiram uma questão sobre como se veste um autêntico militante anarquista e que tal maneira não faz da pessoa uma defensora da causa. Mera alegoria.

O pensamento em torno do anarquismo não é especificado. Fala-se dele, mas não sobre ele. O foco são os anarquistas e não o anarquismo. Interessa mais mostrar seu grupo e centrar no infiltrado. É ele que acompanharemos. Essa concentração é um modelo esquemático e faceiro, afinal, supõe-se o que acontecerá na coligação logo após o policial iniciar seu trabalho. É aí que o filme se perde, ou melhor, que se desencontra. Sua proposta vigora nas relações interpessoais de pessoas diferentes militando às escuras, no entanto não escapa o fato de que nesse meio o que interessa na linha narrativa é a tarefa de Jean, cujos escrúpulos raramente soam dúbios. Seus feitos e comportamentos são previsíveis; e é uma previsibilidade convencional a qual o roteiro aposta por segurança. A superficialidade toma conta, mas está ancorada pelo ideal político provocativo, que somente consegue despertar algum interesse por ressoar -– naquelas circunstâncias e somente nelas -– revolucionário.


OS ANARQUISTAS
(Les Anarchistes, 2015, 101 minutos)

Direção
Elie Wajeman

Elenco
Tahar Rahim
Adèle Exarchopoulos
Swann Arlaud
Guillaume Gouix
Karim Leklou
Sarah Le Picard
Emilie de Preissac

em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
com sessões às 16h20 e 20h50

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