Friday, May 13, 2016

DIA DE CIRCO (uma alegoria em tom de farsa, por Ademir Demarchi)



O palhaço, o que é??? É ladrão de mulher!!! Não adianta, o pretenso palhaço roubou a mulher, ponto final. Não há complemento suspeitoso como, num outro circo, se poderia dizer: “O palhaço roubou a mulher -- do acrobata”. A frase acaba antes, roubou, ponto final, roubou dela, não ela. Esse pretenso palhaço não tem graça, é larápio escorreito, até as feministas nas arquibancadas estão protestando histéricas que ele só rouba porque é mulher. Na verdade nem palhaço ele é, sem graça total, depois de fazer de tudo no circo e regurgitar rancor dizendo que nunca foi reconhecido, acomodou-se por um tempo na posição de boqueteiro engolidor – de facas, de espadas – de sapatos, de sapos, barbudos. “Putz, um pentelho”, dizia, quando encarava o grude da Castor, a mulher barbada e Ohana. Tirava os olhos da pelúcia, olhava para o infinito e pensava numa peruca. Loira, à Luiz XV. À noite, revirando na cama o porquinho urdido, sonhava com guilhotinas cantantes dançando cancã. Cansou-se por fim de posar longilíneo e ornamental ao lado de uma armadura anã. Em suas tramoias para ser outro, associou-se ao Deus Títere Barbudo, aquele que tocando harpa elegeu uma mulher como musa do circo, vendida como lindíssima, tal qual a Grelo Garbo, que desfilaria em alazão branco imponente... Elegeu orgulhoso, enchendo o peito de aço metalúrgico para dizer que elegia até poste. Eis que até para o mais exímio titerista o décimo dedo é indispensável no bem manipular suas marionetes. A esse faltava um, logo suas encenações acabavam mancas, a marionete encurtava as frases e acabava mal entendida dando margem para piadas dos palhaços e golpes dos acrobatas e contorcionistas e o sonhado alazão puf!, ela acabou apenas pedalando monociclos, contida, educada pelos malabares. O longilíneo boqueteiro engolidor de mágoas, humilhado, bufando humpfs, até que aguentava quieto, tendo rejuvenescido duas décadas ao se casar com uma loirinha bela, recatada e do lar, que lhe deu um filho que ele nem notara ser anão, tão ocupado com as espadas e as penas com que escrevia seus poemas. Pois foi isso que fez azedar tudo: ele se achava poeta e começou a se sentir na República de Latão, expulso dela como uma chapinha, e passou a ambicionar prateado ocupar a cena dourada principal do circo. Associou-se com Gilomar Mente, o vendedor de churros, gabola mentiroso e piadista de salão; pediu apoio para Geral, o cicerone que ficava à porta do circo vestido de casaca como um pinguim magro recebendo o público, querendo entrar e fazer parte do espetáculo; fez acordo com os mágicos Fuinha e Renard, hábeis ilusionistas da plateia, grandes devedores nas praças; se juntou com a trupe teatral funérea que encenava julgamentos de juízos finais envolvendo a plateia; fez pacto com o Floco de Neves, que veio recebê-lo de helicóptero numa furna diante de um monte nevado; encontrou-se com o Tetrahidrocanabinol, o THC, fornecedor da trupe que, chapado, disse que sim e disse que não e talvez muito bem pois não; conversou com todos os vices, irmãos solidários, como o Aranhão, o professor-fantasma, que sumia durante apresentação da transformação de homem em gorila; fez pacto com o Conde Ferra, o terrível e vingativo vampiro da Transilvânia que em suas apresentações saía sempre de dentro de um enorme esquife negro mas de ouro por dentro; visitou o Sr. Armarinho, responsável pela produção de espetáculos; foi a uma sessão do Pai Meirelão que lhe prometeu circo e circunvolução afastando todos os maus miados, garantindo amarração e, por fim, reuniu-se com a trupe dos Anões do Encantamento e partiu pra cima, botou um prego no caminho do monociclo. Chamou assembleia geral do circo e prometeu glamour para todos no espetáculo. Anões, malabaristas, palhaços, contorcionistas, equilibristas, mágicos, bufões, vendedores de churro, doces e cigarros cancerígenos contrabandeados do Paraguai, mágicos ilusionistas, gorilas trânsfugas, leões humilhados, cavalos esfalfados, mulheres barbadas, mancos, aleijados, débeis mentais iluminados, elefantes sonolentos, gatunos, caninos, peçonhentos, voláteis e toda a curriola apupou pronta para o novo espetáculo.


Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho







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