PROVA DE CORAGEM: A VONTADE E A APATIA
por Carlos Cirne
para Colunas & Notas
Um belo e bem sucedido casal enfrenta um mal disfarçado afastamento em sua relação, aparentemente sem motivo. Ele, Hermano (Armando Babaioff), jovem médico, cultiva o hobby de escaladas. Ela, Adri (Mariana Ximenes), artista plástica, procura acompanhá-lo, visivelmente sem o mesmo entusiasmo pelo esporte.
Para complicar ainda mais a relação já estremecida deles, Adri descobre-se grávida, o que não estava exatamente nos planos, principalmente de Hermano. Voluntariosos, ambos tentam seguir com suas atividades cotidianas, até que se descobre que a gravidez é de alto risco, o que não impede que Adri continue se dedicando – à custa de grande esforço físico – à finalização de sua exposição, prestes a abrir. E o risco também não demove Hermano de ir à Terra do Fogo para uma escalada radical, em companhia de Renan (Daniel Volpi), seu amigo e parceiro no esporte.
A tensão entre eles cresce exponencialmente, até que eles rompem, e Adri é forçada a repouso absoluto, sob risco de vida – dela e da criança. Entremeados ao tempo presente, assistimos a flashbacks da infância de Hermano e sua relação com uma namoradinha, Naiara (que reaparece no presente, na pela da atriz Áurea Maranhão), e o irmão dela, Bonobo, melhor amigo dele. E é claro que algumas ocorrências deste passado começam a ecoar em situações do presente.
Mais recente filme do novaiorquino/paulistano Roberto Gervitz (de “Feliz Ano Velho”, 1987; e “Jogo Subterrâneo”, 2005), “Prova de Coragem” desloca a ação do eixo determinista Rio-SP, para o Sul do país, com o casal vivendo em Porto Alegre. Curiosamente, os protagonistas escolhidos não são gaúchos, apesar do cuidado com o sotaque. Mariana Ximenes é paulistana e Armando Babaioff é recifense. Mas não comprometem.
Baseado no livro “Mãos de Cavalo”, de Daniel Galera, “Prova de Coragem” evidencia, em seu roteiro – também da autoria de Gervitz – o choque entre a força de vontade férrea de Adri (beirando a teimosia), e a quase apatia de Hermano. É como se ele paralisasse diante de qualquer obstáculo que vivenciasse. Chega a ponto de desenvolver vertigens – dedicando-se a escaladas! Tudo isso, claro, reflexo de uma série de questões a resolver em seu passado.
De ritmo lento e contemplativo, “Prova de Coragem” ganha o espectador pela bela fotografia do premiado Lauro Escorel, e o delicado trabalho de captação de som. Dois reparos: algumas incongruências lógicas – como o fato do protagonista, em plena crise, se deslocar de bicicleta, quando poderia chegar mais rápido de carro -; e um final menos abrupto, que poderia valorizar ainda mais o filme como um todo. Assista!
A DIFÍCIL ARTE DE VIVER
por Robledo Milani
para Papo de Cinema
Hermano é um bem sucedido cirurgião que precisa realizar um grande feito antes de assumir, de vez, a vida adulta. Adri é uma artista plástica indecisa entre a próxima exposição e a vontade de ter um filho. Naiara deixou seus planos de lado para se dedicar ao assistencialismo, ajudando crianças carentes enquanto segue lamentando o amor perdido da infância. Renan quer conquistar alturas, mas mal consegue ir além da sombra do próprio pai. Estas quatro figuras, que compõem o centro de Prova de Coragem, muito fazem durante o desenrolar desta história. Mas essas ações, é curioso perceber, pouco importam. Em um olhar mais apurado, o longa dirigido por Roberto Gervitz está mais preocupado com as pessoas do que com os acontecimentos entre elas.
Baseado no romance Mãos de Cavalo, de Daniel Galera – também autor de Até o Dia em que o Cão Morreu, que deu origem a Cão Sem Dono (2007) – Prova de Coragem é um filme mais sobre personagens e menos sobre fatos. Afinal, tudo quase acontece, sem nunca se concretizar. Hermano não entende a fixação da esposa em assumir uma gravidez de risco justamente quando ela se prepara para seu maior desafio profissional. Acuado pela pressão iminente, decide embarcar com o melhor amigo, Renan, em uma missão suicida: escalar um dos mais inacessíveis cumes da Terra do Fogo. Este, por outro lado, é um rebelde do sistema que vive de favor na casinha dos fundos do terreno dos pais, e passa seus dias sonhando com grandezas, mesmo sem estrutura para assumir compromissos reais. Naiara, o último elemento a entrar nessa equação, é um espectro do passado, cuja função é lembrar Hermano de um pecado de outrora, peso esse que precisa ser superado para que ambos possam seguir adiante.
Com indivíduos bem construídos, donos de motivações profundas e mais de uma camada de entendimento, resta aos atores defenderem com convicção estes papeis. E o conjunto se sai razoavelmente bem neste propósito. Armando Babaioff, estreando como protagonista, é o mais visivelmente esforçado. Talvez seja consequência de sua falta de experiência no formato, mas a dedicação com que o ator se entrega na elaboração de Hermano é o diferencial que possibilita uma identificação mais concreta com o espectador. Ele está sério, compenetrado, e sentimos crescer o dilema interno que enfrenta, a ponto de suas atitudes não serem apenas lógicas, mas esperadas. Mariana Ximenes, como Adri, segue outro caminho, aparecendo sempre à beira de uma explosão. É uma mulher sofrida, independente e decidida, mas temos pouca proximidade com ela, a vemos sob o ponto de vista dele, o que provoca um estranhamento confuso. Daniel Volpi e Áurea Maranhão, como Renan e Naiara, respectivamente, possuem relevância como motivadores do protagonista, mas não se sustentam sozinhos, existindo apenas como suporte dele. Atores competentes, no entanto, fazem a diferença em casos assim, tal como visto em cena.
Os personagens de Prova de Coragem precisam mostrar a si mesmos que podem mais do que se poderia supor. Só não sabem ao certo como fazer isso. Dessa jornada de autodescobertas se compõe o filme. Hermano vai para um lado ou outro, presente e passado, quando tudo que precisa é voltar ao lugar de sempre pronto para o futuro que vai começar. Adri tomou sua decisão, mas não vai conseguir sozinha. Naiara precisa abrir mão de antigas convicções, e Renan necessita, simplesmente, crescer. Os três, ainda que constituídos com pesos diferentes, são fundamentais na jornada do protagonista. São lados de um mesmo homem feito aos pedaços e que precisa conseguir se unir para buscar o melhor de si. As mãos de cavalo, duras e resistentes, escondem também uma apatia que o consome. Chegou o momento, portanto, de ultrapassar essa barreira e aprender a seguir em frente.
De início um pouco truncado, com uma edição apressada que poderia ter mais pontos de respiro, o longa vai aos poucos ganhando espaço e conquistando a audiência. Imagens impressionantes das escaladas – cortesia técnica da produtora Monica Schmiedt, uma das diretoras do documentário sobre alpinismo Extremo Sul (2005) – se opõem aos cenários quase claustrofóbicos dos ambientes fechados onde os personagens vivem, criando uma interessante justaposição que ganha força no olhar sensível e raro que se estabelece sobre a zona sul de Porto Alegre. Diálogos por demais expositivos, no entanto, podem incomodar alguns, mas como é bom ouvir o sotaque gaúcho falado com tanta naturalidade e propriedade. Prova de Coragem não é um filme perfeito, mas nem se depreende dele essa pretensão. E este, muito provavelmente, é o seu maior mérito.
A DIFÍCIL ARTE DE VIVER
por Robledo Milani
para Papo de Cinema
Hermano é um bem sucedido cirurgião que precisa realizar um grande feito antes de assumir, de vez, a vida adulta. Adri é uma artista plástica indecisa entre a próxima exposição e a vontade de ter um filho. Naiara deixou seus planos de lado para se dedicar ao assistencialismo, ajudando crianças carentes enquanto segue lamentando o amor perdido da infância. Renan quer conquistar alturas, mas mal consegue ir além da sombra do próprio pai. Estas quatro figuras, que compõem o centro de Prova de Coragem, muito fazem durante o desenrolar desta história. Mas essas ações, é curioso perceber, pouco importam. Em um olhar mais apurado, o longa dirigido por Roberto Gervitz está mais preocupado com as pessoas do que com os acontecimentos entre elas.
Baseado no romance Mãos de Cavalo, de Daniel Galera – também autor de Até o Dia em que o Cão Morreu, que deu origem a Cão Sem Dono (2007) – Prova de Coragem é um filme mais sobre personagens e menos sobre fatos. Afinal, tudo quase acontece, sem nunca se concretizar. Hermano não entende a fixação da esposa em assumir uma gravidez de risco justamente quando ela se prepara para seu maior desafio profissional. Acuado pela pressão iminente, decide embarcar com o melhor amigo, Renan, em uma missão suicida: escalar um dos mais inacessíveis cumes da Terra do Fogo. Este, por outro lado, é um rebelde do sistema que vive de favor na casinha dos fundos do terreno dos pais, e passa seus dias sonhando com grandezas, mesmo sem estrutura para assumir compromissos reais. Naiara, o último elemento a entrar nessa equação, é um espectro do passado, cuja função é lembrar Hermano de um pecado de outrora, peso esse que precisa ser superado para que ambos possam seguir adiante.
Com indivíduos bem construídos, donos de motivações profundas e mais de uma camada de entendimento, resta aos atores defenderem com convicção estes papeis. E o conjunto se sai razoavelmente bem neste propósito. Armando Babaioff, estreando como protagonista, é o mais visivelmente esforçado. Talvez seja consequência de sua falta de experiência no formato, mas a dedicação com que o ator se entrega na elaboração de Hermano é o diferencial que possibilita uma identificação mais concreta com o espectador. Ele está sério, compenetrado, e sentimos crescer o dilema interno que enfrenta, a ponto de suas atitudes não serem apenas lógicas, mas esperadas. Mariana Ximenes, como Adri, segue outro caminho, aparecendo sempre à beira de uma explosão. É uma mulher sofrida, independente e decidida, mas temos pouca proximidade com ela, a vemos sob o ponto de vista dele, o que provoca um estranhamento confuso. Daniel Volpi e Áurea Maranhão, como Renan e Naiara, respectivamente, possuem relevância como motivadores do protagonista, mas não se sustentam sozinhos, existindo apenas como suporte dele. Atores competentes, no entanto, fazem a diferença em casos assim, tal como visto em cena.
Os personagens de Prova de Coragem precisam mostrar a si mesmos que podem mais do que se poderia supor. Só não sabem ao certo como fazer isso. Dessa jornada de autodescobertas se compõe o filme. Hermano vai para um lado ou outro, presente e passado, quando tudo que precisa é voltar ao lugar de sempre pronto para o futuro que vai começar. Adri tomou sua decisão, mas não vai conseguir sozinha. Naiara precisa abrir mão de antigas convicções, e Renan necessita, simplesmente, crescer. Os três, ainda que constituídos com pesos diferentes, são fundamentais na jornada do protagonista. São lados de um mesmo homem feito aos pedaços e que precisa conseguir se unir para buscar o melhor de si. As mãos de cavalo, duras e resistentes, escondem também uma apatia que o consome. Chegou o momento, portanto, de ultrapassar essa barreira e aprender a seguir em frente.
De início um pouco truncado, com uma edição apressada que poderia ter mais pontos de respiro, o longa vai aos poucos ganhando espaço e conquistando a audiência. Imagens impressionantes das escaladas – cortesia técnica da produtora Monica Schmiedt, uma das diretoras do documentário sobre alpinismo Extremo Sul (2005) – se opõem aos cenários quase claustrofóbicos dos ambientes fechados onde os personagens vivem, criando uma interessante justaposição que ganha força no olhar sensível e raro que se estabelece sobre a zona sul de Porto Alegre. Diálogos por demais expositivos, no entanto, podem incomodar alguns, mas como é bom ouvir o sotaque gaúcho falado com tanta naturalidade e propriedade. Prova de Coragem não é um filme perfeito, mas nem se depreende dele essa pretensão. E este, muito provavelmente, é o seu maior mérito.
PROVA DE CORAGEM
(2015 - 90 minutos)
Direção e Roteiro
Roberto Gervitz
Elenco
Armando Babaioff
Mariana Ximenes
Áurea Maranhão
Daniel Volpi
César Troncoso
Em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
com sessões às 13h30, 15h20 e 19h10
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