Wednesday, May 4, 2016

A FOTOGRAFIA, O RETRATO E A IDENTIDADE (por Flávio Colker)

O ASPECTO MAIS IMPORTANTE DA FOTOGRAFIA É DEFINIR A IDENTIDADE DE COISAS E PESSOAS.


A fotografia deixa de ser apenas uma curiosidade científica e ocupação exótica quando a Kodak aparece com cameras e filmes em rolo. Até então só familias de posses e posição podiam contratar retratos a um pintor. Após a popularização e massificação da fotografia ocorre uma transformação radical na maneira como somos identificados. Antes da Kodak, não éramos determinados pela fotografia. Após a Kodak, tudo e todos serão identificados com imagens. A fotografia não tem a subjetividade, a interpretação da pintura.

A pintura nunca se identifica completamente com o Real. A pintura cria imagem, interpreta o olhar. A fotografia passa a ser o Real. A pintura é maleável à interpretação. A fotografia é uma tecnica “dura” ; a perspectiva e o claro escuro são determinados pela camera. A fotografia revela algo intrinseco ao objeto, independente do sujeito que olha. A fotografia é irredutivel de certa forma, não expansiva. O primeiros fotografos “de arte” disfarçavam a irredutibilidade da imagem fotográfica com foras de foco diáfanos e cenários teatrais criando um atoleiro estilístico de climas e drama, guiados pela pior pintura. A fotografia era uma técnica nova aguardando por uma nova sociedade, assumidamente científica, para revelar seus novos valores. O século XX.

Os artistas de vanguarda entenderam que a camera era a materialização de uma ideologia. A camera não interpretava a priori, como fazia o pintor, mas “revelava” um duplo da visão, um outro aspecto dos seres e objetos ainda virgem de interpretações. Duchamp se deixou fotografar como mulher, Rose Selavy. Para os surrealistas, a camera fotográfica era o seu princípio e ideário materializado em objeto industrial (se conhecessem a camera automática, teriam ainda outro extase!).

Paul Strand fotografou então as próprias cameras: elas eram o novo sujeito/ objeto. Nenhum artista jamais pintou um pincel. A mecânica e a objetividade eram uma vanguarda. A camera, um olho/ memória capaz de ver de muito perto, de baixo, por cima, por dentro do tempo. Eram novos pontos de vista. Manuel Alvarez Bravo fotografou a morte: um corpo de um jovem assassinado, ao chão, sangue escorrendo da boca, a vida não mais presente.. e a beleza intacta. O país do sol e da morte. As fotos de Bravo, sempre sob o sol forte. Alvarez Bravo encontrou o que os latino americanos sempre buscam desesperadamente: uma arte avançada de caráter local. A fotografia Mexicana.

Logo após Duchamp inverter um Urinol e nomeá-lo fonte, Edward Weston fotografou um vaso sanitario. O título da imagem: Excusado. Weston tinha largado carreira comercial, mulher e filhos e se mudado para o México com Tina Modotti. Excuse him… Tinha feito merda. Latrina, merda, exilio, marginalidade. A privada de Weston, banhada em uma luz delicada, Duchampianamente, lembra as igrejas de adobe de Taos, do Novo México. Inversão de expectativa e sentido.

Enquanto a vanguarda criava ambiguidade, a fotografia fazia parte de um projeto inverso: identificar tudo e todos de maneira inequívoca. Em muito pouco tempo passamos a ser identificados através de imagem em passaportes, carteiras de identidade, jornais, filmes, televisão. Domínio absoluto da imagem fotográfica no cotidiano. A fotografia ganha total independência da arte e constitui um novo conhecimento feito de frações de segundo aonde tudo que há se faz imagem e o mistério desaparece. A religião se torna obsoleta. A fotografia é clara: imagens de balas de revolver atravessando o espaço, de fetos na placenta, dos anéis de Saturno, de soldados no momento de sua morte. A mulher mais bela, o feito mais audacioso, a guerra mais sangrenta, o ártico e antártico. A imagem se torna prova e evidência, não mais interpretação e subjetividade. A imagem passa a ser o conhecimento do Real, valendo mais do que mil palavras.

Como? Não pertencemos ao mundo de concepção judaico cristã aonde Deus, a verdade, é palavra? Como posso ser conhecido em imagem quando a consciência e aquilo que sou é palavra? Do antigo testamento ao inconsciente psicanalitico cabe à palavra enunciar a verdade. A imagem não constitui verdade nos textos sagrados. A imagem é superficie … e no entanto cria-se uma sociedade de informação à base de “imagem documental”: fotojornalismo, foto de identidade. Há uma expansão do ícone religioso, da materialização, do ídolo. A imagem fotografica, produto de uma sociedade cientifica, resultado da expansão capitalista da Europa Cristã é claramente um Anticristo (Piss Christ, de Andres Serrano faz sentido). A sociedade de imagem é um travestimento, uma farsa aonde se pretende recuperar o paraíso perdido. Todo o corpo e matéria, renegados pela moralidade monoteísta, passam a ser representados obsessivamente. Corpos e faces gigantescas no Times Square. Dos anúncios de lingerie à National Geographic, a imagem fotográfica reproduz obsessiva e incessantemente a natureza.

A sociedade de imagem é ansiosa porque é uma sociedade de simulacros. Tudo é mostrado e nada é usufruido. A natureza é prometida em imagem e a promessa não é cumprida. É um acordo tácito: eu recebo a informação, o fato… mas não a coisa em si. A imagem se torna exasperante. A imagem documento promete o saber e é incapaz de cumprir. Há uma inversão histérica da repressão aos sentidos com o oferecimento de imagens cada vez produzidas em maior velocidade. A ficção necessária ao entendimento da vida, o mito, é desmoralizado por “documentos”e fatos. Em lugar da repressão aos sentidos, a ausência de sentido. Ausência de identidade.

A fotografia revelou a sua vocação: aparato de controle e alienação. Moda , beleza, paisagem, jornalismo, festas de casamento e batizado. Villhem Flusser, em seu livro sobre a fotografia, deixou claro que o fotógrafo trabalha para ampliar a capacidade da máquina fotografica. Os sistemas avançados de fotometria,  por exemplo, se baseiam em milhares de fotos já realizadas. A memória do computador instalado na camera compara a imagem enquadrada no visor com um arquivo de imagens impessoais “de qualidade” e regula a máquina. Esse é o exemplo mais óbvio. Fluss pensa como William Burroughs, muita gente na ficção cientifica e o pai de todos eles: Kafka. Já vivemos a sociedade da Máquina, para além do humano. Terminator. Extensões do corpo em vias de substituí-lo. Humanismo em conflito com a ascenção de robôs e cyborgs. O conhecimento se torna informação que é coletivizada na internet em uma grande memória coletiva, sem valores criticos; um cérebro tecnológico que mede a importância de cada assunto pelos hits no Google. Trabalhamos para esse grande cérebro postando no Facebook, teclando no Google, no Youtube. O cérebro máquina dividindo sua satisfação em ser acionado com grunhidos e barulhinhos fofos. Quem assistiu ao Naked Lunch, de David Cronemberg, percebe a assustadora analogia daquelas baratas/ máquinas de escrever repulsivas e seu prazer em serem tocadas com a nossa navegação compulsiva na internet. As dádivas tecnologicas estão devorando os valores e significados da cultura. Se Paul Strand, um humanista, soubesse que a máquina se tornaria Senhor e o fotógrafo, servo, pensaria duas vezes antes de fotografá-la.

Os fotógrafos bem sucedidos comercialmente em gêneros como o fotojornalismo, moda, still life são reféns do seu papel dentro da máquina social quando avançam as estéticas fotográficas. O fotojornalismo traz uma falsa inclusão para aquele que vê imagens da “realidade” (nome sintomático de uma revista). Ele é excluido do mundo de ações. Ele é um espectador. Susan Sontag observou que quanto mais o individuo se vê diante de imagens documentais da violência, mais insensivel ele se torna. Quanto mais expostos às imagens de uma ignominia, mais alienados nos tornamos do sentido daquela tragédia. O indivíduo inserido no fluxo de informação não age, já que o mundo do qual ele tem tanta consciencia é sempre uma superficie, uma tela, imagem fotográfica.

A segunda metade do seculo XX foi a falência da individualidade através de sua exacerbação. O indivíduo para quem tudo aparentemente se dirigia entrou em colapso. Não é à toa que as fotos de Andreas Gurski arrebataram a todos nós; o seu assunto é a multidão. Centenas, milhares de pessoas povoam suas imagens. Olhar para as suas fotos é uma epifania: tomamos consciência da multidão como novo sujeito/objeto da história. A contemporaneidade estimula um indivíduo a opinar, votar, participar … ao mesmo tempo o torna uma relíquia. Ele não é mais o objeto do pensamento e da arte e não é o sujeito da transformação. O livre arbítrio se tornou uma reliquia. Não é a toa a necessidade premente do Budismo e da Yoga. A alienação é tão extrema que adoecemos de tristeza e solidão. Só o saber do corpo pode nos trazer um renascimento do espírito. O saber da imagem foi superado pelo saber da palavra em determinado momento da Historia, porém esse saber se mostrou impotente para dar conta da desumanização. O saber do corpo é a nova fronteira, criada por artistas como William
Burroughs, na era de Aquarius é liga o ser direto à matéria sem se deixar enredar por necessidades de Estado.

Com a rara exceção de Helmut Newton que mostra a conexão sexo>poder e coloca a mulher como mestre e escrava, os fotógrafos de moda se dedicaram ao Belo.. e produziram zero de conhecimento sobre o mundo. A arte produz verdade enquanto alegoria/ficção. A arte é revelação (assim como a fotografia) e jogo, como o xadrez. “As meninas” de Velasquez promove um jogo de olhares: Na cena retratada, o pintor faz um retrato dos reis de Espanha. Eles, que presidem toda a ordem social, não aparecem. Vemos às meninas, as coadjuvantes. Exatamente como em uma foto de moda ou publicidade aonde vemos só coadjuvantes: modelos e produtos. Mas Velasquez mostra que a pintura é sobre os donos do poder. O espectador tem que agir sobre as peças daquele tabuleiro e interpretar o que esta sendo mostrado. Porque o fotografo de moda não ocupa uma posição de revelação do poder? Porque ele não cumpriria o mesmo papel de Velasquez revelando o tabuleiro social e o seu próprio papel em revistas como a Vogue? Talvez porque o poder seja a propria camera, a indústria, a máquina… Talvez por isso os artistas contemporâneos enfrentam, se debatem com a perspectiva e a verdade da imagem fotográfica. Quando deformam a perspectiva e adotam dois ou mais pontos de vista diferentes na mesma imagem (Loretta Lux) ou incorporam vários tempos de exposição na mesma imagem como Gurski, Michael Wasely e Sugimoto, criando imagens sem laços com a propria visão…eles representam a própria fotografia.

O que seria um retrato “bem feito”? Enaltecimento de uma personalidade? O sujeito fotografado a priori é “carismático”, “inteligente” ou “sexy”.. O retrato nos meios de comunicação afirma o carisma de um individuo; o que quer que isso signifique. Um momento de ruptura se deu na coleção de retratos do fotografo Richard Avedon. Ele foi o mais potente produtor de elegância, brilho e glamour de todos os tempos; capaz de criar auras radiantes para retratos e glamour de extase para as páginas de moda. Em determinado momento, Avedon tem uma epifania e abandona o belo. Ele ataca as aparências. Seus retratos de nomes celebres da sociedade americana se tornam opacos … de uma solidez repugnante. A matéria se torna repugnante. Avedon passa a utilizar uma luz dura, crua. A camera escolhida é pesada e lenta de operação. Ele cria imobilidade, peso nas imagens. O retratado sofre desconforto e insegurança. A vida expressa nas imagens é desconfortável, terrível.. um fardo. As imperfeições fisicas se tornam um assunto. A existencia é provação, um fardo. A imagem do homem não seduz. A personalidade é palavra e não imagem. Descrever o ser em retrato, em imagem não é possível.

Por outro lado Avedon é um americano e para os americanos a individualidade é o fundamento da sociedade. A psicologia do individuo é preciosa. A principio seus retratos parecem comentar a solidão, a tensão gerada pela existencia. Seus retratos parecem fundados e ligados a psicologia. O retrato seria o encontro de uma verdade comum a todos nós: o desconforto da existência. Já seria algo próximo à moral monoteista, mas Avedon vai mais além. Não sei dizer se foi ele o primeiro fotógrafo a encontrar esse ponto, mas Avedon descobre um “furo” estrutural da fotografia: sua vocação para definir identidade seria um mito. Ele encontra uma dissociação de matéria e espirito. O Espirito está ausente da imagem. A fotografia não revela o brilho (e poder) do sujeito. Apenas carne, pele, osso e olhares perdidos. Há pouca identidade entre imagem e objeto.

O exemplo mais expressivo desse momento de ruptura é o retrato do escritor Truman Capote. Conhecido por sua verve espetacular, Capote é sucesso, encantamento e Glamour. Na foto de Avedon, é um homem de pele gasta e olhar opaco. O contraste entre imagem e poder, identidade… consciência do retratado, é impressionante. Truman Capote não está alí! A inteligencia está em outro lugar. A conversa brilhante não está alí. Avedon recusa os truques e não emposta no corpo de Capote uma identidade cliché. Aquele retrato não revela um homem e sim as proprias limitações da imagem na representaçao da identidade. Arte.

Eu duvidei da conquista de Avedon a principio. Seu status de fotógrafo celebridade permitiria adotar uma postura gauche e produzir uma foto “ruim” de Truman Capote . Seria um maneirismo, uma estética “cool”. Foi quando comecei a pensar os problemas da palavra x imagem que entendi como ele abandonou a estética para reencontrar a ideia básica do monoteísmo: a verdade do ser não se revela em imagem. Os retratos de Avedon reencontram a visão monoteista, judaica do sujeito no mundo.

Os alemães constituiram uma consciência de cunho social. Marx escreveu sua teoria e projeto comunista para e sobre a Alemanha. A identidade é dada a partir do social na Alemanha. August Sander desenvolveu um projeto ambicioso: faria um retrato da Alemanha em retratos de indivíduos alemães. O projeto foi adiante até a tomada definitiva do poder pelo nazismo quando seu estúdio e arquivos foram empastelados pela polícia política. Sander fotografou os alemães colocados em sua posição na ordem social: o indivíduo de Sander exerce uma função. O pedreiro, o juiz, o estudante, o intelectual, o artista… a criança cega, o cigano. A humanidade de cada um dos retratados deveria emergir, porém contida formalmente no uniforme e postura referente a cada função. Sander encontra um reflexo tênue, uma certa ambiguidade em relação a esse papel, mas o individuo parece estar adaptado, colocado em seu lugar. A hieraquia simplesmente existe ao mesmo tempo que um brilho do espirito humano. Aquela tênue transcedência da matéria. Na coleção de retratos de Sander, o individuo não luta contra seu lugar no mundo. Sander é neutro em relação a hierarquia social e essa neutralidade é avançada. Um conservador? Os fotógrafos de 1930 e poucos nos Estados Unidos, México e Europa eram ligados ao socialismo e aos movimentos de transformação da hierarquia social. Não há crítica social em Sander, apenas reconhecimento. Porque a repressão do Nazismo ao seu trabalho? Foi por reconhecer ciganos, artistas, homossexuais, judeus na ordem alemã. Por representar a Alemanha sem consultar os Fascistas. Em uma de suas fotos, três rapazes camponeses se dirigem ao mercado em dia de domingo. Eles estão em uma estrada enlameada, vestidos como cavalheiros, dandis com bengalas e chapéus posando para a camera. A composição é simples. Sander não sugere nada além da contradição campo x cidade, mas alí aparece de maneira elegante e sucinta um momento da historia alemã: a luz atraente da cidade sobre o campo, os valores urbanos transformando e conquistando o coração dos camponeses. Essa imagem de Sander aparece em um documentario do cineasta Wim Wenders, “Notebook on Cities and Clothes”, sobre o estilista Yohji Yamamoto nos anos 80. O designer tem as fotos de Sander como matriz inspiradora de suas coleções de moda e essa em particular é a que mais move sua inspiração. Em outro retrato de Sander, um jovem intelectual de olhar inteligente segura um cigarro entre dedos delicados… Eu me pergunto: Qual o estado de alma desse indivíduo? Não há psicologia na imagem, só a pose. Não sei se as figuras de Sander se sentem sós, se são alegres ou tristes. Existir, nesses alemães, se dá através de um lugar na sociedade e um lugar vale tanto quanto o outro: todos eles são fotografados pelo mesmo ângulo. Para Sander a observação é uma função da curiosidade e não do enaltecimento ou crítica. Essa neutralidade antecipa os anos 80 quando aceitamos um individuo equilibrado entre determinação social e provação psicológica. Até que Gurski e outros alemães da Escola de Arte de Dussseldorff abandonam de vez esse indivíduo dilacerado como motivo da obra de arte.

Thomas Ruff, companheiro de Gurski, acabou com a identidade em suas imagens alterando os rostos no computador, eliminando características. Ele faz o mesmo nas fotos de exteriores de edificios, eliminando detalhes que atrapalhem uma imagem “ideal”do lugar. Huff procura a simetria nos rostos e na paisagem urbana. A ideia de Belo e mesmo de arte está ligada à simetria e proporção. A luta contra o caos e a irregularidade do muno. Esse caos não nos deixaria a possibilidade de conhecimento e coerência. A simetria é uma solução, um meio, um controle sobre o mundo. A própria ideia de que o homem “naturalmente”procura a simetria é uma verdade científica para explicar a noção de Beleza. Ruff aplica essa ideia, levando a um extremo grotesco. Suas imagens não são bonitas, não criam identidade para os objetos, mas sim para o fotógrafo: uma identidade de artista intelectual, de critico de sua propria função: um destruidor de estéticas.

Americana, Annie Leibowitz vai no caminho exposto. Nos Estados Unidos, o individuo é antisocial. Os americanos glorificam seus outsiders: gangsters, crazies, beatniks, rockers. Os ídolos estão em luta contra a hierarquia. A sociedade é uma limitação para o indivíduo e toda a realizaçao plena se dá na realização de uma fantasia individual. Living the dream, como diz a expressão. Os Estados Unidos são a terra dos imigrantes que cruzaram o horizonte, o oceano e encontraram uma nova identidade. A sensibilidade americana é tocada pelo indivíduo que supera aquela identidade fornecida pela familia, pela cidade pequena e cria uma outra, mais fiel ao seu desejo. Para realizar a transformação, o indivíduo precisa de poder, através da violência e da fama. Jesse James, Al Capone, Louis B Mayer, Madonna. Esses indivíduos se reinventaram. Louis B Mayer passou de judeu imigrante, pobre, ignorante e humilhado a todo poderoso produtor de cinema, contador de estórias. Madonna? Elvis? Ao contrário da Alemanha, a America é o lugar da transformação individual. O papel do Americano é não aceitar um papel, mas criá-lo. A fotografia de Annie Leibowitz representa literalmente essa reinvenção do individuo. Ela não só mostra o resultado, o indivíduo em sua nova pele, mas também os instrumentos, o processo de transformação. É a sua marca, São os tripés, as bordas de fundo infinito, os ventiladores aparentes nas fotos. A luz artificial e a luz natural presentes na mesma imagem. A foto de Leibowitz é uma passagem.

As estrelas de Leibowitz interpretam a si mesmos em novos papéis. Assim como os imigrantes, os miseráveis se tornaram colonos, gangsters e produtores de cinema, os atores de Leibowitz se tornam colonos, cowboys e figuras da Disney. É a exasperação da fantasia Americana. Whoopy Goldberg em uma banheira de leite, Demi Moore gravida, nua.. imagens de choque que se alimentam da reação puritana catapultando a fama e o poder dos atores. Representação gerando mais representação. A America é um imenso artificio. Annie Leibowitz é uma artista Americana por excelência. Ela está falida. Deve fortunas aos bancos. Leibowitz se identifica com os americanos também nesse momento de quebradeira e falência.

Ao refletir sobre esses fotógrafos, meu interesse é provocar um questionamento também sobre a ideia de imagem brasileira. A idéia sempre nos parece duvidosa. A imagem no Brasil não se afirma. A incapacidade de promover cidadania que se arrasta indefinidamente nessa sociedade se confunde com a dificuldade de produzir imagem… porem isso é uma falácia. A Italia gerou visualidade em quantidade e qualidade durante a idade média, renascença, maneirismo, barroco enquanto as massas viviam na mais abjeta miséria. Assim como a Alemanha, os Paises Baixos. A dificuldade para a visualidade deve estar ligada à posição de colônia, como dizia Glauber Rocha. As missões francesas e holandesas produziram imagem no Brasil, porém daí não resultou fundamento para a produção visual se desenvolver. A maneira de ver, constituída na Europa e na America, quando chega aqui, se mostra incapaz de propor questão, de chegar ao sublime na paisagem ou no retrato. Ao contrário, a imagem no Brasil aparece sempre próxima do ridiculo. Nem satírica ela é… mas ridícula. A vanguarda contemporânea no Brasil é iconoclasta. A relação da arte de vanguarda com a paisagem não produz imagem mas um relato do transe, da penetração: ser possuido pela paisagem, possuido pelo ambiente e pela multidão. É uma arte do corpo. O carnaval, o neo concreto. A Face Gloriosa de Arthur Omar. Os penetráveis de Helio Oiticica. O nome do disco mais radical de Caetano Veloso. A mata densa dos trópicos não deixa aparecer um horizonte. A mata tropical fechada, enigmática, enlouquecedora… Como o Congo de Joseph Conrad no Coração das Trevas. Enquanto na paisagem de Caspar Friedrich e Andreas Gurski o artista observa o horizonte, o brasileiro está dentro da multidão. Qual imagem fotográfica produzir em um pais que avançou tanto na geometria e abstração?


Flavio Colker 07 de Setembro de 2009/ 12 de Outubro.

Para Jaime Carvalho.



Flávio Colker
é um dos maiores
fotógrafos brasileiros.
Conheça suas ideias
e seu trabalho
em seu blog



No comments:

Post a Comment