Wednesday, June 1, 2016

BONDE 19 (uma reminiscência de Carlão Bittencourt)



Era noite alta. O 19 chegou na praia do José Menino. O rapaz pegou o bonde e a esperança. 15 anos são uma eternidade. Pensava em mulher o dia inteiro, a noite toda. 24 horas no ar. Em pé, orgulhoso e altaneio. E só desejava deusas, do Olimpo para cima. Olimpia, sil vous plait. Do chamado produto nacional, a eleita era a vedete Rose Rondelli, a deliciosa Miss Campeonato. Meu Deus, que coxas! Correndo por fora, a deliciosa cantora Dóris Monteiro vazia o place. E a nudez frontal absoluta da atriz Norma Benguell em Os Cafajestes, a trifeta. A estupenda e opulenta Carmem Veronica ficava na reserva. Reserva para lá de especial. Mas era nos produtos importados que morava o pecado. Ao lado. Mariln Monroe, absoluta com aquela boca carnuda entreaberta e sempre úmida. Sem esquecer dos abismos de seus decotes e do andar apressado, as pernas juntas, balançando a bundinha. Que mulher! Ava Gadner dispensava detalhes: era perfeita dos pés, lindos, aos cabelos negros cacheados. Uau! E tinha Brigitte, La Bardot, francesa esguia de seios grandes e pontudos, pernas retas, perfeitas, e um rosto de menina safada, com aquele bocão de milhares e milhares de beijos molhados, saborosos. Per la madona! O time das italianas dava uma fome danada, dessas de botar a mão na massa. Sofia Loren, Gina Lollobrigida, Stefania Sandrelli (que sardas, Dio mio!), Laura Antonelli, gracia zia, Anna Magnani, de olhar voraz, guloso, aflito, ah, e Claudia Cardinalle! A voz rouca de tesão, sorriso escancarado no rosto moreno, seios duros como o pós-guerra, só que fartos, alegres, porque afinal a vida é bela, belíssima. E para botar fogo de vez na prosa, tinha a Monica Vitti, ruiva, vermelha de pecado, mulher de fogo, pentelhos ardentes, al dente. Redescobrindo a América, os olhos azuis de Lee Remick? Abissais. Uma lição para não esquecer. O rapaz voltava à França, tout jour l'amour. Françoise Hardy, je t'aime moi non plus. E a jovem e farta Simone Signoret, gordinha dos demônios? Que ce triste Venize! A loira e bela da tarde e do dia inteiro e da noite todinha Catarine Deneuve. Ulala!

Assim seguia o rapaz dentro dos próprios sonhos, dentro do bonde 19, dentro dos trilhos da Rua General Câmara, rumo ao número 275, templo de meretrizes, gigolos e coronéis. Lá havia Vilma, a moreninha de olhos negros de pecado, a carne dura e negra e quente de mulata jovem, indomável, despudorada. Uma Gabriela que lhe abria as pernas e um mundo de prazeres proibidos. Fechada a noite, ia a pé com ela à Padaria Seara, na Senador Feijó com Av. Rangel Pestana, comer misto quente de pão doce com guaraná Caçulinha. Delícias que Vilma garantia com a féria suada da sua ronda sofrida de quem compra o pão vendendo a carne.

Depois, era o 19 outra vez. Só que na volta, sozinho na manhã que nascia, o vento e a maresia no ar, o bonde chamado desejo mais parecia um expresso a caminho do sol.


Carlão Bittencourt – 01.06.2016


Carlão Bittencourt é redator publicitário e cronista,
autor de "Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve toda semana em LEVA UM CASAQUINHO.


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