ALIADOS: UM DRAMA EXCEPCIONAL E SURPREENDENTE
ASSINADO POR ROBERT ZEMECKIS
por João Pedro Accinelli para CINEMATECANDO
Quando você pensa que está farto de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, uma linda obra-prima como Aliados chega para mostrar que ainda há ótimas histórias sobre esse conturbado período a serem contadas. O novo filme do mestre Robert Zemeckis é uma homenagem ao amor e suas desconfianças em uma época cheia de rivalidades territoriais, em que ninguém tem pena de ninguém, estando todos a par dos interesses políticos de suas pátrias. Nesse meio, somos introduzidos à uma delicada relação amorosa entre dois espiões que apenas buscam seguir suas vidas calma e tranquilamente – ou pelo menos é o que parece.
Já nas primeiras cenas do filme, notamos a perfeita combinação entre os elementos técnicos da obra, que, da trilha sonora composta por notas suaves até a presença de um figurino formidavelmente fiel à época, arrancam suspiros do espectador, fazendo-o perceber desde o começo que o filme se desenvolverá de maneira agradável. Isso se confirma conforme o tempo passa e o enredo se apimenta, trazendo viradas de roteiro impressionantes e diálogos apetitosos, provando mais uma vez a habilidade sensível do roteirista Steven Knight em conduzir o público para uma boa história, o que realizou excepcionalmente com apenas um carro e um personagem em Locke (2013).
A história se baseia nos anos 40 e em uma missão para eliminar um embaixador nazista em Casablanca, no Marrocos, onde os espiões Max Vatan (Brad Pitt) e Marianne Beausejour (Marion Cotillard) se apaixonam perdidamente e decidem se casar, apesar de muitos motivos para não fazê-lo. Os problemas começam anos depois, com suspeitas sobre uma conexão entre Marianne e os alemães. Intrigado, Max decide investigar o passado da companheira e os dias de felicidade do casal vão por água abaixo, dando início a uma narrativa frenética que provoca e cria um desconforto em qualquer espectador.
Brad Pitt, que já atuou em filmes baseados na Segunda Guerra Mundial como Bastardos Inglórios (2009) e Fury (2014), entrega em Aliados uma já esperada boa interpretação, transmitindo devidamente seus sentimentos com claras expressões faciais. Marion Cotillard não fica para trás, pois consegue, além de roubar algumas cenas com sua atuação cativante e cheia de confiança, plantar sementes de dúvida no público apenas com seus olhares penetrantes e ambíguos, causando uma grande desconfiança tanto em Max, quanto no público. Aí está a parte mais gostosa na experiência de assistir a obra: a cada cena investigativa de Max, somos levados a duvidar (e ao mesmo tempo acreditar) em Marianne, que sendo uma personagem altamente peculiar, aparenta guardar possíveis segredos nas sombras do relacionamento – e fala sério, quem não gosta de um bom drama romântico que se apoia em elementos de suspense?
Tudo no filme parece se encaixar sublimemente. A fotografia inspiradora de Don Burgess inspira e comove o espectador com suas temperaturas mescladas. Cenários profundos e ambientes melancólicos caracterizam uma precisa direção de arte que busca atingir a permanente curiosidade da platéia. A transcendente trilha sonora do sempre esplêndido Alan Silvestri cria um clima ora tenso, ora dramático, que acompanha o filme impecavelmente. É fascinante o dom desse compositor em nos fazer chorar com seus acordes ingênuos e verdadeiros, principalmente no emotivo final de Aliados (parei por aqui).
Por fim, é necessário citar a extrema importância de Robert Zemeckis para a obra e para o cinema mundial, que junto com o diretor de fotografia, trás para junto de uma história emocionante, movimentos de câmera surpreendentes, ângulos majestosos e enquadramentos satisfatórios que aproveitam todo conteúdo das cenas. Embora não seja um cineasta tão frequentemente citado como Tarantino, Spielberg e Fincher, Zemeckis é com certeza um dos diretores mais fantásticos que o cinema possui, ainda que suas maiores obras se encontrem no século XX. É sempre bom lembrarmos que o cinema não é somente aquilo que vemos sendo dito diariamente na televisão ou na internet, pois a mídia não consegue focar em todos os talentos ao mesmo tempo, deixando sempre escapar algum pequeno gênio que passa despercebido pelo público convencional. Isso tudo é muito injusto se pararmos para pensar, pois apesar de nem todos nós almejarmos riqueza e fama, o que mais queremos é o reconhecimento das pessoas.
Ficamos tão vidrados ao longo do filme em tentar descobrir se Marianne é de fato uma espiã alemã, que ao final do filme descobrimos que a efetiva reflexão que deveríamos fazer é de como os interesses políticos de um país são capazes de destruir lares familiares em questão de dias, provocar sentimentos torturantes (de medo à raiva), e ainda por cima nos colocar contra as pessoas que mais amamos. É um filme para ver e rever, amar, chorar, guardar e jamais esquecer. Sem dúvida, Aliados se torna uma produção de fácil absorção, prazerosa até em suas cenas mais gentis, tornando-a indispensável para quem adora um espantoso conjunto de drama, romance, ação e suspense.
"ALIADOS" PODE TER ALGUNS TROPEÇOS NO ROTEIRO,
MAS FUNCIONA BEM
por Tiago Lira para UM TIGRE NO CINEMA
Há em Aliados ótimos momentos, principalmente para quem gosta de filmes de época. No entanto a produção falha em desenvolver personagens e o segundo ato. Mas graças ao esforço de Knight e a Zemeckis conseguimos criar uma empatia sincera com a dupla de protagonistas, algo potencializado pela atuação esplêndida de ambos. Mas esse querer fica relegado a outros momentos do roteiro que lapidam com menor atenção os outros elementos do filme, o que é uma pena quando consideramos o carinho que criamos pela dupla.
Knight nos prega peças durante a grande dúvida que paira sobre Max (Pitt), o que, como filme do gênero policial, é uma jogada inteligente. Mesmo sabendo de antemão a suspeita de que Marianne (Cotillard) é uma espiã – algo que poderia ser colocado sem problemas em uma sinopse – o que importa é decifrar as peças do quebra-cabeça e decidir se o cenário faz sentido. Então a situação que Max se encontra no prólogo serve de metáfora nessa situação. Caindo de paraquedas no deserto você tem que confiar no que dizem. No caso, que haverá um carro te esperando; mas as dúvidas não irão embora até o momento em que você encontra-lo.
Entender Max é bem mais fácil e roteirista e diretor conseguem expressar isso com curtas ações do personagem. Ao invés de dizerem, por Marianne ou por narração off, que o canadense é uma pessoa calma e centrada – até mesmo fria – o diretor apresenta o personagem de maneira sóbria, sem muita conversa e quando precisa agir numa situação de perigo se move quase silenciosamente e de maneira precisa. E simbolicamente, notemos na cena do almoço que ele tem com Marianne – antes de entrarem em ação em Casablanca – como Max se mantém sem suar, apesar do calor do Marrocos. Não é a única característica do personagem, mas é a que Zemeckis quis mais marcar.
Já Marianne, tratada pelo figurino elegante, muitas vezes vestida em seda, como uma femme fatalle, é mais difícil de ser destrinchada. Passando o filme em nossas mentes o que nos perguntamos é se as ações da francesa são naturais ou não – o espelho posicionado dando a Max um vislumbre de sua nudez foi acidental? Ela realmente teve problemas em destravar uma arma? – e isso é intrigante. Quando há a virada da vida pacata para a realidade da guerra é que começamos a nos fazer essas perguntas, pois nesse momento nos já nos afeiçoamos com aquele casal que no meio da tragédia da guerra se tornaram uma família.
Depois de um começo muito interessante é no segundo ato que o filme perde muito o ritmo. É compreensível que Zemeckis quis reforçar a imagem do casal, mas há momentos desnecessários para a trama – por exemplo, qual é o sentido de Max ir até a irmã e contar que Marianne estava sendo investigada por traição? É uma ação que não rende em nada para a história. Mesmo no primeiro ato há exageros, como Max, disfarçado, fazer uma exibição de como embaralhar cartas – o que vai ao contrário de sua personalidade centrada já estabelecida anteriormente. O que acontece praticamente durante o segundo ato todo até praticamente o fim tem pouco interesse, um falta de lapidar a história no geral para ser mais dinâmica.
Visualmente é uma produção muito rica. E isso não se resume somente aos efeitos especiais que desde O Voo (The Flight, 2012) o diretor tem usado muito bem em favor da narrativa ao recriar cenários e situações típicas de uma guerra de escala mundial. Mas também existem detalhes no cenário da casa de Max e Marianne com a arma e o uniforme pendurado, presentes, mas querendo que sejam esquecidos; a aquarela de Marianne não finalizada, como se estivesse esperando pelo fim da guerra; os dois e sutis slow motions que marcam o momento que Max se apaixona por Marianne e mais à frente quando ele recebe a pior das missões.
Quando os personagens entram em termos, o que demora, resta torcer para que tudo dê certo. E nesse ponto tanto diretor quanto roteirista acertam. De certo modo a trama representa uma face da guerra que nem sempre é abordado na ficção. Seja a primeira ou a segunda Guerra Mundial, quem sofre é quem fica. Claro que isso não é exclusivo a cenários de conflitos bélicos e mundiais, mas o fechamento da história, onde apesar de óbvio não poderia existir outro, resume o sentimento de pacifistas e daqueles que mais sofreram por causa de perdas. No fim das contas, ainda que o romance tome tempo na narrativa, ele serve para dar uma esperança aos protagonistas que nos apegamos.
Com Aliados, Zemeckis reforça o discurso do que nos faz ser humanos, mesmo que o percurso que percorremos com Max e Marianne seja um tanto arrastado por queremos soluções. O importante fica nessa desconstrução que nos pedem. Ainda que nem todos nós um dia esteve na linha de frente, vivemos esse discurso de ódio: imigrantes, muçulmanos, população LGBT. Sempre alguém quer criar inimigos em nome de alguma coisa que não sabemos bem definir. A falta de empatia parece ter sido o estopim para essa produção, e pensar por essa expectativa é importante, ainda que o filme em si tenha problemas.
"ALIADOS" PODE TER ALGUNS TROPEÇOS NO ROTEIRO,
MAS FUNCIONA BEM
por Tiago Lira para UM TIGRE NO CINEMA
Há em Aliados ótimos momentos, principalmente para quem gosta de filmes de época. No entanto a produção falha em desenvolver personagens e o segundo ato. Mas graças ao esforço de Knight e a Zemeckis conseguimos criar uma empatia sincera com a dupla de protagonistas, algo potencializado pela atuação esplêndida de ambos. Mas esse querer fica relegado a outros momentos do roteiro que lapidam com menor atenção os outros elementos do filme, o que é uma pena quando consideramos o carinho que criamos pela dupla.
Knight nos prega peças durante a grande dúvida que paira sobre Max (Pitt), o que, como filme do gênero policial, é uma jogada inteligente. Mesmo sabendo de antemão a suspeita de que Marianne (Cotillard) é uma espiã – algo que poderia ser colocado sem problemas em uma sinopse – o que importa é decifrar as peças do quebra-cabeça e decidir se o cenário faz sentido. Então a situação que Max se encontra no prólogo serve de metáfora nessa situação. Caindo de paraquedas no deserto você tem que confiar no que dizem. No caso, que haverá um carro te esperando; mas as dúvidas não irão embora até o momento em que você encontra-lo.
Entender Max é bem mais fácil e roteirista e diretor conseguem expressar isso com curtas ações do personagem. Ao invés de dizerem, por Marianne ou por narração off, que o canadense é uma pessoa calma e centrada – até mesmo fria – o diretor apresenta o personagem de maneira sóbria, sem muita conversa e quando precisa agir numa situação de perigo se move quase silenciosamente e de maneira precisa. E simbolicamente, notemos na cena do almoço que ele tem com Marianne – antes de entrarem em ação em Casablanca – como Max se mantém sem suar, apesar do calor do Marrocos. Não é a única característica do personagem, mas é a que Zemeckis quis mais marcar.
Já Marianne, tratada pelo figurino elegante, muitas vezes vestida em seda, como uma femme fatalle, é mais difícil de ser destrinchada. Passando o filme em nossas mentes o que nos perguntamos é se as ações da francesa são naturais ou não – o espelho posicionado dando a Max um vislumbre de sua nudez foi acidental? Ela realmente teve problemas em destravar uma arma? – e isso é intrigante. Quando há a virada da vida pacata para a realidade da guerra é que começamos a nos fazer essas perguntas, pois nesse momento nos já nos afeiçoamos com aquele casal que no meio da tragédia da guerra se tornaram uma família.
Depois de um começo muito interessante é no segundo ato que o filme perde muito o ritmo. É compreensível que Zemeckis quis reforçar a imagem do casal, mas há momentos desnecessários para a trama – por exemplo, qual é o sentido de Max ir até a irmã e contar que Marianne estava sendo investigada por traição? É uma ação que não rende em nada para a história. Mesmo no primeiro ato há exageros, como Max, disfarçado, fazer uma exibição de como embaralhar cartas – o que vai ao contrário de sua personalidade centrada já estabelecida anteriormente. O que acontece praticamente durante o segundo ato todo até praticamente o fim tem pouco interesse, um falta de lapidar a história no geral para ser mais dinâmica.
Visualmente é uma produção muito rica. E isso não se resume somente aos efeitos especiais que desde O Voo (The Flight, 2012) o diretor tem usado muito bem em favor da narrativa ao recriar cenários e situações típicas de uma guerra de escala mundial. Mas também existem detalhes no cenário da casa de Max e Marianne com a arma e o uniforme pendurado, presentes, mas querendo que sejam esquecidos; a aquarela de Marianne não finalizada, como se estivesse esperando pelo fim da guerra; os dois e sutis slow motions que marcam o momento que Max se apaixona por Marianne e mais à frente quando ele recebe a pior das missões.
Quando os personagens entram em termos, o que demora, resta torcer para que tudo dê certo. E nesse ponto tanto diretor quanto roteirista acertam. De certo modo a trama representa uma face da guerra que nem sempre é abordado na ficção. Seja a primeira ou a segunda Guerra Mundial, quem sofre é quem fica. Claro que isso não é exclusivo a cenários de conflitos bélicos e mundiais, mas o fechamento da história, onde apesar de óbvio não poderia existir outro, resume o sentimento de pacifistas e daqueles que mais sofreram por causa de perdas. No fim das contas, ainda que o romance tome tempo na narrativa, ele serve para dar uma esperança aos protagonistas que nos apegamos.
Com Aliados, Zemeckis reforça o discurso do que nos faz ser humanos, mesmo que o percurso que percorremos com Max e Marianne seja um tanto arrastado por queremos soluções. O importante fica nessa desconstrução que nos pedem. Ainda que nem todos nós um dia esteve na linha de frente, vivemos esse discurso de ódio: imigrantes, muçulmanos, população LGBT. Sempre alguém quer criar inimigos em nome de alguma coisa que não sabemos bem definir. A falta de empatia parece ter sido o estopim para essa produção, e pensar por essa expectativa é importante, ainda que o filme em si tenha problemas.
(Allied, 2016, 125 minutos)
Direção
Robert Zemeckis
Roteiro
Steven Knight
Produção
Robert Zemeckis
Graham King
Steve Starkey
Fotografia
Don Burgess
Trilha Sonora
Alan Silvestri
Montagem
Mick Audsley
Jeremiah O’Driscoll
Elenco
Brad Pitt
Marion Cotillard
Jared Harris
Matthew Goode
Lizzy Caplan
Anton Lesser
August Diehl
Camille Cottin
Charlotte Hope
Marion Bailey
em cartaz nas Redes Roxy, Cinespaço e Cinemark
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