Sunday, February 5, 2017

ESCRACHANDO O DEMÔNIO COM UM CHUTE NOS BAGOS #12 (um folhetim de J R Fidalgo)


SÓ O CORINGA CHUTA OS BAGOS DO DEMÔNIO.
REJEITE IMITAÇÕES
(1ª temporada, episódio 12)


Ao contrário do que previa, foi até divertido gravar aquela porra toda.

Houve um momento que me senti até mesmo “entrando” na personagem e dizendo minha fala como se fosse o Coringa.


Nesse momento, senti um calafrio e pedi pra aumentarem um pouco a temperatura do ar condicionado. Passamos a manhã toda gravando e o comercial saiu de lá já editado.


Na saída, sugeri, até agora não entendo o motivo, que o Coringa podia ser um dos personagens dos próximos workshops. Speed ligou o helicóptero e a conversa ficou por ali.




A merda é que a maquiagem pesada do Coringa em volta da boca atrapalhava a minha dicção. Então eu tinha que praticamente falar tudo gritando, para que as pessoas conseguisse ouvir direito.

O mais estranho é que não consigo me lembrar de absolutamente nada do que eu ou o Coringa dissemos naquela noite. Só sei o que li nos jornais do dia seguinte, já que o workshop ganhou grande destaque na imprensa.


Ao que parece, eu, ou o Coringa, convocara uma rebelião contra todas as autoridades constituídas, em especial as religiosas, já que elas eram as responsáveis pelas guerras, pela fome e por toda a miséria que acometia atualmente a humanidade.


O engraçado – e estranho – é que todos os workshops eram gravados e filmados, como parte de um projeto de lançar um DVD. Nesse dia, porém, os aparelhos pifaram, sem que os técnicos tenham conseguido definir o motivo, já que o resto do equipamento de palco estava funcionando normalmente.


Resumindo, não havia qualquer registro sonoro ou visual sobre o que aconteceu naquela noite.


Também não me lembro de ter usado minha habitual tática de fugir pelos bastidores. A única coisa de que me recordo é de mim encostado num muro, enquanto esfregava violentamente o rosto, procurando arrancar com as mãos a maquiagem do Coringa.


Um mendigo se aproximou de mim e me ofereceu algo dentro de uma garrafa de plástico. Agradeci, mas disse que não podia beber mais. Ele me explicou que não era para beber, mas para passar o líquido no rosto e ajudar a tirar a maquiagem. Esfreguei o líquido e facilmente meu rosto ficou totalmente limpo.


“Agora, você pode dar sua mijada de costume. Mas nunca mais se meta com o Coringa, nem brincando. Ele é pior que o Demônio e sua maldição já matou muita gente”, disse o mendigo, se afastando lentamente.




Alguns dias depois, meu amigo ligou.

- Cara, que sucesso! Não imaginava que o workshop com o Coringa ia ter tanta repercussão. E a ideia foi sua, lembra? Você já viu a cobertura maluca que a mídia anda dando até hoje ao assunto?


- Não.


- Cada pessoa que esteve lá e é entrevistada diz uma coisa completamente diferente da outra. Discutem que o Coringa nunca disse tal coisa, mas outra entra em enquadramento no vídeo e garante que ele disse exatamente tal coisa. Uns dizem que foi a coisa mais importante que já viram na vida. Outros garantem que vomitaram quando ouviram aquelas coisas, embora, no fundo, admitissem que concordavam com o que foi dito. Já começaram a aparecer pichações em algumas cidades,com dizeres tipo “Só o Coringa chuta os bagos do Demônio. Rejeite imitações.”


- Você esteve lá?


- Não consegui chegar a tempo. O helicóptero do Speed deu pane do nada. Mas, hoje de manhã, aqui no galpão, já decidimos que não vamos mais fazer os comerciais com o Flash, Batman, etc. Vamos centrar tudo no Coringa. Você vai fazer novos comerciais, no mesmo estilo, mas dizendo algumas das frases do que você disse naquele workshop e convidando para o próximo.


- Velho, eu não me lembro de absolutamente nada do que eu disse naquela noite.


- Nada?



JR Fidalgo,
um jornalista que tem preguiça de perguntar,
um escritor que não tem saco pra escrever
e um compositor que não sabe tocar.

(mesmo assim escreveu dois romances
e uma quantidade considerável de canções
ao longo dos últimos 40 anos - nota do editor)




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