publicado originalmente pela BBC-Brasil
em 6 de Fevereiro de 2009
É o que estão espalhando. Em língua de "castiano", conforme o vulgo chama pejorativamente o idioma de Jorge Luís Borges.
Sambódromo, sambas-enredos, escolas, baterias, pastoras, cuidai-vos! Corremos, ou vocês correm, o risco de perder o título - logo para quem - os argentinos. Sim, senhor. Os argentinos. Que, dizem lendas urbanas, suburbanas e a vox populi, nós odiamos. Mas odiamos com fervor desenfreado. Dizem, repito e insisto.
Eu, de minha parte, a única que tenho, sempre gostei deles. Do tango, do futebol (de Di Stefano a Maradona), do palavrão com boca cheia que de uns tempos para cá começaram a surgir em bons filmes do país vizinho. Agora, ousados, ou abusados, ameaçam nosso carnaval. Eu vou logo de título de chanchada ou marchinha antiga: devagar com a louça.
Já vi em mais de um jornal britânico. Artigos e anúncios de agências de viagens. Traduzo resumindo de bate-pronto à melhor maneira do grande Pedernera: o carnaval carioca já era. Até agora, além de nossas frutas e moças à beira-mar plantando bananeiras, o Rio dá (ou dava) um banho em matéria de carnaval. Carnaval é com a gente. Brasil país do carnaval, além de livro beirando o clássico, virou cultura popular, frase traduzida em todas as línguas vivas ou beirando a existência.
Nem pensem no carnaval de Veneza. As máscaras são bonitas. E só. Servem apenas para ocultar uma suprema falta de graça e de cintura. Agora, em matéria de gôndola, forçoso admitir, eles dão um banho.
O carnaval que nos ameaça é o de Gualeguaychú, cidade que fica a umas três horas e meia de ônibus de Buenos Aires. Uma espécie de Petrópolis dos áureos tempos onde as classes média e alta vão passar o fim-de-semana. Gualeguaychú já tem até seu sambódromo, que eles chamam de "corsódromo", pois ainda fazem (e eu entendo isso) o corso, para quem já se esqueceu do que era. Meio passadão, confere? A coisa, eu ia escrever "bandalheira", feito conosco se passa, não pára aí. Dançam sambas, as mulheres usam fantasias ousadas, sacodem tudo que têm de sacudível, sempre ao ritmo de tambores, flashes das câmeras fotográficas e gritos de entusiasmo de todos os habituais 30 mil espectadores. Que ou pulam, ou assistem à pulação, durante 10 sábados sucessivos a partir de janeiro.
Uns bons 150 mil visitantes acorrem aos festejos. Capaz de ter brasileiro nesse meio. Dá para ir, ver, brincar um pouquinho, dar uma descansada, brincar de novo e ainda voltar para ver o desfile das escolas de samba no Rio. Aí então, sem confessar que se divertiram à beça, metem o pau. "Afinal de contas, é coisa de argentino, bolas!", dizem para seus botões e os de quem mais quiser ouvir.
O carnaval de Gualeguaychú é uma mistura de costumes pré-cristãos e festivais religiosos. Feito o nosso. Sua tradição também é boa: remonta a uns bons cem anos. Portanto, se imitação for, não é recente. Sua popularidade atual deve-se ao empenho do dono de um supermercado que investiu violentamente nos eventos sabáticos em fins dos anos 1970. Os negócios do homem foram à falência logo depois. De fracassos os sucessos são feitos, deve ter dito uma marchinha assim-assim dos anos 30. Foram pegando, os carnavalescos gualeguaychianos, um pouquinho de tudo. Do candomblé da comunidade negra uruguaia à chacarera, o equivalente rural do tango argentino.
Três grandes - vamos pensar em termos de escolas, para facilitar - grupos dominam os festejos, sendo que o mais famoso (famoso para quem?) é o de Marí-Marí, uma espécie de Mangueira, Salgueiro e Beija-flor reunidos num só. Bordão da escola-grupo: "Marí-Mari, el mayor carnaval del mundo". É, estão folgando, procurando criar caso.
A turma carnavalesca argentina capricha em seus carros alegóricos e suas equivalentes a nossas pastoras fantasiam-se, sumariamente, como é de regra, baseadas em temas maias e aztecas.
No sábado, dia 5 de março, será escolhido o Rei do Carnaval de Gualeguaychú. Um evento emocionante, garante a publicidade do evento, coroando - ainda segundo eles - o que está destinado a ser "el mayor carnaval del universo".
Cabrochas, rapaziada da bateria, carnavalescos, cuidai-vos. Argentino quando cisma é fogo.
Foi Ivan Lessa quem criou a frase
"Deus criou o sexo e Freud a sacanagem"
e a colocou na boca do ratinho Sig,
sua imortal criação, mascote do semanário ipanemense O PASQUIM,
que Ivan ajudou a fundar antes de mudar de mala e cuia para Londres
e nunca mais voltar ao "Bananão".
Ivan, por incrível que pareça, nasceu em São Paulo.
Filho dos escritores Orígenes e Elsie Lessa,
ele foi tradutor, publicitário e cronista para vários jornais
e revistas brasileiros, além da BBC-Brasil.
Morreu de enfisema pulmonar na sua querida Londres,
onde viveu mais de 35 anos,
em junho de 2012, aos 77 anos de idade.
Deixou uma obra extensa e confusa,
Verdade, Argentino quando cisma é fogo. Por sorte eles preferiram o Vaticano ao Sambódromo.
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