Conheci uma moça na semana passada. Ela me disse com todas as letras: não leio livros. Nenhum? Não, ela não se interessa por páginas escritas, ficção e não-ficção. Quando uma história a atrai, pensa em duas opções: aguardar pelo filme ou pedir que alguém próximo conte para ela.
Agradeço a ela pela conversa que tivemos. Não tive vontade de catequizá-la ou convencê-la de que ler é essencial. Agradeço porque ela me fez refletir porque eu leio. Por que os livros me salvam todos os dias?
O livro me alivia qualquer sofrimento, seja por ansiedade, angústia ou raiva. A questão é saber qual livro se encaixa ao momento emocional. Costumo ler vários livros em conjunto, que são alternados conforme meu espírito para aquela leitura.
Livro é um descanso mental. Não vou me ater ao clichê de que a leitura me transporta a outros mundos. A relação com o livro envolve reduzir a velocidade com que a vida nos conduz, provavelmente pela falsa urgência alheia, comprada por mim como uma necessidade real. Ler me oferece a chance diária de respirar sem a preocupação sobre a próxima tarefa a ser executada ou pensada por cansaço antecipado.
O livro costuma reacender a vontade de escrever. Confesso que passo mais tempo lendo do que escrevendo, o que me soa normal. Escrever é um ato físico, além do exercício intelectual. Escrever provoca dores reais, um desgaste físico latente por causa das condições em torno do ato como também reflexo daquilo que foi posto para fora. O corpo responde aos danos e prazeres psíquicos.
Leio para conter minhas insatisfações. Recuso-me obsessivamente a perder ou enterrar a curiosidade sobre o que se move ao redor. Leio para conhecer pessoas, lugares e situações. Não vejo um livro como um reforço para meu almanaque subjetivo. Memorizações machucam e vulgarizam aquilo que acabei de ler. Leio porque gosto de estudar, sem entender o estudo como obrigação.
O livro é, com o perdão da aparente simplicidade, diversão. É o parceiro para tardes chuvosas, a viagem de ônibus, a espera na fila ou na sala dos professores, a distração no banheiro. O livro é o comprimido para adormecer, a pílula para se manter saudável durante a madrugada de insônia.
Se escrever é terapia, a chave que escancara o armário, ler é outra corrente da psicologia. Leio para me olhar no espelho. Leio para tentar entender porque sou falho, porque me comporto assim. Leio para procurar as perguntas que nunca havia pensado em fazer.
Leio para localizar as respostas que, utopicamente, não vou alcançar, mas que indicam o caminho para fugir da inércia, mesmo sentado no sofá.
Leio porque gosto da escuta, admiro o diálogo. Ouvir o que um autor tem a dizer, com a clareza da não-ficção, com as entrelinhas da maior das mentiras contidas num romance. A conversa em silêncio é alimento contínuo, num caldeirão de emoções diluídas em personagens, por mais superficiais que possam parecer.
O livro é a armadura que me protege dos chatos. Um livro aberto e um rosto compenetrado costumam afugentar fofoqueiros, bajuladores, aqueles sujeitos que fingem jogar conversa fora para praticar a maledicência. O livro pode ser o remédio ideal quando necessito do silêncio e desejo distância segura das conversas sem futuro ou presente.
O livro se transformou, por último, num sonho em construção de sobreviver pela palavra escrita. Já pago as contas com a palavra oralizada, dentro e fora da sala de aula. Mas a palavra escrita ainda é aposta de vida recente. Escrevo para muitos portos, edito e publico livros de outras pessoas. Como acredito na força do livro, nada mais coerente do que ganhar algum dinheiro com ele.
Leio todos os dias e defendo este ritual. Livros me acompanham por todos os motivos colocados acima. Ainda que não tenha tempo ou oportunidade de ler, um livro nas mãos materializa a promessa de que logo, logo, voltarei a folheá-lo com a devida serenidade, concentração e paz.
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros)
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
por sua legião de leitores.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
para republicação no BAÚ DO MARCÃO.
É com muito prazer que saudamos
a chegada de Marcus Vinícius Batista
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