Wednesday, February 22, 2017

UMA ENTREVISTA CLÁSSICA COM UM SACANA NOTÁVEL: PAULO CÉSAR PEREIO


versão editada da entrevista
publicada originalmente pela PLAYBOY
em Julho de 2006



Ele desempenhou papel fundamental na história do cinema nacionale teve em seus braços as atrizes mais gostosas, como Sonia Braga, Kate Lira e Vera Fischer. Mas está longe de viver do passado. O ator gaúcho Paulo César de Campos Velho, cujo sobrenome PEREIO foi inventado por causa de uma pronúncia errada na infância, está mais vivo do que nunca - como entrevistador, no Sem Frescura, do Canal Brasil, ou na reunião dos depoimentos de amigos e desafetos no documentário PEREIO Eu te Odeio, em fase de produção. Recentemente, participou de Árido Movie, do diretor Lírio Ferreira. Em 2007, vai completar 50 anos de carreira com um livrocom seus escritos, Vale Somente a Escrita, que será lançado pela Editora do Bispo, e uma mostra com os mais importantes dentre os mais de 40 longas-metragens em que atuou. Mas quem entra desavisado no apartamento onde o ator mora, no centro de São Paulo, ou "nas vísceras da besta", como ele gosta de definir, há de duvidar de tantas proezas. Não há lembrança. Nenhuma foto, prêmio, nem um mísero DVD de algum de seus filmes. Ele confessa que até sente um pouco de nostalgia, mas espera passar na televisão algum filme seu, e está resolvido. Quanto aos prêmios, é bronca mesmo. "Prêmio é fragmentador. O Kikito é horrível, uma bunda na frente e outra atrás. O Candango eu dei para uma amiga minha bater no namorado." Ele garante que todo o material do passado está com a Lara Velho, sua primeira filha, que controla sua agenda e é diretora do seu programa de televisão. "E ainda me livra de casar de novo, porque me faz companhia e organiza a minha vida", brinca. PEREIO foi casado três vezes. Primeiro com a atriz Neila Tavares, mãe de Lara, hoje com 33 anos. Da relação mais famosa, com a global Cissa Guimarães, nasceram Tomás, hoje com 27 anos, e João, com 22. Finalmente, de seu casamento com Suzana César de Andrade, que não é do meio artístico, nasceu Gabriel, há 14 anos. Hoje, sua base de operações é a Toca da Raposa, um boteco pé-sujo de primeira colado ao prédio onde ele mora e onde se reúnem seus amigos, os motoristas que o levam para onde precisa. É lá que, dependendo do seu humor, ele toma um café ou um uísque pela manhã. "E eles ainda servem uma rabada imperdível às terças-feiras", completa. Às vésperas de completar 66 anos, este senhor de gestos intempestivos e voz inconfundível (que reina absoluta até hoje em narrações de filmes e comerciais) viveu os mais variados tipos, mas nenhum que tenha ofuscado o personagem PEREIO (a começar por esse sobrenome, inventado), que teve uma vida de fazer inveja a qualquer autor de dramaturgia. Casou com Cissa Guimarães quando ela, 17 anos mais jovem, ainda era menor de idade. "Ela me seduziu", ele garante. Essa união rendeu, além dos dois filhos, uma prisão, por falta de pagamento de pensão alimentícia. Foram oito dias em cana, mas nada que PEREIO já não conhecesse. Entre brigas em sets de filmagens, uma honestidade mordaz sobre seus colegas e um relacionamento longo, tortuoso e público com a cocaína, ele se firmou como um dos mais malditos artistas brasileiros. Para a entrevista de PLAYBOY, PEREIO recebeu o editor Jardel Sebba na Toca da Raposa por duas vezes, ambas de manhã bem cedo, antes de subir até o quintal de seu amplo e confuso apartamento térreo. Na primeira, com um uísque; na segunda com um café. Na primeira, estava agitado, preocupado com uma viagem ao Rio que havia acabado de ser desmarcada, fumando um cigarro atrás do outro. Demorou a se sentir confortável. Na segunda, a do café, ele já havia comprado e lido o jornal e, bem mais tranqüilo, quis acompanhar um pedaço do jogo Inglaterra x Paraguai na Toca, antes de subir para a entrevista. "Eu torço pela Argentina", cochichou. Tem até explicação: ele nasceu na cidade gaúcha de Alegrete, na fronteira com o país de Carlitos Tevez. Mas a melhor maneira de entender sua torcida é perceber que, quando se trata de Paulo César PEREIO, nada pode ser óbvio. Seu bordão, "porra", que serve quase como vírgula para suas frases, foi repetido 67 vezes ao longo de mais de cinco horas de conversa. Alguns deles você confere aqui. 




PLAYBOY Você contracenou em cenas quentes com algumas das mulheres mais gostosas do Brasil: Vera Fischer, Sonia Braga, Vera Gimenez, todas no auge. E sempre disse que não comeu nenhuma delas. Que história é essa?

PAULO CÉSAR PEREIO Nunca comi mulher nenhuma por ela ter feito uma cena comigo. Nunca caí nessa armadilha banal, imbecil. Não seria por isso que eu comeria uma mulher, seria falta de respeito comigo. Eu reverencio essas mulheres, não as jogo no lixo. Não tirei casquinha, acho que a coisa funciona de outra maneira. E quando fiz Eu te Amo [com Vera Fischer e Sonia Braga], estava apaixonadíssimo pela Cissa. Porra, estou apaixonado por uma mulher e vou comer outra porque tive a chance?

PLAYBOY E hoje, você está namorando?

PEREIO Não, acabo de sair de uma relação muito boa, muito confortável. Só entrei em pânico porque a moça queria casar e ter filhos. Era uma namorada muito legal e, quando terminou, me senti me devendo um pouco, sabe? Não era muito convencional, ela tinha a casa dela, o carro dela, a vida dela, e eu a minha.

PLAYBOY Você está sexualmente abstêmio atualmente?

PEREIO Não, eu tenho visitas. Tenho uma vida sexual regular. Sexo é fundamental, sempre foi. Com 15, 16 anos eu batia punheta o dia inteiro. Com a idade fica menos impositivo. Com o tempo você dá mais valor ao carinho, não tem tanta urgência em ejacular, sabe segurar, pensa também na parceira. Até porque a coisa é reflexiva.

PLAYBOY Então você ainda tem noite, álcool e mulheres no cotidiano?

PEREIO É parecido com a coisa de estar no palco e gostar de estar no palco. Fui um grande jogador de sinuca, por exemplo. Enjoei uma época, meu jogo caiu, mas agora jogo sempre, pela volúpia de jogar. De festa eu não gosto muito, vou a certos lugares, mas prefiro ir sozinho. Inclusive ando sozinho no meio da putaria. Agora quero freqüentar um salão de barbeiro que é 24 horas, cuja clientela é quase toda de travecos, putas e cafetões. Me sinto em casa. Tem muito marginal, em todos os sentidos, econômico, social, que me reconhece, fala: "Olha lá o PEREIO". E eu lido bem com isso. Geralmente é chato, mas você tem de aprender a lidar com isso.

PLAYBOY E isso é bom ou ruim?

PEREIO Eu acho bom. Teve um período da minha vida que, puta que pariu, o pau mandava mais que tudo. Já aconteceu cada coisa...

PLAYBOY Já experimentou remédio contra impotência?

PEREIO Já, o Viagra, o Cialis e o Levitra. Por indução da namorada, aquela coisa de vamos lá agora. Esse Levitra dá um surto de paudurescência razoável.



PLAYBOY Você passou a década de 90 longe da mídia. Isso mexeu com a sua cabeça de alguma forma?

PEREIO Não, porque na verdade eu que fugi, estava muito drogado. Achei que tinha de cair fora, então fui para Goiás, para uma cidadezinha pequena, longe de tudo, que não tinha nem caixa de banco. Apaixonei-me por aquele lugar, pagava 70 reais de aluguel numa casinha com pomar, e estava a 90 quilômetros do aeroporto. Cobrava 4 mil reais por uma locução, fazia e voltava para lá para viver como um rei por um bom tempo. Até juntei grana. Porque onde eu morava antes, bicho, era só sair de casa que caía alguma coisa na minha mão.

PLAYBOY Por que aliar a carreira de ator à de entrevistador no Sem Frescura?

PEREIO Houve uma reformulação no Canal Brasil, que estava indo para o buraco. O Paulo Mendonça, meu amigo, assumiu o canal e me chamou. Ele teve a idéia do meu programa, e chamou também o Selton Mello, o Paulo Betti, a Angela Ro Ro. O programa do Selton se chama Tarja Preta. Acho que não tem ninguém no Brasil mais tarja preta do que eu. Então o Paulinho deu esse nome, Sem Frescura, para sacanear a Leda Nagle, que fazia o Sem Censura. Ela não gostou, parece, o que eu achei muito bom, porque nunca fui muito com a cara dela...

PLAYBOY E o seu jeito esculachado de entrevistar dá audiência?

PEREIO Quando dava entrevistas nos programas do Jô Soares e do Abujamra, eu percebi que todo cara que vinha me entrevistar estava brifado. Alguns até tinham uma equipe que ligava antes perguntando coisas da minha vida, para o cara meio que se proteger, já saber as coisas que ia falar. No programa da Luciana Gimenez começaram a me perguntar sobre as entrevistas que eu havia dado e, em uma, eu disse que não casaria mais, se tivesse de fazer isso de novo seria com um homem. Aí um cara só queria saber se eu pretendia dar o cu ou não! Fato é que conviver com homem é muito mais fácil que com mulher, mas não precisa fuder, claro. A Luciana me censurou, e eu expliquei a ela que a palavra vinha do latim, que significava cavucar, mas se ela quisesse eu poderia falar por elipse, estrangular o pele vermelha, afogar o ganso, molhar o biscoito. Aí ela perguntou o que era uma elipse... Teve uma opinião bacana, não lembro de quem, que dizia que o programa do PEREIO era bom porque era um troço que parecia que ia dar tudo errado e, no final, não dava errado. Mas em alguns momentos deu errado, sim. Teve um cara que eu comecei a enjoar dele no meio da conversa. Eu olhava para a terceira câmera e fazia aquela cara de "porra, que saco". Na entrevista com o Ivald Granato, eu dormi.



PLAYBOY Você mora sozinho. Sente-se um homem sozinho hoje?

PEREIO Não, eu tenho uma certa rotina. Compro jornal de manhã, tomo uma vitamina de frutas, porque estou querendo emagrecer. Faço o meu macarrãozinho ao pomodoro com o molho que compro ali na padaria. Eu gosto de cozinhar, me acalma, e sempre busco novos gostos. Isso só veio com a idade, eu não tinha a mínima idéia nem de como fervia água, mas aos poucos peguei gosto e comecei a me obstinar. Gosto de ficar o dia inteiro em casa, leio pra caralho, adoro ver os noticiários da televisão. Às vezes saio à noite, mas não muito. Não gosto muito de receber nem empregada. Tem uma senhora que vem uma vez por semana e deixa as coisas em ordem, e eu procuro manter essa ordem.

PLAYBOY Você vai ganhar um documentário, o PEREIO Eu te Odeio. Muita gente já te esculhambou nas gravações?

PEREIO A idéia do documentário, que foi minha, surgiu para botar as pessoas me esculhambando oficialmente. E é engraçado porque houve uma resposta negando financiamento que falava em nome do respeito ao mito PEREIO, do cinema e das artes brasileiras, que queriam sacanear com aquele projeto. Mas a idéia foi minha! Não sei quem já gravou depoimento. Parece que teve uma empregada que me esculachou legal. Falou aquelas merdas domésticas, de chegar bêbado em casa e quebrar a porta. O que aconteceu foi que o casamento com a Cissa deu certo uma época, depois não mais. E mais tarde a separação não deu certo, a gente estava separado e morria de tesão. Esse foi o pior período. E nessa fase o que aconteceu de merda não está no gibi, de ela trancar a porta da casa, eu ir lá e quebrar a porta na porrada. Sou um cara muito performático, hooligan mesmo. O que já me quebrei todo de porrada não é brincadeira. Já bati e apanhei muito, acho que apanhei mais do que bati. Não sei brigar.

PLAYBOY Já bateu em alguém famoso, além do diretor Ipojuca Pontes, naquele entrevero no Festival de Gramado, em 1979?

PEREIO O Ipojuca Pontes sempre foi um Ipojegue. Sofria de todos os sintomas da síndrome da burrice, e era cãozinho da Tereza Rachel, que, por sua vez, era uma pessoa detestável. Eu não sou bom de briga, mas tenho impulsos de avançar, de quebrar tudo. Em geral me fodo. Poucos dias atrás fiz uma merda. Um cara organizou um livro que era uma coletânea de textos e pediu para que eu lesse um trecho num recital junto com outras pessoas. Preparei uma coisa legal, esperei a minha vez e fiz uma performance. Levantei a bola, botei uma puta azeitona na empada do cara. Depois teve uma comemoração num restaurante japonês, e eu nem queria ir, mas fui. Lá, o cara começou a implicar comigo. Quando perguntei da grana que ele tinha me prometido pelo trabalho, ele continuou me cortando. Eu falei que, se a mãe dele não o tinha educado, que ele receberia educação na cadeia. Ele me mandou tomar no cu. Eu falei que era no cu da mãe dele, e nessa hora me tiraram de lá. A porta do restaurante era fina, eu detonei ela. Isso faz uma semana. Para você ver que eu ainda faço merda.



PLAYBOY Isso tudo contribui para uma certa mitologia do personagem PEREIO, que você parece gostar de cultivar...

PEREIO Por isso que não sou muito de outros personagens, acho que a minha pessoa é mais interessante que qualquer personagem. Repito o PEREIO porque ele é um cara performático. E o meu texto é, freqüentemente, melhor que os textos que me dão. Existem normas de comportamento para vencer na vida, como decorar texto direitinho, e eu não consigo decorar texto que eu não gosto. O verbo decorar tem a ver com coração, em inglês é by heart. Existe um regulamento para o sujeito que quer construir uma carreira, e eu nunca me comportei segundo ele.

PLAYBOY Mas essa mitologia mais ajudou ou atrapalhou?

PEREIO Não sei, mas serviu para que pudesse ficar três, quatro anos fora de combate e não ser esquecido. Declaro sinceramente que o reconhecimento nunca me serviu, sempre gostei mais do exercício da arte dramática, de uma busca minha, pessoal, do que do aplauso. A minha grande volúpia sempre foi estar no palco, nunca a de receber crítica favorável.

PLAYBOY Mas a Sonia Braga já declarou que, no fundo, você é um fofo.

PEREIO Não sou cafajeste, de jeito nenhum. Mas até que é uma estratégia interessante. Citando Maquiavel, "o mau inteirinho e de uma vez só, e o bem aos poucos, em doses homeopáticas". Essa mitologia do machão é um troço esquisito. Você sabe muito bem que, quando está a fim de uma mulher, não a ganha coçando o saco ou escarrando. A minha maneira de não ser um sujeito escroto é cultivar um sofisticadíssimo senso de escrotidão. Interiormente, não tenho nenhuma rigidez afetiva, pelo contrário, tenho até uma certa obesidade afetiva. Talvez essa rigidez que passo seja uma espécie de filtro para também não ficar aberto a qualquer um que chega. Eu sou composto de uma grande fragilidade.

PLAYBOY Mas perdeu trabalhos por causa da mitologia?

PEREIO Sim, mas, por outro lado, me livrou de fazer coisas que não queria. Por exemplo, se você está duro e te oferecem uma nota que vai quebrar um galhão para fazer algo que você não quer, é bem possível que você aceite. Já me ofereceram muita coisa. A assessoria de relações públicas da Presidência da República queria que eu fizesse anúncios, em março de 1974, cuja assinatura era "março, dez anos construindo o Brasil". Fiquei a fim pra caralho, mas não dava. Teve outra que queriam que fosse Papai Noel num outdoor. Também não dava.




PLAYBOY Você foi fiel nos casamentos?

PEREIO Quando era mais guri, não era exatamente infiel, mas tinha tesão em muitas mulheres.

PLAYBOY E celebrava os atos?

PEREIO Na medida do possível. Mas não era infidelidade. É que fidelidade não estava no contrato. Só com a maturidade que comecei a achar que isso era um bom negócio. Que, numa relação, é possível cultivar uma certa unidade. Eu tenho uma tendência mimética, se começar a andar com jogador de futebol, daqui a pouco estou de chuteira; se começar a fazer teatro com uma turma tal, eu dou uma certa aboiolada. Por isso, dedico minha vida a cultivar a minha unidade.

PLAYBOY Você tem algum filho fora de seus casamentos?

PEREIO Só numa relação muito tempo depois, com uma moça que tentou ter filhos, mas já havia feito vários abortos. Ela fez todos os exames e não havia nada que indicasse que ela não poderia ter filhos novamente, então se levantou uma suspeita a meu respeito. O que bati de p(*)ta em laboratório... É uma situação meio esquisita, você chega lá, a moça te dá um frasquinho, te indica um banheirinho. Tive de fazer isso três vezes, até levei uma

PLAYBOY Mas você já havia sido militante do Partidão, ou seja, sua relação com a esquerda é antiga, certo?

PEREIO Quando eu era guri. Eu era romântico, sabe? Ia nas reuniões, mas não prestava muita atenção. Ia para comer as mulherzinhas, porque as comunistas davam. Fui membro do Partidão, assinei ficha, e fui filiado ao PDT também, tinha uma relação com o Brizola desde a Cadeia da Legalidade. 

PLAYBOY Mas você votou no Lula?

PEREIO Votei. Nunca havia ganho uma eleição na vida, essa foi a primeira. Meu primeiro voto foi no [Marechal Henrique] Lott, estava louco para votar no Jânio [Quadros], mas naquele tempo eu era vassalo de Moscou e a ordem era votar no Lott. Fiquei um tempo sem votar em ninguém por preguiça, desinteresse. E nunca acreditei no Lula. A minha trajetória não é muito diferente da dele, nasci na fronteira com a Argentina e não fiz o primário, me alfabetizei sozinho. Nunca gostei muito de estudar, mas sempre acreditei no conhecimento. Sempre li muito, inclusive com certa disciplina. Esse elogio à ignorância do Lula me é repugnante.



PLAYBOY Como chegaram a você na Operação Bandeirantes?

PEREIO Os caras tinham meu telefone no aparelho, eles me achavam meio porra-louca, mas confiavam em mim. Eu também tinha ligações via mulher com um daqueles movimentos de 1968. Veio uma francesinha para cá e me apaixonei por ela. Lembro que cometi certos heroísmos, mas só para me exibir para a moça. Sempre se confundiram na minha cabeça o patriotismo, o heroísmo e o erotismo. Freqüentemente eu me engajava num movimento porque tinha uma mulher que eu queria comer, e também por sentimentos românticos.

PLAYBOY Quanto tempo ficou preso?

PEREIO Uns sete, oito dias. Era ali na Tutóia, eles colocavam um capuz na gente enquanto era conduzido. Sentei pelado na cadeira do dragão, uma cadeira de metal que tinha fiozinhos que foram enfiados nos meus dedos, e um cara ficava segurando o aparelho de choque de maneira que eu o visse. Senti que ele não estava muito a fim de usá-lo. Os policiais ficavam me fazendo pressão, que nem aqueles babacas do programa da Luciana Gimenez. Chegaram a me pendurar pelado, mas o cara não me deu o choque. Eu até pedi, "me dá logo esse troço, porra", mas ele não deu. Tinha um cara da Aeronáutica, um da Polícia Marinha e um capitão do Exército. O chefe era o major Valdir, os sargentos eram Guimarães, não tinham nome, e tinha um capelão, bichona, que me deu uma Bíblia. Com frio, rasgava a Bíblia e me agasalhava com ela.

PLAYBOY Falando em cana, a Cissa Guimarães mandou te prender por falta de pagamento de pensão alimentícia...

PEREIO [interrompendo] Aquilo foi ciúme de útero. Você pode chifrar uma mulher à vontade que ela tira de letra, mas ela não suporta ciúme de útero. Eu nem estava casado com ela, mas fiz um filho em outra mulher, e tinha acabado de sair de um acidente que me quebrou toda a cara. Quando saí dessa história, estava sem um puto por causa da operação. A Cissa ficou sabendo e me botou em cana pedindo 30 mil dólares. Ela sabia que eu não tinha como pagar. No dia de visita dos presos, e tinha cela com até 150 caras, tinha mais jornalista para me entrevistar do que visita para os outros . Saquei que a Cissa tinha a chave da cadeia, e só falei bem dela, disse que ela tinha toda a razão. Ela sempre teve bronca de escreverem o nome dela errado, Cissa com cedilha. Numa das entrevistas, falei: "É Cissa com dois esses, bota aí que eu estou dizendo isso". Nesse dia ela mandou me soltar.

PLAYBOY Nos anos 80, deram uma batida num apartamento de um traficante, você chegou logo depois, e quando perguntaram o que você tinha ido fazer lá, você disse: "Vim comprar cocaína". Não é dar muito mole?

PEREIO Perguntaram e eu disse: "Vim comprar cocaína". Se tivesse ido à farmácia, teria ido comprar remédio. Foi igual a quando bati o carro no morro, virado, ao meio-dia. O que fui fazer lá? Vou dizer o quê? Fui ver a empregada... Porra, conta outra!

PLAYBOY Mas você já começou no cinema arrumando confusão, em Os Fuzis...

PEREIO O problema ali é que a gente ia filmar em dez semanas e acabou durando seis meses. Acabou o dinheiro, precisava ter sol, seca, todo mundo se desentendeu nesse set. Ficamos seis meses convivendo sem filmar.

PLAYBOY Mas não houve problemas com notas frias e subvenções do Estado a fundo perdido?

PEREIO Entrar num discurso estetizante é muito difícil. Mas observo que 99% do que vem do cinemão americano é merda. E é receita. Limite é um filme do caralho, até hoje é um dos melhores filmes feitos no mundo. O outro que o Mário Peixoto quis fazer, não deixaram. O Cangaceiro também. Por que não ser tira uma caralhada de cópias e distribui no mundo inteiro?

PLAYBOY Mudando de assunto, como foi a sua convivência com o Nelson Rodrigues?

PEREIO Quando eu era casado com a Neila, ele escreveu uma peça para ela, O Anti-Nelson Rodrigues. Eu dirigi e atuei. Fui bem amigo dele. O Nelson era um sujeito muito interessante, ia pro meu camarim tomar cafezinho loucamente e fumar escondido da irmã. Era um homem riquíssimo interiormente, não bebia nada, molhava os lábios com um pouquinho de champanhe. Tinha dois motoristas, não dirigia, e duas secretárias, quase todos bolivianos. Ele não enfiava a mão no bolso, era uma das secretárias que pegava as coisas para ele.

PLAYBOY Por fim, qual seria o epitáfio perfeito de Paulo César PEREIO?

PEREIO "Next week I'll get organized." Ou então uma frase que disse para a Cissa quando ela me deu um pontapé nos colhões e, para justificar, disse: "Mas é porque eu te amo". Então me ama menos. "Me amem menos" seria um bonito epitáfio.







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