Wednesday, February 15, 2017

O CAMINHO QUE MACHUCA O ESCRITOR (uma crônica editorial de Marcus Vinicius Batista)



O preço do livro é alto no Brasil? Depende de uma série de variáveis. A primeira questão envolve onde o leitor compra o livro. Na Internet, os preços são obviamente mais baixos, pois descartam o ponto de venda (a livraria) e seus custos do processo, que incluem funcionários, espaço físico, impostos, taxas e outros gastos de menor peso.

Grandes redes chegam a ficar com 30% do valor de capa. Em muitas delas, as vitrines são mais um fator de custo. As redes não só compram em quantidades grandes, como pressionam as livrarias independentes (ou de rua), obrigadas a cobrir os preços e manter estoques razoáveis, que também implicam em ônus financeiro.

Neste caminho, ficou mais fácil para o consumidor a chegada da Amazon ao mercado brasileiro. A gigante global jogou os preços abaixo, com sucessivas promoções e descontos generosos. A competição é tão agressiva que ressuscitou a discussão utópica sobre a adoção do preço único para livros no país.

O debate não gerou a repercussão desejada e rapidamente desapareceu da imprensa segmentada. Muitos livreiros chegaram a citar o caso francês, terra onde se pratica o preço único, mas a informação me soou como fora de contexto, ignorando as particularidades do mercado nacional.

As editoras também entraram na dança, e muitas delas utilizam seus próprios sites para oferecer promoções e descontos de até 50%, inclusive com ausência de frete. É outra tentativa de driblar o convidado que come a maior fatia do bolo e pouco se fala dele na festa.

As promoções direto com as editoras seriam um mecanismo para tirar o impacto das distribuidoras, que costumam morder, em média, 40% do preço final do livro. Em alguns casos, a mordida alcança 50%.

A Internet, por outro lado, abriu espaço para uma série de editoras chamadas de independentes. Independentes porque sobrevivem à margem das livrarias e das distribuidoras. Elas quebram a cadeia e interagem diretamente com o consumidor final, o leitor. A venda é direta via Internet e algumas delas sequer fazem lançamentos. A divulgação também é predominantemente virtual. Boca a boca é tudo. De elemento físico neste processo, só o livro.

Nesta ciranda, sobra para o elo mais fraco da corrente: o escritor. O autor permanece muitas vezes alheio à contabilidade de sua própria obra e limitado aos 10% do preço de capa como direito autoral.

Por isso, muitos apostam em edições independentes, como formas alternativas de financiamento, deixando de lado a legislação de apoio cultural, por vezes burocrática em excesso e lenta para viabilizar a publicação do livro.

Não acho, mesmo diante de tantas dificuldades, que livro seja um objeto caro. Há múltiplas alternativas e endereços, com vantagens e desvantagens, para comprá-lo.

A conversa, neste caso, não é preço, e sim valor.

(publicado originalmente
em 28 de Dezembro de 2016
no blog CONVERSAS E DISTRAÇÕES)


Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros)
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
por sua legião de leitores.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
para republicação no BAÚ DO MARCÃO.



No comments:

Post a Comment