Nesta ‘pré-carnavalesca’ quinta-feira, onde todos se aprumam para as ‘Folias de Momo’, esta traduzida Mercearia pede passagem para acender as torradeiras de um tema muito, muito distante de boa parte dos(as) fregueses(as), mas que rende uma ‘baticum’ para bem além de cinco noites e três matinês.
A tradução, um ofício mais próximo da Arte do que de mera atividade social e econômica, ainda sobrevive no ‘ideário’ de boa parte das pessoas como uma atividade ‘palavra-por-palavra’, quase de copista.
A partir dos anos 1980, com a popularização dos CATs (‘Computer Assisted Translation’, ou ‘Tradução Assistida por Computador’) e o surgimento das agências, a atividade virou uma indústria que abarcou não somente o trabalho do ato tradutório, mas igualmente o conceito de ‘localização’.
A administração, o gerenciamento, o marketing e uma espécie de ‘relacionamento corporativo’ tomaram contra do ‘trem’. Tradução havia virado produto, quase uma pasta de dente, um automóvel, onde a satisfação do cliente vale mais do que as agruras de se ‘passar’ um texto de uma língua para outra.
A tradução virou ‘projeto’, quase objeto de um Facult ou ProAc. Organizações gigantescas de textos, divisão das tarefas, coordenações de prazo e velocidade de tradução. Os cumprimentos de prazo infartam, o gerenciamento de recursos humanos demonizam, um trambolho de todo tamanho para que se atinja a mais fina arte de manter no texto de chegada tudo aquilo que está contido no texto de partida.
Hã?! A tradução, querido(a) freguês(a)?! Ah... a tradução foi para “... the house of prick”!
A coisa chegou num ponto em que um(a) candidato(a) a uma vaga de tradutor(a) precisa saber muito mais de ‘localização’ ou da ‘arquitetura de projetos’ do que do ofício propriamente dito.
Exigências gigantescas, acrônimos para tudo quanto é lado, operações de memórias de tradução, glossários online, um investimento de tempo e dinheiro para R$ 11,00 a lauda.
Do CEO ao gerente de projeto, todos entram na ‘gaita’. Nem é preciso dizer que para o(a) tradutor(a) é o bagaço do laranja.
É de enlouquecer...
A competência linguística do(a) candidato(a) é o que menos importa. O(A) tradutor(a), e seu ofício, a tradução, que deveria ser o carro-chefe do negócio, o coração & alma da lida tradutória, são os entes menos relevantes do processo todo.
Na indústria da tradução, o(a) tradutor(a) é a choldra do balacobaco!
Se ainda fossem essas as palavras desse perdido ‘merceeiro’, #sqn! Tal análise é feita por, nada mais, nada menos, Gabriel Fairman, CEO da renomada Bureau Translations. Em vários ‘posts’ no LinkedIn, ele alerta que a atividade do(a) tradutor(a) ficou reduzida a entrar (ou atuar) em todas aquelas áreas onde as máquinas não chegam ou o resto da agência de tradução não tem vocação para operar.
O engraçado disso tudo: na hora de se discutir novas ferramentas elaboradas pelos Tis, utilização das memórias de tradução dentro de uma arquitetura de projeto e demais detalhes que hoje fazem parte da tal ‘indústria’, adivinhem quem são os únicos profissionais que sequer são chamados para participar das reuniões?!
‘Voilá’...
É uma agência de tradução, mas o(a) tradutor(a) não apita nada.
O(A) tradutor(a) tem de rebolar mais que mulata do Sargentelli para ‘investir em novas tecnologias’, ‘estudar mais e mais as novas “... arquiteturas de projeto...” ‘, tornar-se PJ e se manter ‘up-to-date’ às novas formas de lidar com padrões de qualidade cada vez mais automatizados que empurram qualquer escolha do(a) tradutor(a) a uma espécie de ‘erro’ tão aberrante quanto um crime doloso.
Entendemos que tudo precisa se transformar em ‘indústria’ para que a saúde financeira dos negócios siga adiante, forte e sem sobressaltos. No caso específico do tema, o que mais absurda é a tradução, e seu principal operador (o tradutor), não estarem mais sequer na coxia de um espetáculo que, inicialmente, levaria o seu nome.
Os ‘guardiães do portal’ da tradução, de repente, não são tradutores. É bom se acostumar com essas ignomínias das ‘indústrias-do-não-sei-lá-o-quê’ onde os operadores das Letras são pilotos de Fórmula 1, das Artes, amanuenses, do comércio, jogadores de futebol, da agricultura, puxadores de escola-de-samba, e assim por diante.
O problema das ‘indústrias’: a quimera torna-se tão gigantesca que o ‘trem’ sai quase que completamente de controle.
O cenário precisa ser ‘seguro’. Para tal intento, controla-se o ambiente e quem dele quiser participar tem de ser ‘enquadrado’ até que o último sopro de conhecimento e criatividade estejam mortos.
Controlam-se os participantes para que eles não interfiram no ‘cenário’. Truque velho, mas eficiente e bem mais presente em nossos dias do que possamos imaginar.
Nesse caso, o ambiente não é para que ele exista da forma como realmente nasce e está no mundo: ele existe somente para satisfazer caprichos pessoais no atendimento de vontades sem a menor capacidade (ou habilidade) de levar o bem a todos.
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
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