Wednesday, July 27, 2016

CANTO DE PÁGINA COMENTA HOJE "PUREZA", O NOVO ROMANCE DE JONATHAN FRANZEN

por Chico Marques


Pip Tyler não sabe ao certo quem é.

Só sabe que seu nome verdadeiro é Purity, que está cheia de dívidas, dividindo um apartamento com um grupo de anarquistas e em litígio com sua mãe.

Não sabe quem é seu pai.

Não entende porque sua mãe sempre a forçou a viver reclusa.

Adoraria ter uma vida normal e um nome que ao menos não fosse tão bandeiroso quanto esse que sua mãe lhe deu: Purity.

Um acaso do destino acaba trazendo-a para a América do Sul, para fazer estágio numa organização que contrabandeia segredos do mundo inteiro.

E é a partir daí ela começa a esboçar um rumo diferenciado para sua vida.



Pureza, novo calhamaço de Jonathan Franzen, é uma história sobre idealismo juvenil, lealdade e assassinato, em sintonia fina com os tempos em que vivemos.

Em sua busca pelo pai, Pip se envolve com figuras como Tom Aberant, um jornalista que edita um site investigativo, e Andreas Wolf, um personagem com toques de Julian Assange que lidera uma organização semelhante ao Wikileaks.

Neste romance sobre enigmas familiares, a internet é retratada como vitrine de segredos públicos e particulares, e Franzen analisa os prós e os contras do uso que se faz hoje da Web, além de investigar o que, para ele -- e para muitos de nós também -- é a grande questão filosófica desde novo século: o fim da privacidade com a chegada das redes sociais.

Detalhe: faz isso de uma maneira muito incisiva e peculiar, como nenhum outro romancista americano fez até agora.



Nesses últimos 15 anos, Jonathan Franzen vem retratando a vida nos Estados Unidos através de romances realistas, sem medo de que seus livros fiquem datados rapidamente por abordarem questões muito momentâneas.

Suas obras mais conhecidas, As Correções (2001) e Liberdade (2010), partem sempre da história de uma família para criar um amplo painel social, como faziam Charles Dickens e Leon Tolstói.

O dado curioso nisso tudo é que sendo Mr. Franzen um escritor de alto gabarito, é no mínimo curioso que ele não se preocupe com a posteridade para sua obra.

Claro que isso tem um lado extremamente saudável, na medida em que ele acredita que seu lugar na literatura é, antes de mais nada, aqui e agora, daí se preocupar em ter uma obra que sobreviva a ele torna-se algo contraproducente, na medida em que pode tolher inúmeras possibilidades na elaboração de suas tramas e de seus personagens.



Com uma estrutura fragmentada, Pureza percorre seis décadas e três continentes para narrar as vidas dos personagens que se envolvem na busca de Pip por essa resposta.

Como em seus romances anteriores, cada capítulo ressalta um personagem e acontecimentos dispersos vão sendo entrelaçados com extrema habilidade. 

Não se assuste com as 616 páginas do livro: tudo flue deliciosamente, gerando reviravoltas espetaculares, mas nada rocambolescas, que ressaltam mais uma vez a total maestria de Mr. Franzen na narrativa realista, em mais este romance ousado e inusitado.

Gostem ou não, a TIME Magazine tinha razão: Jonathan Franzen é realmente o grande romancista americano desses tempos incertos em que vivemos.

Pureza é a prova concreta disso.

ENTREVISTA CONCEDIDA POR JONATHAN FRAZEN
A CARLA MORAES, DO EL PAÍS (Maio 28, 2016)



Você disse, certa vez, na Feira do Livro de Guadalajara, que “quanto mais um romancista fala de seu romance, mais corre o risco de matá-lo”. O que você pode nos dizer sobre seu novo livro, Pureza, sem matar nada, nem ninguém? 

De fato, tenho três palavras para falar do livro com segurança: “Por favor, leia”. Dito isso... Noto –- e é um pouco frustrante –- que na imprensa ninguém fala sobre a parte central da história, que, a meu ver, é o casamento de Tom e Anabel. Esse é o coração do livro, pelo qual quase me matei escrevendo. Outra frustração minha é que, sobretudo na Europa, muitas pessoas se concentram na relação entre Internet e privacidade e a usam para descrever Pureza, como se o romance fosse sobre isso. Ou pior: dizem que ele é uma espécie de “cruzada contra a Internet”. Foi o título de uma matéria do próprio EL PAÍS. Sério? Cruzada contra a Internet? Eu diria que não... Poucos falam de Leila, uma personagem que me orgulha muito. E ninguém fala sobre a arma nuclear que desapareceu [risos]. São coisas que foram importantes para mim ao escrever. É o que eu falaria sobre o livro, mesmo sem acreditar que seja possível explicá-lo. "'Uma cruzada contra a Internet', sério? Eu diria que não"



Mas você é visto como um intelectual que discute questões relacionadas à Internet. E elas aparecem em Pureza. Como, do seu ponto de vista, a personagem principal, Purity Tyler, é capaz de nos mostrar mais de um lado da moeda que é a rede? A Internet pode ser boa e ruim ao mesmo tempo.


Tenho três maneiras de me comunicar. Uma delas são as declarações que faço publicamente, em entrevistas como esta. Outra é quando escrevo como crítico ou ensaísta. Por fim, estão os romances – a parte mais importante da minha comunicação. É mais provável que eu diga coisas radicais sobre mídias sociais se você me entrevistar, ou então em textos formais, nos quais me disponho a criticar esse universo. Nos livros tenho de fazer exatamente o oposto. É onde eu argumento contra mim mesmo e tento criar um mundo no qual não fica claro quem está certo e quem está errado. É o meu trabalho como escritor e é uma forma muito, muito difícil de comunicação. Um romance tenta representar o mundo, e no mundo real realmente não fica claro quem tem a razão.



Pip, a protagonista, me remete a uma existência anônima no mundo contemporâneo. O anonimato foi um tema para você – ou essa é só minha maneira de ler a história?


Eu nunca me colocaria entre você e o livro. Acho que cada leitor interpreta a história à sua maneira. O título sugere que eu estava interessado em vários tipos de idealismo – em versões utilitárias e lucrativas de pureza, na redenção de crimes cometidos no passado etc. Me pareceu divertido que esse personagem principal não ligasse muito para a pureza em geral. Pip não é uma idealista, como muitos dos jovens reais que conheço. Ao menos, não como eu era. Mas cheguei a entender, porque conheci mais gente jovem, que essa geração está lidando com um mundo de cabeça para baixo e, se você é jovem esperto nos dias de hoje, é muito difícil imaginar que existe alguma solução para os problemas que estamos enfrentando. Em certo sentido, os jovens de hoje são muito mais adultos do que eu era na minha época. Porque eu tinha toda aquela raiva louca, um engajamento utópico que acho que as pessoas não sentem mais.



E por que você escolheu um personagem feminino para conduzir essa história? Alguma razão especial para sua Pureza de hoje ser uma mulher?


Meus romances são equilibrados nesse sentido, entre personagens masculinos e femininos. Devoto o mesmo número de páginas a cada lado [risos]. O fato é que 50% dos habitantes do mundo são mulheres, e eu gostaria de emular essa realidade no meu próprio trabalho. Além disso, sou psicologicamente metade mulher, tenho essa capacidade dentro de mim. Se posso fazê-lo, por que não?



Você se importa com as críticas, de alguma maneira?


Não muito. Não espero que todos, unanimemente, digam “esse romance é maravilhoso”. Porém, espero que ele possa alcançar o leitor com o qual me preocupo – que procura intensidade psicológica, ri de coisas que outros não necessariamente acham engraçadas e se arrisca com algo que outros podem não entender. E muitos críticos pelo visto não entendem. Mas... o que vou fazer? Se eu vivesse na China, ficaria claro, como escritor, que eu estaria fazendo algo errado se todo mundo estivesse de acordo comigo. Ser escritor, para mim, passa por ir exatamente aos lugares mais sensíveis da sociedade, porque isso é o que mais gera ansiedade, vergonha ou raiva e, portanto, gera a experiência de leitura mais intensa nas pessoas. Mas, se você vai por esse caminho, podem tentar te calar. O escritor deve ir contra os que se acham mais espertos, contra todo tipo de concentração de poder. Claro, grande parte desse poder está hoje na Internet.



Você escreveu ensaios em que discorre sobre como o livro tenta sobreviver em um mundo de distrações como o Facebook e o Twitter. A realidade é diferente em cada lugar, mas você acha que as coisas estão melhorando para a literatura? 


Tenho sido otimista todo esse tempo. Há dez anos, as pessoas falavam “o mundo será totalmente novo em dez anos, porque a mídia eletrônica irá prevalecer”, mas parece que era muito cedo para afirmar isso. Pessoas que levam vidas difíceis, sem privilégios, usam a tecnologia como consomem cigarros. Se algo te incomodar, você pode fumar ou descarregar seu incômodo no Twitter e assim ir sobrevivendo àquele dia. Por outro lado, algumas pessoas atingem o ponto em que sentem superestimuladas e pensam “eu realmente gostaria de passar um tempo sozinho e mergulhar num livro”. As que podem fazer isso são privilegiadas, mas é algo que está acontecendo mais e mais. O editor de tecnologia do New York Times escreveu uma coluna em que disse: “Talvez todos devêssemos parar de usar o Twitter. Porque parece estar enlouquecendo as pessoas. Talvez não fosse o que a gente esperava”. Alguns concordaram com essa ideia, que vem ganhando força, e passaram a analisar de perto como estavam gastando seus dias e pensaram “essa tecnologia deveria me libertar, mas no lugar disso me sinto inflamado por ela”. Se o romance vai sobreviver, nós não sabemos, temos que esperar para ver. Queremos respostas imediatas, mas temos que dar tempo para as pessoas se ajustarem a essas novas tecnologias.



Para terminar, o que você opina sobre a disputa às eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016?


É engraçado ver, nas mídias sociais, como o establishment político está sendo virado de cabeça para baixo. Porque ele não prestou atenção àquilo com que as pessoas realmente se importavam. Tanto Donald Trump como Bernie Sanders são rebatidos o tempo todo por quem se sente frustrado. O fenômeno Trump é especialmente terrível, porque o discurso dele é totalmente irresponsável, em grande parte desonesto e carregado de ódio. E é isso o que guia a campanha dele. O que há de errado com as mídias sociais? Não parece promover um discurso civilizado. Os dois lados simplesmente não estão se comunicando. O establishment político, ao menos, forçava os dois lados a se sentar na mesma sala. Nas redes, você tem dois universos alternativos, mas que não se comunicam.



Sou obrigada a fazer mais uma pergunta. Você está familiarizado com a crise brasileira, também muito narrada através das redes sociais?



Com certeza. Ao ler sobre o assunto, no entanto, é difícil separar os fatos relacionados ao impeachment da confusão geral. Mas estou consciente de que a crise foi altamente inflamada pela Internet. É uma coisa estranha, porque se vivêssemos em vilarejos com 300 pessoas, o chefe do vilarejo teria de escutar o que as 300 dizem. Se elas ficassem realmente bravas com o líder, não importa o que ele fez, é hora de um novo líder. Porém, a coisa muda de figura se falamos de um país democrático de 200 milhões de habitantes. Porque não é mais pessoal, torna-se uma questão de números, de representatividade. É o que vejo aqui nos Estados Unidos, e também no Brasil. Acho que, no fim, estamos falando de democracia digital, uma expressão estranha, mas frequentemente usada para se referir à democracia representativa hoje. Para mim, isso não é democracia. É um motim.





PUREZA
(Purity)
Jonathan Franzen
Tradução: Jorio Dauster
Companhia das Letras
616 páginas
R$ 69,90

 

Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO



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