Thursday, July 7, 2016

DE CASCAR O BICO (um crônica de Ademir Demarchi)



Em notícia dos últimos dias que ainda não são do fim do mundo ficamos sabendo que a “Polícia Ambiental prendeu 40 humanos e libertou 140 galos em Arapongas”. Bem na cidade dos pássaros, descobrimos que aprisionam aves. E nem dá para acreditar que os pretensos humanos agora vão fazer rinhas com eles próprios na cadeia, pois devem pagar uma sáfara fiança em ração e sair voando rapidinho para chacoalhar as asas nos lugares de sempre, cantando como galinhas cacarejantes anunciando um oco ovo ou protogalos demarcando a esquina em que, no balcão do buteco de chão cuspido, frangos redimidos, vão pedir, se danando de rir, um rabo de galo enquanto olham para a calçada vendo o que julgam ser frangas a passar... E ainda vão perguntar: alguém se lembra como o Nizan Guanaes, aquele publicitário com cauda de pavão que foi pego apostando em galo, para escapar da pena e ao mesmo tempo salvar as penas se declarou viciado em rinha de galo? Jogo, afinal, é um vício... Ele deve ser daqueles que acreditam que os vícios enobrecem o homem... Já, os galos, se não fossem tão parvos assim, sairiam do SPA de proteção animal onde foram tomar uma fresca por conta dos cofres públicos para se recuperar das gaiolas e lutas inglórias e iriam direto para a delegacia denunciar os maus tratos que fazem com suas senhoras galinhas e seus jovens filhos frangos. Pois quem é que já não viu como eles são carregados por aí pelas rodovias em engradados fétidos e superlotados, sem espaço para respirar, que se dirá para cantar ou cacarejar, rumo aos abatedouros que dizem humanitários para acabarem depois nas gôndolas dos supermercados constrangedoramente nus ou, também eroticamente nus nas tevês de cachorro das padarias, até se tornarem vizinhos do macarrão de domingo? Esse é um dos paradoxos da vida contemporânea: rinha não pode, mas engradado apertado pode. Pobres frangos em frangalhos! É até de espantar que a polícia tenha ido lá dar cidadania para eles, pois desde os tempos das caravelas que ninguém mais se espanta com galinha tal como os índios, conforme nos relatou Pero Vaz de Caminha, que disse que eles “quase tiveram medo de uma galinha e não lhe queriam por a mão; e depois a tomaram como que espantados”, certamente já achando bem normaizinhos aqueles portugueses vestidos com suas malhas listradas, empombados de penachos na frente deles, nus. Ainda que sem terminar, podemos concluir que este mundo não acaba mas é de acabar. Daí que, nem bem desossados os frangos de domingo, ainda sem chegar à sobremesa, que pode ser um saguzinho, como um milhozinho debulhado, à base de tapioca que está na moda, já vem outra notícia de que um “Papagaio pode virar prova em julgamento de homicídio nos EUA”. Vate! Só quem está acostumado com Louro José é que pode achar normal essa papagaiada de pirata. Mas vai que o advogado esteja certo? Pois então, uma tal de Glenna Durão, de imaturos 48 anos, foi acusada de se achar no Velho Oeste por ter dado cinco pipocos no marido, bem na frente do bicho de estimação, um papagaio cinza africano sociável e falante. Os parentes do perfurado acreditam que o papagaio ouviu a discussão e se lembra de tudo, pois não para de repetir a expressão “Não atire!” Já a mãe da pistoleira, como boa mãe, desqualificando o pássaro, diz que “Ele ouve e repete qualquer coisa e é o mais boca suja do mundo”. Se fosse na republiqueta de Curitiba, o Sérgio Moro já teria convocado o papagaio como testemunha sem sombra de dúvidas, pois aqui até as pedras falam e têm o que dizer, como se sabe, e se ele não usa papagaios é porque prefere arapongas nesta terra de pardais e gralhas. Já, nos EUA, ainda que a acusação esteja querendo ver o papagaio num puleiro vip no julgamento, o promotor tem sido mais sensato diante do assédio da imprensa dizendo que é improvável, sugerindo que, envolvendo ave, vai pagar mico, Michel, vulgo migué, que o diga.


Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho


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