Thursday, February 4, 2016

2 OPINIÕES SOBRE "O REGRESSO", O FRANCO FAVORITO PARA LEVAR O OSCAR NESTE ANO



O REGRESSO: CADA FRAME UM WALLPAPER

por Lucas Salgado
para AdoroCinema

Existe o risco real de O Regresso passar os próximos meses sendo associado a chance de Leonardo DiCaprio finalmente conquistar um Oscar após cinco indicações. Mas é importante destacar que o filme não é apenas Leonardo DiCaprio. Sua atuação é arrebatadora e tudo leva a crer que o ator realmente pode levar uma estatueta para casa, mas se isso não acontecer, não há motivo para o filme ser desvalorizado ou esquecido. A qualidade do longa (e de nenhum longa) não deve estar relacionada ao bom desempenho em premiações. Independente do número de troféus que irá acumular na temporada de premiações, uma coisa é certa: trata-se de um filmaço.

Diretor de Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), Alejandro González Iñárritu se coloca definitivamente entre os grandes nomes de Hollywood. O cineasta mexicano tinha vista a carreira dar uma esfriada após Babel, mas agora está de vez na nata do grande cinema americano.

Se Birdman era uma preciosidade sobre a jornada de sucesso, decadência e esquecimento de um artista, O Regresso é uma obra ainda mais radical sobre o homem, sua luta para sobreviver e seu desejo por vingança.

Ainda vamos falar muito de DiCaprio e Iñárritu, mas agora é hora de destacar o principal nome da produção: Emmanuel Lubezki. Premiado pelos trabalhos em Gravidade e Birdman, o diretor de fotografia caminha para seu terceiro Oscar seguido. Ele tem trabalhos primorosos em obras como A Árvore da Vida e Filhos da Esperança, mas nunca filmou tão bem quanto em O Regresso. O trabalho em Birdman, quase todo em plano-sequência é especial, sem dúvida, mas ali também falamos de uma técnica de montagem. Aqui, em se tratando de fotografia, o resultado é fabuloso. Mesmo contando com algumas sequências pesadas e fortes, o filme é de uma beleza estonteante.

The Revenant (no original) talvez esteja ao lado de A Árvore da Vida e Sangue Negro como alguns dos longas mais belos da última década. Independente do momento em que escolher dos 156 minutos de duração, se parar o filme, tem uma grande chance de se deparar com uma bela tomada. Basicamente, cada frame é um wallpaper. E isso vale não apenas para as muitas tomadas da natureza, com rios, montanhas, florestas e neve, mas as cenas de ação também possuem uma beleza estética impressionante, como uma perseguição em plano-sequência que vemos no meio do longa.

Sim, Lubezki não abre mão dos planos-sequências, o que é ótimo, afinal ninguém utiliza a técnica como ele. São vários os momentos do filme em que temos grandes cenas sem cortes, algumas de dificuldade imensa, como a perseguição citada ou a cena de ação logo no início da produção, que já funciona como uma espécie de cartão de visitas para mostrar do que o filme é capaz. DiCaprio interpreta Hugh Glass, um forasteiro que atua como guia para americanos que caçam animais em uma região perigosa e pouco acolhedora dos Estados Unidos, em 1820. Atacado por um urso, ele fica bastante ferido e acaba abandonado para morrer pelo parceiro John Fitzgerald (Tom Hardy). Glass, no entanto, acaba sobrevivendo e luta para sobreviver com um único objetivo: ir atrás de Fitzgerald.

Ainda que o nome de DiCaprio seja, merecidamente, mais comentado, afinal ele é sim o fio condutor da produção e entrega uma performance inesquecível, cabe destacar que todo elenco está muito bem. Hardy é muito mais do que apenas o vilão. Trata-se de um homem complexo, com medos e objetivos. Domhnall Gleeson e Will Poulter também surgem em com atuações intensas e bem desenvolvidas.

Parcialmente baseado em obra de Michael Punke e escrito por Iñárritu e Mark L. Smith, o filme mescla como poucos ação e contemplação. Possui um bom ritmo e cenas empolgantes, sem deixar de oferecer momentos de respiro ao espectador, que assim como o personagem de DiCaprio é obrigado a confrontar a beleza e vastidão da natureza.

Vencedor do Oscar pelo trabalho em O Último Imperador, Ryuichi Sakamoto cria uma trilha sonora muito bonita, que toca o filme sem querer roubar a cena, mas mesmo assim se faz presente de forma significativa. A trilha, por sinal, é apenas mais uma virtude de um trabalho sonoro perfeito da produção. Os efeitos sonoros, o som e a mixagem do longa são incríveis. O público se sente em meio àquele cenário, ingressando quase em uma experiência sensorial.

A montagem de Stephen Mirrione (Traffic) também é digna de aplausos. Não é fácil evitar quedas de ritmo em um filme com mais de duas horas e meia de duração. Ele mescla cenas com personagens e momentos da natureza sem soar contemplativo demais. Tudo é muito natural e está ali por um motivo.

Cenários, figurinos, direção de arte, design de produção... Tudo no longa é de primeira qualidade. Um trabalho praticamente irretocável que tem tudo para agradar o público e marcar história. No início de sua carreira, Iñárritu geralmente era menos destacado que Guillermo Arriaga, seu roteirista em Amores Brutos, 21 Gramas e Babel. Com o final da parceria, o cineasta parecia destinado ao esquecimento, mas aqui ele mostra mais uma vez que não vamos nos livrar tão cedo dele. O que é ótimo. No novo trabalho, Iñárritu inova ao quebrar, ainda que delicadamente, a quarta barreira. Não, DiCaprio não faz como Kevin Spacey em House of Cards e conversa diretamente com o público, mas o diretor faz a câmera ser notada em alguns momentos, não apenas recebendo gotas de sangue ou água. Em pelo menos duas cenas, a câmera chega tão perto do protagonista que a respiração do mesmo embaça a lente.

O filme será vendido por muitos como mais uma obra de homem contra a natureza, mas é mais que isso. A luta pela sobrevivência é parte importante da história, mas não mais importante que a poesia visual. O espectador é confrontado com cenas absolutamente brutais e muito realistas, algumas de fazer se revirar na poltrona, mas o que fica mesmo é o belo.

Iñárritu sempre levou entre três e quatro anos trabalhando entre um filme e outro. É curioso que no período de apenas um ano tenha entregado duas obras tão distintas e fantásticas como Birdman e O Regresso. É esperar pelo próximo projeto, ainda não anunciado, do diretor.

O Regresso é um dos mais belos filmes dos últimos anos, uma obra tensa, envolvente e deslumbrante que traz uma atuação visceral de um dos atores mais brilhantes da atualidade. Se vai ser reconhecido com o Oscar, eu não sei.

Se não for, azar do Oscar.



UM FILME ESPETACULAR, UM ATOR IDEM

por Roberto Bueno
para Observatório do Cinema

Os Estados Unidos alcançaram o tamanho que tem atualmente por causa da conquista do Oeste. Uma das etapas desta expansão foi a guerra contra o México entre 1845 e 1848. Ao final deste conflito, os Estados Unidos anexaram ao seu território o que viria a ser o Estado da Califórnia, no qual fica Los Angeles, onde é a sede da indústria do cinema, Hollywood. Uma lenda do inicio desse avanço acabou atravessando os séculos e dando origem a livros, filmes e séries. Um dos livros acabou sendo a base para o belíssimo filme O Regresso.

O Regresso conta a história do caçador de peles, Hugh Glass (Leonardo DiCaprio). Ele está trabalhando com um grupo de caçadores de peles do Forte Kiowa, localizado perto do Rio Missouri, no atual estado da Dakota do Sul, comandado pelo capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson). Glass parece ter se integrado bem aos índios Pawnee, tendo inclusive uma mulher e um filho, Hawk (Forrest Goodluck).

Ao retornarem da última caça, o grupo liderado por Henry acaba sendo atacado por índios Arikara. Eles querem o carregamento de peles. Os sobreviventes do ataque conseguem fugir subindo no barco com alguns dos fardos do carregamento. Porém, Glass aconselha ao capitão para abandonarem o barco antes que fossem emboscados pelos índios. Um dos integrantes, Fitzgerald (Tom Hardy), que já não ia com a cara de Glass, não gosta nada desta ideia.

Em terra, o grupo, então, resolve esconder o que lhe restou de pele e caminhar ao largo do território dos Arikara para tentar evitar novos ataques. Os índios não atravessam mais o caminho deles, porém, em uma manhã, Hugh Glass é atacado por uma ursa que está protegendo seus dois filhotes. O capitão Henry oferece uma recompensa para quem carregar Glass de volta ao forte. Ficam para trás para carregá-lo, seu filho Hawk, o jovem Bridger (Will Poulter) e, também, Fitzgerald. Este ficou porque os outros dois disseram que dariam a sua parte da recompensa ao terceiro que ficasse. Porém, a volta dos quatro não foi exatamente como imaginaram e Glass acaba sendo deixado, vivo, para trás. Mesmo ferido, ele consegue se reerguer e começa uma épica viagem de volta.

Como dito anteriormente, a história de Hugh Glass gerou quatro livros e o último deles foi The Revenant, de Michael Punke, publicado em 2002. Não lançado no Brasil. O roteiro de O Regresso foi feito pelo próprio Alexandre González Iñárritu em parceiro com Mark L Smith. Iñárritu não poderia ter escolhido parceiro melhor. Smith é especializado em filmes de terror e suspense, como Temos Vagas (2007). A história ou a lenda de Hugh Glass já tem muito suspense e reviravolta por si só, porém, os dois conseguiram conectar os diferentes episódios de maneira que fizessem sentido e que todas as ações tivessem uma razão de ser. Até o ataque da ursa tem um motivo. Porém, fazem isso sem serem didáticos ou pedantes para com o público. O texto também desperta diferentes sensações e sentimentos nos espectadores, como surpresa, compaixão, ódio e ternura.

A direção de Alexandre Iñárritu em O Regresso justifica perfeitamente a sua indicação ao Oscar deste ano. A decisão dele em levar a equipe toda para lugares remotos no Canadá e Argentina, apesar de reclamações e irritações levantadas, fez toda a diferença. Elementos como a neve, a chuva, o rio e o vento demonstram como a natureza é um dos principais personagens desta trama. Esta deve ter sido a “integrante” mais difícil de lidar de todo o elenco, provavelmente.

Leonardo DiCaprio, também indicado ao Oscar pelo filme, demonstra mais uma vez a sua capacidade de interpretação. O seu personagem passa por situações dificílimas e ele só demonstra pela expressão, muitas vezes – como deve ser em uma boa atuação – todo o sofrimento e a angústia pelo qual está passando. Tom Hardy está bem também, interpretando um canalha. Hardy está ficando especialista neste tipo de personagem.

Já Will Poulter não está tão bem em seu papel, pois se comporta como em alguns personagens interpretados por ele. Ao contrário de Forrest Goodluck que, apesar da pouquíssima experiência cinematográfica, deixa transparece o trauma enfrentado pelo seu personagem e a afetuosa relação deste com o personagem de DiCaprio. Merecem destaque, também, os atores que fazem os índios das etnias Arikara e Pawnee, como Anthony Starlight, que interpreta o chefe do grupo da primeira, em seu segundo longa na vida; a atriz Melaw Nakehk’o, que faz a filha do personagem de Starlight e Arthur RedCloud, que interpreta o índio que acaba ajudando para Glass.

Quem deve ter sofrido tanto quanto os atores foi o diretor de fotografia, Emannuel Lubezki. Lubezki costuma trabalhar com Iñárritu, como em Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância). O trabalho dele deve ter começado quando o diretor mexicano exigiu que o longa inteiro fosse filmado apenas com luz natural. Provavelmente, precisou-se de inúmeras câmeras diferentes para possibilitar aa captação das várias luminosidades. Isso, sem falar, dos ótimos enquadramentos e movimentações utilizados por ele. Há inúmeras cenas maravilhosamente bem filmadas, como a cena de luta com a ursa, por exemplo. Esta foi realizada em um plano-sequencia no qual a câmera é aproximada ou afastada do Leonardo DiCaprio ao longo dela. Ou a cena do encontro do personagem do ator com um índio Pawnee em viagem. Além de muitos planos longos, nos quais a câmera gira usando um ator como centro do círculo e depois é apontada para o céu e retorna mostrando outro ator entrando em cena.

Quem deve ter tido muito trabalho, por ter várias dúvidas sobre o melhor momento para se cortar a cena foi o editor Stephen Mirrione. Ele também trabalhou em Birdman e faz um trabalho que demonstra o cuidado com as imagens filmadas e com a história a ser contada. Quando na história se faz necessário um corte, Mirrione sabe o que fazer com precisão. Ele produz o ritmo certo.

Outro trabalho que precisa ser citado como destaque em O Regresso é sem dúvida a maquiagem. Os ferimentos, as cicatrizes e a sujeira que inúmeros personagens sofrem ou têm são bem feitas. Porém, existem alguns deslizes de continuidade, exatamente, neste quesito. Um exemplo disso é o do personagem Hawk. Quem merece, também, um destaque neste filme é o design de produção. Fazer este trabalho neste filme não deve ter nada fácil. Os diferentes sets exigidos por Iñárritu, as cenas de perseguição com cavalos, o treinamento exigido dos atores devem ter sido situações que consumiram muito tempo de trabalho.

Trabalho este que também deve ter tido os compositores Carstein Nicolai e o Ryuichi Sakamoto. O compositor alemão e o compositor japonês, porém, conseguiram criar uma trilha envolvente. Inclusive, porque, algumas vezes durante o filme, ao invés de fazer reforçar a tensão, até um pouco excessiva neste filme, ela acaba contrastando e sendo mais calma do que a situação mostrada.

Pode-se dizer que a natureza – da Terra e a do homem – é a grande personagem do O Regresso. Huge Glass, como todos ali, está apenas reagindo aos acontecimentos que surgem diante dele. Esses acontecimentos, porém, fazem aflorar o caráter de cada um. Revelando, enfim, em quem se deve confiar ou em quem se deve dar um tiro.



O RETORNO
(The Revenant, 2015, 151 minutos)

Direção
Alejandro Gonzalez Inarritu

Roteiro
Mark L Smith
Alejandro González Iñárritu

Elenco
Leonardo DiCaprio
Tom Hardy
Domhnall Gleeson
Forrest Goodluck
Will Poulter



em cartaz nas Redes Roxy, Cinemark e Cinespaço


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