O escritor japonês Yukio Mishima se notabilizou, mais que por sua obra, por sua excentricidade, configurada num amor idealizado pela pátria, pelo imperador e pelo modo de vida do Japão medieval que tinha os samurais como exemplo moral de conduta e que o levou às últimas consequências do ato teatralizado do harakiri, feito com seu amante. Por esse credo, nunca aceitou a rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial, para ele manchada sobretudo com a humilhação imposta ao imperador Hiroito, que teve que admitir para os súditos que não tinha caráter divino. Insatisfeito com o que considerava ser uma degradação moral do país, Mishima criou uma sociedade e recrutou cerca de 90 jovens universitários de extrema-direita e os treinou nas artes samurais e na filosofia tradicional. Esse modo de pensar e agir foi compilado num livro, “O hagakure”, sobre o qual Mishima escreveu “O hagakure – A ética dos samurais e o Japão Moderno”, considerado por ele “o único livro que existe para mim”. Esse ideário foi elaborado por um antigo samurai, Jocho Yamamoto, que o escreveu para prescrever para seus discípulos nos séculos XVII e XVIII. Seu maior ensinamento é afirmar que “Descobri que o Caminho do Samurai é a morte”, constatação que permite buscar uma lucidez para encarar a vida de modo prático e que depois viria a inspirar os pilotos kamikazes. Assim, nesse livro ele prescreve ensinamentos como “Numa crise em que as possibilidades de vida ou morte são iguais, simplesmente solucione-a escolhendo a morte imediata. Não há nisso nada de complicado. Basta firmar-se e prosseguir... Para ser um samurai perfeito, é necessário preparar-se para a morte a cada manhã e a cada tarde, todos os dias”. Lido hoje, parece uma manual de autoajuda e de etiqueta desses banais que garantem a existência do que se chama mercado editorial. Apregoando a fidelidade masculina total, à morte, a um senhor, o patrão, esse modo de pensar se estende na defesa da homossexualidade, porém contra a “feminização do homem” e passa pelas regras para lidar com contas de despesas, mulheres, como comportar-se em festas e reuniões, como conduzir a vida, educar os filhos e manter relações humanas... Mishima, em seu tempo, reagiu contra a moda banalizada de Pierre Cardin, dizendo que “certamente não é a primeira vez que as modas masculinas floresceram como se quisessem ofuscar a moda feminina”. Seu homossexualismo era másculo, erotizado pela cultura samurai e idealizado, tendo por modelo sublime o imperador Hiroito, que o traiu com a submissão aos Estados Unidos ao perder a Segunda Guerra e sempre o ignorou. A vingança de Mishima foi espetacular. Planejou detalhadamente um ritual que se deu na manhã do outono de 25 de novembro de 1970. Enviou antes para o editor a parte final de sua tetralogia épica focada no Japão moderno, O mar da fertilidade (1965-1970), formada pelos romances “Neve da primavera”, “Cavalos selvagens”, “O tempo da aurora” e “A queda do anjo”. Com quatro companheiros da Tateno-Kai, ou Sociedade dos Escudos, criada por ele em 1968, Mishima foi para o quartel-general das Forças Armadas em Tóquio, onde obrigou o general Kanetoshi Mashita a recebe-lo e reunir no pátio central do quartel mil soldados para os quais leu seu discurso final marcado pelo amor ao Japão e suas tradições. Em seguida, ajoelhou-se vestido apenas com uma bandagem e uma faixa na testa, gritou três vezes o lema “Longa vida ao imperador!” e cometeu o haraquiri, de acordo com o ritual de suicídio dos samurais, cortando o ventre. Masakatsu Morita, seu braço direito na Sociedade e seu amante, concluiu o ritual degolando-o e em seguida também se matou, sendo degolado por um dos acompanhantes. Algo impensável hoje em dia em relação a um país.
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho
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