por Chico Marques
Sempre que eu entro numa livraria e começo a dar uma geral nos livros novos que estão em destaque logo nos displays da entrada, sigo invariavelmente uma pequena lista de procedimentos para ver quais livros vão me surpreender de forma positiva. O primeira delas é alguma recomendação na contracapa de um crítico de alguma publicação de relevo. Outra é a breve biografia do autor, que normalmente vem na segunda orelha do livroe: se eu estiver diante de um romance de estreia de algum escritor, as chances de levar o livro para casa são altíssimas. E, por último, o teste mais importante: o do parágrafo de abertura. Se ele for interessante o suficuente para me despertar interesse em ler o segundo parágrafo, já pode se considerar um feliz morador da minha estante de livros.
"Bonita Avenue", romance de estreia do holandês Peter Buwalda, conta a trajetória de Siem Sigerius, matemático de renome que é chanceler de uma importante Universidade holandesa, apaixonado por jazz e pelas coisas boas da vida. Ele esconde da comunidade acadêmica que seu filho de um casamento anterior foi condenado por homicídio, e trata tanto Joni, sua filha do segundo casamento, quanto seu namorado Aaron como filhos, tamanha sua carência paternal. Mas então, de uma hora para outra, seu casamento desmorona por conta de uma série de acontecimentos meio escabrosos, e sua família se dispersa. Ele é deixado para trás, mas segue seu caminho. Anos mais tarde, é nomeado Ministro da Educação, e isso acontece ao mesmo tempo em que fica sabendo que seu filho saiu da cadeia, e que sua filha faz agora exibições pornográficas na internet se apresentando como parente de uma importante figura pública. Sigerius começa a ser chantageado tanto pelo filho quanto por alguém que controla sua filha, e sua vida vira um inferno.
Esse é apenas o ponto de partida de "Bonita Avenue", um romance que se lê como um thriller, apesar de ser muito mais denso, mais estilizado e menos formulaico que um thriller pretenderia ser. O autor Peter Buwalda trabalha um conceito narrativo extremamente intrincado, com nada menos que três narradores diferentes atuando, e a ação saltando do passado para o futuro, e depois voltando ao passado diversas vezes. Por conta disso, a tensão provocada pela sucessão de fatos opressores de "Bonita Avenue" é não apenas engenhosa, mas também extremamente ambiciosa em termos literários.
Em meio a esse festival de malabarismos estilísticos, Peter Buwalda expõe uma distropia doméstica assustadora, onde a loucura, a violência e perversões sexuais passeiam diante dos nossos olhos, numa narrativa caleidoscópica sobre choques de valores entre diferentes gerações que deixa o leitor sem chão em diversas ocasiões diferentes.
Constantemente comparado a Jonathan Frazen e a Michel Houellebcq por alguns críticos mais apressados, eu diria que Peter Buwalda lembra mais o Philip Roth de "Goodbye Columbus", "When She Was Good" e "Portnoy's Complaint", seus primeiros romances, do que qualquer outro autor. A perplexidade de seu personagem diante da complexidade dos fatos que o envolvem de uma hora para outra acontece de uma maneira muito inusitada e envolvente. E não há nada mais interessante do que estar diante de alguém que, à primeira vista, parece vítima de uma situação conturbada, mas está longe de ser apenas isso.
Mas, falando francamente, o que mais me surpreendeu em "Bonita Avenue" foi a maneira com que Peter Buwalda conseguiu imprimir pitadas de humor num meio de campo literário que é, em princípio, hostil a investidas desse tipo. São ousadias como essa que romancistas de primeira viagem, que querem a todo custo impressionar seus leitores, cometem sem pensar muito se vai funcionar ou não. E quando acertam, deixam seus leitores boquiabertos.
Pois no caso de "Bonita Avenue", não funcionou extremamente bem como talvez seja sua maior credencial de recomendação.
Guarde bem esse nome: Peter Buwalda. Você ainda vai ouvir falar muito dele.
BONITA AVENUE
um romance de
Peter Buwalda
tradução de
Cássio de Arantes Leite
Editora
Alfaguara
536 páginas
64,90 reais
Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
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