publicado originalmente em O GLOBO
em 13 de Fevereiro de 2013
Numa Quarta-Feira de Cinzas, nada melhor para curar a ressaca de álcool ou de folia do que uma boa caminhada à beira-mar. Aliás, é remédio indicado para todos os dias. Eu, por exemplo, pertenço à confraria dos que caminham sistematicamente pelo calçadão da orla de Ipanema, os profissionais, aqueles que têm seus próprios códigos não escritos, como o de não parar com o outro, não parar para nada, nem para tomar água de coco.
Se quiser conversar, converse andando. Como dizia o grande poeta espanhol Antonio Machado, “o caminho se faz caminhando”.
Nesse grupo de caminhantes assíduos, há os que preferem o horário das 6h, como o jornalista Carlos Schroder. Ou os que variam de hora, como o vice-governador Pezão. Xicô Gouvea e Paulo comparecem lá pelas 8h.
Fernanda Montenegro, só esporadicamente, mas também é querer demais vê-la todo dia. Alguns estão sumidos, como Cacá Diegues e Nelsinho Motta. Por onde andam vocês?
Renata e Maria Helena também; Heloisa e Ruy idem. O dr. Romeu prefere correr. Merval, depois que trocou Ipanema pelo Leblon, mudou de calçada. Silviano Santiago reapareceu. E Thereza Miranda, que não tenho visto?
Curiosa é a ala dos desconhecidos que se tornam nossos íntimos pela convivência passageira. Sem nunca termos conversado, cruzamos uns pelos outros acenando com um gesto silencioso que diz sem precisar dizer: “Oi, tudo bem? como vai?” Às vezes é um sorriso apenas esboçado, anunciando discretamente que o está reconhecendo.
Há situações engraçadas como a cena da jovem bonita, de olhar demorado e insinuante, que para evitar eventuais e equivocadas fantasias acha conveniente advertir com ar maroto: “E aí, vovô, como vai a netinha?!”
Caminhar faz bem não apenas ao físico, mas também à cabeça. A endorfina transforma o hábito numa saudável prática de higiene mental. Se algum dia tive uma ideia criativa, foi andando no calçadão.
Alice [minha neta] resolveu dar sua contribuição à gramática, corrigindo algumas construções mais usuais de verbos no pretérito perfeito e no particípio passado; ela adota as formas ditas irregulares. Para isso, usa o raciocínio lógico e o método dedutivo.
Assim, na brincadeira, ela ordena: “Você está prendido.” Se o verbo é prender, por que “preso”? Da mesma maneira “cabeu“. O verbo não é caber? “Vai fazer xixi e depois traz o caderno”, diz a mãe. “Já fazi e já trazi”, ela responde, com a segurança de quem, aos três anos, acha que domina os verbos fazer e trazer.
Os intransigentes defensores da forma culta da Língua precisam aprender com as crianças que, em matéria de gramática, é possível estar errado e ter razão. De nossa parte, ensinamos o que é oficialmente certo. Isso é fácil. Explicar o porquê é que são elas.
Zuenir Ventura nasceu em 1931
em Além Paraíba, Minas Gerais.
Formado em letras neolatinas,
é professor universitário
e jornalista há quase quarenta anos.
Atualmente é cronista da revista Época
e do jornal O Globo.
Em 1989 recebeu o prêmio Jabuti
(categoria reportagem) pelo best-seller
1968 - O ano que não terminou.
Foi eleito em Outubro de 2014
para a Academia Brasileira de Letras.
em Além Paraíba, Minas Gerais.
Formado em letras neolatinas,
é professor universitário
e jornalista há quase quarenta anos.
Atualmente é cronista da revista Época
e do jornal O Globo.
Em 1989 recebeu o prêmio Jabuti
(categoria reportagem) pelo best-seller
1968 - O ano que não terminou.
Foi eleito em Outubro de 2014
para a Academia Brasileira de Letras.
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