Monday, February 15, 2016

BILL FLANAGAN E O MELHOR ROMANCE JÁ ESCRITO SOBRE A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA



Bill Flanagan, 60 anos, é uma das figuras mais importantes tanto do jornalismo musical quanto do broadcasting musical na América.

Integrante do time original de colaboradores da prestigiada da revista MUSICIAN (1976-1999), ao lado dos amigos Lester Bangs e Cameron Crowe, ele ajudou a desenvolver um approach jornalístico diferenciado na Imprensa Musical Americana, mais focado em relatos sobre a experiência musical dos artistas escolhidos para as matérias da revista, deixando de lado o trivial Rolling Stone Magazine com as impressões sobre o cotidiano e as histórias de sucesso de praxe.

Paralelo a sua atividade na MUSICIAN, Bill Flanagan foi, durante uns bons anos, Diretor Editorial na MTV Networks. Sua experiência como entrevistador foi vital para a criação e formatação de projetos como "VH1 Storytellers" (onde os artistas convidados contavam no palco as circunstâncias em que cada canção incluída no set-list do programa foi composta) e "CMT Crossroads" (onde artistas de linhagens bem distintas dividiam o mesmo palco e interagiam musicalmente). Foi ainda responsável por inúmeros programas e especiais como "VH1 Legends", "VH1 Archives" e "VH1 Hotel", e seu último projeto musical foi a série musical 'Spectacle", produzida por ele, Elton John e Elvis Costello para o Sundance Channel. Ele tem atualmente uma coluna musical semanal no "CBS News Sunday Morning".  

Por fazer parte do mundo corporativo, foi uma grande surpresa quando Bill Flanagan anunciou em 2000 estar lançando um romance focado justamente na mídia da qual faz parte. O romance em questão se chama "A&R" (Artist & Research, categoria profissional popularmente conhecida por Descobridor de Talentos). É muito bom. Infelizmente, nunca foi traduzido para cá, assim como os dois romances seguintes de Flanagan: "New Bedlam" e 'Evening Empire". Seu único título lançado no Brasil até hoje é uma coletânea de entrevistas feitas para a MUSICIAN chamada "Dentro do Rock", editada em 1986 pela Editora Marco Zero e facilmente encontrável em Sebos. 



 "A & R" se passa na cena musical novaiorquina, um lugar onde a arte e o comércio convivem quase sempre em litígio, em meio aos conflitos entre os egos do artistas e a incansável batalha pela fama, pela fortuna e pelo poder. A ação se passa na fictícia Worldwide Records, que representa algumas das principais multinacionais que controlam a música gravada. Jim Cantone é um profissional de A&R que cresce na hierarquia corporativa da Worldwide, sempre fugindo de rasteiras e tentando manter alguma integridade pessoal em defesa da música que ele gosta e acredita. Mas entre tentar e conseguir isso efetivamente existe um abismo intransponível. Claro que Jim vai descobrir isso da pior maneira possível.

"A&R" é um daqueles livros que, antes de ser publicados, certamente são encaminhados pelo editor a uma junta de advogados para propor revisões que evitem processos judiciais. Mesmo assim, leitores que conheçam bem a cena musical da virada do Século 20 para o 21 vão se divertir identificando quem é quem em meio a todos aqueles artistas e executivos de nomes fictícios citados no livro.

Mas o realmente que faz de "A&R" um romance tão legal de ser lido hoje, dezessete anos depois de ter sido escrito, é que a Indústria Fonográfica retratada no livro simplesmente não existe mais. Foi completamente aniquilada pela Revolução Diigital. O que restou dela hoje guarda uma semelhança muito, muito vaga com o que ela era então. Daí, meio que sem saber, Bill Flanagan terminou por escrever o romance que faltava ser escrito sobre a Indústria Fonográfica. E fez isso antes que ela sucumbisse num "downsizing de proporções bíblicas" que mudou completamente suas feições.

O olhar generoso e, de certa forma, carinhoso de Bill Flanagan para com esse Universo com o qual sempre conviveu tão bem, e de forma extremamente criativa, é algo realmente precioso. Seus personagens vão do idealismo absoluto à canalhice explícita, sem escalas. E ao invés de perder tempo com julgamentos morais, Bill Flanagan deixa a narrativa fluir com a visão amoral típica de quem sabe que nesse meio vale (valia) tudo, e acontece (acontecia) de tudo.



"A&R" mostra o meio musical das gravadoras como ele realmente é (foi), e nisso o romance é absolutamente brilhante e extremamente bem sucedido. Claro que, na medida em que é o seu romance de estreia, uma série de pequenos descompassos narrativos poderiam ter sido evitados -- e que talvez tenham sido evitados nos romances seguintes de Bill Flanagan, não sei dizer ao certo, infelizmente não os conheço. Ainda não os conheço. Pretendo reparar essa falha em breve, assim que o dólar baixar e voltar a ser possível comprar livros nos EUA pela web sem ficar com a conta bancária  esfolada.

Mas "A&R" eu conheço bem. E gosto. E recomendo para todos os que puderem lê-lo em Inglês, ainda mais se tiver interesse em conhecer como funcionava a Indústria Fonográfica e o Star-System Musical, e como aquilo tudo era uma grande farra para quem deu a sorte de estar do lado de dentro.







No comments:

Post a Comment