Friday, March 17, 2017

CAFÉ & BOM DIA #54 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Sempre consumi filmes incansavelmente, tanto enlatados americanos quanto filmes de arte. Outro item que também é frequente na minha lista de consumos é a poesia. Não houve uma só manhã que não tenha lido cinco poesias dos mais variados poetas. Pesquisas daqui, pesquisas dali e caio numa sugestão interessante, o filme Borboletas Negras, que conta a historia da poetisa Sul-Africana Ingrid Jonker, e como foi o processo destrutivo de composição do seu poema mais famoso. O enredo desenvolve o psicológico da poetisa, mostrando uma alcoólatra com tendencias suicidas cheia de amor para dar. Enquanto paralelamente debate o cenário literário da Africa do sul e os problemas enfrentados pelos escritores com a censura. Ingrid começa a participar de um grupo boêmio e descontraído formado na grande maioria de artistas, sempre discutindo sobre a politica do país e os últimos trabalhos individuais. No decorrer do longa alguns fatos são narrados para que possamos entender o que inspirou o poema "The child is not dead'. O que acaba sendo uma análise biográfica e levemente superficial. Enfraquece a potencia do poema que por si só se explica. Não é necessário abordar alguns temas(no caso do filme, o aborto e o trauma causado por ele) para que eles sejam totalmente compreendidos dentro de uma obra. Mesmo que funcione dentro da linguagem cinematográfica, pois é preciso um certo drama na historia, para que ela cative o público geral. Repleto de bons diálogos e dos belíssimos versos da Ingrid Jonker, o quê vale ressaltar, eu não tinha a menor consciência de sua existência.



Li apenas dois títulos de Amin Maalouf, o primeiro " O Périplo de Baldassare " não gostei e o segundo "As Cruzadas Vistas pelos Árabes " foi interessante. Muito pela construção de texto que propõe uma perspectiva oriental. Muitos anos atrás li Ozzy Oldeberg " As Cruzadas " que tenta disciplinar de forma cronológica os embates Ocidente x Oriente, considerando as vitórias e derrotas e os efeitos no ocidente. A visão oriental que eu saiba é Amin que nos oferece. De maneira que o livro se torna cativante pela forma que mescla crônicas da época pontificando diferenças de visão e Amin Maalouf com pleno domínio do texto. O livro não é considerado um romance e sim ensaio. Em As Cruzadas Vistas Pelos Árabes é-nos apresentada uma visão algo diferente das que estamos acostumados, a dos invadidos por um povo que consideram bárbaro quando comparado científica e culturalmente. Os europeus são descritos como bárbaros, porcos, incultos e sem honra, o que face aos relatos não se pode negar totalmente. Dei de viajar na maionese citando autores importantes e pouco lidos e faço minha as palavras de Nuccio Ordine que diz ser o saber como única maneira de desafiar as leis de mercado e o utilitarismo que domina a sociedade atual. Educação virou comércio e propõe um uso prático, razão pela qual o prazer do conhecimento humanístico dorme sem roncar. É muito divertido fazer leituras de autores que tendo muita importância no contexto histórico vão aos poucos sendo esquecidos.



Impossível tecer comentários de valor entre os dois códigos, o literário e o cinematográfico, mas na tela Pascal Quignard, que trabalhou na adaptação cinematográfica de seu livro, constrói um espaço de cor, brilho e sombra, semelhante ao que se pode admirar na pintura de Georges de La Tour, sobre o qual ele escreve La nuit et le silence. Neste livro, ele revela que houve duas grandes candeias na nossa história e elas se encontram no tempo: as lições das trevas da música barroca, as candeias das telas de Georges de La Tour. Os ofícios das Trevas da Semana Santa constituíam um rito no qual se apagavam uma a uma, durante o canto, as letras hebraicas que formavam o nome de Deus e, uma a uma, graças ao sopro de uma criança vestida de vermelho, as velas que a representavam na obscuridade da agonia. Como leitores do livro e espectadores do filme, podemos notar que há uma singular relação entre a página branca e a tela brilhante de luz, pois entre as duas, em um espaço virtual, intervalar, o silêncio, a imagem e a música se tornam paradoxalmente possíveis, em um mesmo tempo, em uma outra lógica, em um outro compasso. Tal efeito só se revela possível por meio de uma dissimetria poética, da qual só podemos falar valendo-nos de uma retórica especulativa, da qual fala Pascal Quignard em seus ensaios e que, parece-me, sustenta a toda sua obra. Finalmente, escrever é escrever o perdido, o indizível e a impossibilidade de captar e recuperar as coisas do outrora, a tentativa de recuperar o primeiro grito, não só as coisas em sua novidade, mas o momento do antes, a palavra aquém da linguagem, as coisas que brotam e que são fonte da linguagem. Ou, em outras palavras: "a linguagem afetada pelo silêncio é o ninho. Como o visível afetado pela obscuridade é o sonho. Muita coisa de Quignard foi publicada no Brasil " O Homem Errante " foi roteirizado por ele e o livro ganhou o Goncourt., o filme passou batido talvez pela densidade. Ruth Salviano especialista em Pascal Quignard eleva a costura escrita e imagem nos conduzindo em direção a obra.



Em busca do tempo perdido é arte e teoria da arte ao mesmo tempo, uma prova de que o todo é bem mais do que a soma de suas partes, de que o estilo pode bem ser uma maneira de ver o mundo. Com a obra, Proust faz bem mais do que oferecer sua vida e suas histórias a nossos olhos; ele oferece seus “olhos” para que nós, o leitor, vejamos melhor o mundo lá fora e a alma aqui dentro. O livro é, assim, um instrumento para desvendar o mundo, uma ferramenta de conhecimento, de autoconhecimento das mais nobres e eficazes, sobretudo depois de o assunto ter sido banalizado tanto assim nos últimos tempos. Muitas das personagens de Proust são baseadas em figuras reais, que viveram na época em que o autor frequentava assiduamente os salões de Paris. Pouco antes de começar efetivamente os trabalhos na Recherche, Proust ainda participou da tradução de duas obras do crítico de arte, escritor e poeta inglês John Ruskin, A bíblia de Amiens, publicada na França em 1904, e Sésamo e flor-de-lis, publicada em 1906. O trabalho nas obras e o entusiasmo de Proust em relação ao autor inglês é decisivo no desenvolvimento de alguns conceitos artísticos trabalhados em Em busca do tempo perdido. Mas Proust estreou mesmo na literatura com Os prazeres e os dias, uma coletânea de narrativas e esboços em prosa também publicada a suas próprias expensas em 1896. Mas a obra que se aproxima mais de perto de Em busca do tempo perdido é o romance Jean Santeuil, vários dos elementos temáticos da obra-prima já se encontram reunidos em Jean Santeuil. Marcel Proust trabalhou quase vinte anos – e intensamente – em sua obra-prima. Com o ensaio biografico de Nackes é possível compartilhar o café-da-manhã (duas xícaras de café bem forte, da marca “Corcellet”, com leite quente, e dois croissants da Rue de la Pépinière), servido pela fiel Cèlèste em uma bandeja de prata ao lado de Marcel.

TOMAR CAFÉ NESTE CALOR É PARA OS FORTES, BOM DIA.




Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,
do amigo Orlando Valência.


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