Troy Maxson (Denzel Washington), não é exatamente uma pessoa feliz. Envelhecido e desgastado, vive numa casa de subúrbio com a esposa, Rose (a deslumbrante Viola Davis), e o filho pós-adolescente, Cory (Jovan Adepo), ruminando a carreira que quase teve, e o futuro que não se concretizou. Grande jogador de baseball na adolescência, não conseguiu se profissionalizar porque, quando de seu apogeu, as ligas profissionais não admitiam jogadores negros.
De uma queda a outra, acabou sua vida como lixeiro, numa confortável, porém muito simples casa de subúrbio. A amargura o transformou num homem irascível e de poucos amigos, entre eles Jim Bono (Stephen Henderson), amigo de todas as horas do casal Maxson.
Um de pontos de discórdia entre Troy e a família é justamente a habilidade natural do filho mais novo, Cory, para o futebol americano, que pode inclusive lhe valer uma bolsa de estudos universitária. O pai não concorda com o desenvolvimento da carreira do filme e interfere em sua escolha profissional. Opção, aliás, que não teve com seu filho mais velho, o complicado Lyons (Russell Hornsby).
Acrescente-se a esta equação o Tio Gabriel (Mykelti Williamson, em comovente composição), limítrofe irmão de Troy, e a pequena Raynell (Saniyya Sidney), e a família Maxson está em ponto de ebulição.
Apesar de sua inegável origem teatral, o texto de “Um Limite Entre Nós” é um primor de concisão. O espetáculo original, “Fences”, estreou na Broadway em 1987, recebendo os prêmios Tony de Melhor Peça, Ator – para James Earl Jones – e Atriz Coadjuvante, para Mary Alice. Já sua remontagem, de 2010, trazia praticamente todo o elenco agora na versão do cinema, com exceção do ator que vive Cory, que na Broadway era Chris Chalk. Também muito premiada, a montagem levou os Tonys de Melhor Remontagem de Peça, Ator – para Denzel Washington – e Atriz, para Viola Davis.
Quarta incursão de Washington na direção (depois de “Voltando a Viver”, 2002; “O Grande Debate”. 2007; e um episódio de “Grey’s Anatomy”, 2016), atendendo ao pedido do autor da peça e também roteirista August Wilson (falecido em 2005, mas concorrendo ao Oscar deste ano), de que o filme deveria ser dirigido por um diretor negro, numa escolha bastante clara e direta. Tendo encenado mais de 110 performances do espetáculo no palco, certamente Denzel Washinton desenvolveu uma visão muito particular do texto e sua profundidade, consolidando seu trabalho na direção.
Concorrendo a quatro Oscars este ano, levou o prêmio de Atriz Coadjuvante para Viola Davis, que arrebata o filme em suas poucas intervenções. Em sua terceira indicação ao Oscar (já tendo recebido o Globo de Ouro, o SAG e o Bafta, entre outros, pelo papel), Viola se destaca, mesmo frente à performance sólida de Washington – que recebeu o SAG como Ator este ano, e concorreu também ao Oscar na mesma categoria. As outras indicações do filme são como Melhor Filme e Roteiro.
Um trabalho consistente que prima pela direção de atores. Não perca.
(Fences, 2016, 139 minutos)
Direção
Denzel Washington
Elenco
Denzel Washington
Viola Davis
Stephen Henderson
Jovan Adepo
Russell Hornsby
Mykelti Williamson
Saniyya Sidney
O novo filme do escocês David Mackenzie que, de romances de baixo orçamento passou para um ambicioso western moderno – gênero até então completamente americano -, é surpreendente. “A Qualquer Custo” conta a história de dois irmãos, o bad boy Tanner (Ben Foster) e o quase ingênuo Toby (Chris Pine), que assaltam bancos – especificamente da rede Texas Midlands – em busca de pequenos saques de alguns milhares de dólares. As razões? Vamos descobrindo durante o desenrolar da ação. Por serem pequenos assaltos, chamam a atenção apenas das milícias locais.
Um destes policiais, o Texas Ranger Marcus (Jeff Bridges, num sotaque quase incompreensível), e seu parceiro, o índio-mexicano Alberto Parker (Gil Birmingham), parte em busca da dupla, tentando antever seus próximos passos, e as razões dos assaltos.
As vastas e poeirentas paisagens texanas, banhadas por uma luz sempre causticante, conferem ao filme a dimensão dos tradicionais westerns norte-americanos, mas com uma forte influência dos western-spaghetti italianos, onde todos os chavões do gênero eram levados a seus extremos. Além da homenagem/citação ao gênero, o filme também funciona como uma “não muito sutil” vitrine do processo de empobrecimento da classe média americana, fenômeno que, aliás, levou à hecatombe Trump. É naquela sucessão de terras improdutivas e exauridas em suas reservas de óleo que vive grande parte do eleitorado do bufo falastrão eleito em 2016.
Retomando: Tanner e Toby cometem seus assaltos de modo a juntar uma considerável soma em dinheiro com fim específico. E vão “trabalhando” neste sentido enquanto são perseguidos pela dupla Marcus e Alberto que, em si, já é um espetáculo à parte. Ofensas mútuas – aos brancos “white trash” e aos nativos norte-americanos ou aos mexicanos, como convier melhor – são parte da estreita relação estabelecida entre os dois, durante anos de colaboração. Qualquer coisa é motivo para discussão, do almoço à camisa que usam. Marcus está à beira da aposentadoria (este é seu último caso) e Alberto tem uma paciência de Jó, além de se adorarem mutuamente.
É impressionante a facilidade com que os personagens conseguem estabelecer um vínculo com o público neste pequeno achado da filmografia de 2016. Com merecidas indicações na temporada de prêmios, recebidas até agora – entre elas ao Oscar (Melhor Filme, Ator Coadjuvante – Bridges, Roteiro e Montagem), ao Globo de Ouro (Melhor Filme, Ator Coadjuvante – Bridges e Roteiro) e ao Bafta (Ator Coadjuvante – Bridges, Roteiro e Fotografia) -, o filme é programa obrigatório a fãs do gênero, mas também àqueles que apreciam bom cinema, independente da origem ou produção. Não perca!
A QUALQUER CUSTO
(Hell or High Water, 2016, 102 minutos)
Direção
David Mackenzie
Elenco
Jeff Bridges
Chris Pine
Ben Foster
Gil Birmingham
Katy Mixon
Joe Berryman
Em 1933, Rouben Mamoulian dirigiu a lendária Greta Garbo naquele que seria um de seus maiores sucessos em sua fase hollywoodiana, “Rainha Christina”. O filme contava a vida – com fundamentos históricos – de uma das mais populares monarcas suecas que, nos anos de 1600, abriu o austero país para um novo mundo de desenvolvimento, mesmo pagando um caro preço por isso.
De lá para cá, muita coisa pode ser mostrada em filmes, que não eram tão assimiláveis para as plateias dos anos 1930. Como, por exemplo, o apelo homoerótico que a história da grande soberana carregava em si, apenas tenuemente sugerido no filme de 1933, mas que é mola mestra nesta nova versão da mesmo história, “A Jovem Rainha” (2015), de Mika Kaurismäki.
Coroada aos seis anos de idade, Christina (Malin Buska) – que havia sido criada pelo pai como um príncipe, em preparação para assumir o trono -, vai pouco a pouco dando pistas de sua tenacidade e inteligência, mesmo sob o tutorado do Chanceler Axel Oxenstierna (Michael Nyqvist, de “Invasão de Privacidade”, 2016). Mesmo subjugada por uma sociedade conservadora e puritana – a Suécia observava a doutrina Luterana -, Christina, em seu anseio por cultura e desenvolvimento, tenta abrir o país a ideias mais arejadas, interessando-se muito pelos escritos do filósofo, físico e matemático francês René Descartes (um dos mais influentes da história do pensamento ocidental), por exemplo.
Tentando acabar com a Guerra dos Trinta Anos – entre protestantes e católicos -, aproxima-se de Roma, tornando-se extremamente mal vista em sua própria corte. Isto, mais o fato de ser completamente refratária à ideia do casamento, principalmente como maneira de “cumprir com seu destino”, ou seja a procriação e eventual manutenção da linha sucessória ao trono, transformam Christina no alvo de inúmeras intrigas palacianas que a atingem, mas principalmente, atingem ao objeto de seu afeto, sua dama de companhia, a Condessa Ebba Sparre (Sarah Gadon), ou Belle, como Christina a chama. Neste meio tempo, o Chanceler Oxenstierna continua tentando influenciar Christina a se casar com seu filho, Johan (Lucas Bryant).
Numa bela reconstituição de época, contrapondo a espartana corte sueca à imagem que normalmente se tem das cortes europeias do período, principalmente a francesa e a espanhola (faustosas e exuberantes), e figurinos inspiradíssimos, o filme de Mika Kaurismäki (diretor de O Ciúme Mora ao Lado, 2009) apresenta um enredo político devidamente valorizado pelo estudo humano da personagem principal, suas paixões e posturas. O elenco internacional reforça ainda mais o enfoque globalizante da irrequieta Christina, que tinha por objetivo transformar a Suécia no mais moderno país europeu. A rigor, acabou conseguindo, mesmo tendo que abandonar sua tão amada pátria. Não perca.
A JOVEM RAINHA
(The Girl King, 2015, 106 minutos)
Direção
Mika Kaurismäki
Elenco
Malin Buska
Sarah Gadon
Michael Nyqvist
Lucas Bryant
François Arnaud
Patrick Bauchau
Os dois filmes acima
Direção
Denzel Washington
Elenco
Denzel Washington
Viola Davis
Stephen Henderson
Jovan Adepo
Russell Hornsby
Mykelti Williamson
Saniyya Sidney
O novo filme do escocês David Mackenzie que, de romances de baixo orçamento passou para um ambicioso western moderno – gênero até então completamente americano -, é surpreendente. “A Qualquer Custo” conta a história de dois irmãos, o bad boy Tanner (Ben Foster) e o quase ingênuo Toby (Chris Pine), que assaltam bancos – especificamente da rede Texas Midlands – em busca de pequenos saques de alguns milhares de dólares. As razões? Vamos descobrindo durante o desenrolar da ação. Por serem pequenos assaltos, chamam a atenção apenas das milícias locais.
Um destes policiais, o Texas Ranger Marcus (Jeff Bridges, num sotaque quase incompreensível), e seu parceiro, o índio-mexicano Alberto Parker (Gil Birmingham), parte em busca da dupla, tentando antever seus próximos passos, e as razões dos assaltos.
As vastas e poeirentas paisagens texanas, banhadas por uma luz sempre causticante, conferem ao filme a dimensão dos tradicionais westerns norte-americanos, mas com uma forte influência dos western-spaghetti italianos, onde todos os chavões do gênero eram levados a seus extremos. Além da homenagem/citação ao gênero, o filme também funciona como uma “não muito sutil” vitrine do processo de empobrecimento da classe média americana, fenômeno que, aliás, levou à hecatombe Trump. É naquela sucessão de terras improdutivas e exauridas em suas reservas de óleo que vive grande parte do eleitorado do bufo falastrão eleito em 2016.
Retomando: Tanner e Toby cometem seus assaltos de modo a juntar uma considerável soma em dinheiro com fim específico. E vão “trabalhando” neste sentido enquanto são perseguidos pela dupla Marcus e Alberto que, em si, já é um espetáculo à parte. Ofensas mútuas – aos brancos “white trash” e aos nativos norte-americanos ou aos mexicanos, como convier melhor – são parte da estreita relação estabelecida entre os dois, durante anos de colaboração. Qualquer coisa é motivo para discussão, do almoço à camisa que usam. Marcus está à beira da aposentadoria (este é seu último caso) e Alberto tem uma paciência de Jó, além de se adorarem mutuamente.
É impressionante a facilidade com que os personagens conseguem estabelecer um vínculo com o público neste pequeno achado da filmografia de 2016. Com merecidas indicações na temporada de prêmios, recebidas até agora – entre elas ao Oscar (Melhor Filme, Ator Coadjuvante – Bridges, Roteiro e Montagem), ao Globo de Ouro (Melhor Filme, Ator Coadjuvante – Bridges e Roteiro) e ao Bafta (Ator Coadjuvante – Bridges, Roteiro e Fotografia) -, o filme é programa obrigatório a fãs do gênero, mas também àqueles que apreciam bom cinema, independente da origem ou produção. Não perca!
(Hell or High Water, 2016, 102 minutos)
Direção
David Mackenzie
Elenco
Jeff Bridges
Chris Pine
Ben Foster
Gil Birmingham
Katy Mixon
Joe Berryman
Em 1933, Rouben Mamoulian dirigiu a lendária Greta Garbo naquele que seria um de seus maiores sucessos em sua fase hollywoodiana, “Rainha Christina”. O filme contava a vida – com fundamentos históricos – de uma das mais populares monarcas suecas que, nos anos de 1600, abriu o austero país para um novo mundo de desenvolvimento, mesmo pagando um caro preço por isso.
De lá para cá, muita coisa pode ser mostrada em filmes, que não eram tão assimiláveis para as plateias dos anos 1930. Como, por exemplo, o apelo homoerótico que a história da grande soberana carregava em si, apenas tenuemente sugerido no filme de 1933, mas que é mola mestra nesta nova versão da mesmo história, “A Jovem Rainha” (2015), de Mika Kaurismäki.
Coroada aos seis anos de idade, Christina (Malin Buska) – que havia sido criada pelo pai como um príncipe, em preparação para assumir o trono -, vai pouco a pouco dando pistas de sua tenacidade e inteligência, mesmo sob o tutorado do Chanceler Axel Oxenstierna (Michael Nyqvist, de “Invasão de Privacidade”, 2016). Mesmo subjugada por uma sociedade conservadora e puritana – a Suécia observava a doutrina Luterana -, Christina, em seu anseio por cultura e desenvolvimento, tenta abrir o país a ideias mais arejadas, interessando-se muito pelos escritos do filósofo, físico e matemático francês René Descartes (um dos mais influentes da história do pensamento ocidental), por exemplo.
Tentando acabar com a Guerra dos Trinta Anos – entre protestantes e católicos -, aproxima-se de Roma, tornando-se extremamente mal vista em sua própria corte. Isto, mais o fato de ser completamente refratária à ideia do casamento, principalmente como maneira de “cumprir com seu destino”, ou seja a procriação e eventual manutenção da linha sucessória ao trono, transformam Christina no alvo de inúmeras intrigas palacianas que a atingem, mas principalmente, atingem ao objeto de seu afeto, sua dama de companhia, a Condessa Ebba Sparre (Sarah Gadon), ou Belle, como Christina a chama. Neste meio tempo, o Chanceler Oxenstierna continua tentando influenciar Christina a se casar com seu filho, Johan (Lucas Bryant).
Numa bela reconstituição de época, contrapondo a espartana corte sueca à imagem que normalmente se tem das cortes europeias do período, principalmente a francesa e a espanhola (faustosas e exuberantes), e figurinos inspiradíssimos, o filme de Mika Kaurismäki (diretor de O Ciúme Mora ao Lado, 2009) apresenta um enredo político devidamente valorizado pelo estudo humano da personagem principal, suas paixões e posturas. O elenco internacional reforça ainda mais o enfoque globalizante da irrequieta Christina, que tinha por objetivo transformar a Suécia no mais moderno país europeu. A rigor, acabou conseguindo, mesmo tendo que abandonar sua tão amada pátria. Não perca.
(The Girl King, 2015, 106 minutos)
Direção
Mika Kaurismäki
Elenco
Malin Buska
Sarah Gadon
Michael Nyqvist
Lucas Bryant
François Arnaud
Patrick Bauchau
Os dois filmes acima
estão em cartaz no
Cinespaço Miramar Shopping
Carlos Cirne é Crítico de Cinema
e há 15 anos produz diariamente
com o crítico teatral Marcelo Pestana
a newsletter COLUNAS E NOTAS,
de onde os textos acima foram colhidos
SO LONG FAREWELL
AUF WIEDERSEHEN
GOODBYE
VERÃO!
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