Thursday, March 23, 2017

QUINTA, 19hs, TEM "A LOJA DA ESQUINA" NO CICLO ERNST LUBITSCH NO CINECLUBE PAGU (MUSEU DA IMAGEM E SOM DE SANTOS)

por Paulo Ricardo de Almeida
para Contracampo.com.br


Henry Van Cleve morre. Consciente da vida que levou, vai direto conversar com satanás por uma vaga no inferno. O diabo, extremamente gentil e cortês – típico da ironia elegante de Lubitsch – dispõe-se a ouvir a história do recém-chegado. E, surpresa, conclui que seu lugar não é embaixo, mas lá em cima. Como acontece sobretudo a partir de Ninotchka (1939), está em jogo, em O Diabo Disse Não – e também em A Loja da Esquina –, a completa transformação das expectativas do público quanto aos personagens que, se a princípio se mostram superficiais, arrogantes, mesquinhos ou mesmo odiosos, ao longo da narrativa se relevam, ao contrário, frágeis, sensíveis, esperançosos, românticos e apaixonados.



O sexo e o dinheiro são as marcas estruturais de uma sociedade burguesa frívola e afetada, que olha apenas para o próprio umbigo e que Ernst Lubitsch disseca nas famosas operetas com que se lança no cinema norte-americano. Em clássicos como A Viúva Alegre, Monte Carlo, Uma Hora Contigo, Sócios no Amor e Ladrões de Alcova, embora o amor exista, ele se encontra enredado na teia de corrupção e de mesquinhez que rege e aprisiona os personagens. A partir de Ninotchka, contudo, o sentimental se une à ironia cortante e o amor, anteriormente parte integrante, torna-se força capaz de romper com a hipocrisia e com a falsidade que dominam o meio social. "Garbo ri": a sisuda, austera e ríspida agente soviética que, pouco a pouco, cede aos encantos de Paris onde, à noite, metade dos parisienses está fazendo amor com a outra metade.



Em A Loja da Esquina e O Diabo Disse Não, Lubitsch transforma a percepção que o espectador possui dos personagens ao longo da narrativa. Provavelmente a maior de todas as comédias românticas – e a obra-prima suprema de Lubitsch –, A Loja da Esquina, em duas seqüências-chave, estabelece a empatia do público com o casal protagonista. Na primeira, Klara Novak tateia o escaninho vazio, nos correios, onde deveria estar a carta tão esperada e que não chegou, para depois observa-lo com os olhos mais tristes do mundo. Na segunda, o fenomenal encontro no restaurante, a calada, profunda e dolorosa indignação de Alfred Kralik ao ter sua capacidade intelectual – que lhe permite escrever as cartas, afinal – questionada pela mulher que ama e que o ama, embora ela ainda não o saiba. Dessa forma, começando pelo jogo de gato e rato, quando Klara e Alfred se revelam um ao outro (e a quem os vê) odiosos, irritantes, fúteis e vazios, o cineasta progressivamente os humaniza, ao mostrar quão solitários, infelizes, românticos e sonhadores eles se apresentam sob as máscaras que usam para se protegerem.



Em O Diabo Disse Não, é o próprio herói quem se considera indigno de entrar no céu, rumando direto ao inferno para pedir abrigo a satanás. A entrevista com o diabo – já que Henry Van Cleve não cometeu nenhum pecado hediondo – proporciona a Lubitsch a chance de desvendar o verdadeiro personagem, subvertendo a percepção original: cheio de falhas, sim; mas dono de um grande coração. Se Lubitsch constrói Henry, desde a infância, como homem mimado, folgado, aventureiro e mulherengo (as divertidas seqüências a respeito da utilidade de besouros e de governantas francesas) – em oposição ao primo Albert, sério, estudioso, honesto e orgulho da família –, é para minar a expectativa gerada no público ao longo do filme. Apesar de manter durante os setenta anos de existência as características de bon vivant e de Don Juan que facilmente o transformariam no vilão da história, Henry Van Cleve acaba salvo ao seqüestrar a noiva da agora advogado e ainda insuportável primo Albert: o amor intenso e sincero, a paixão avassaladora que sente pela esposa Martha redime o herói, no acerto de contas após a morte, de todos os pequenos desacertos mundanos realizados em vida.

Quando tudo mais falhar, diz Satã a Henry, restará Martha para interceder por ele lá em cima: o romantismo também faz parte da magia do toque de Lubitsch.



A LOJA DA ESQUINA
(The Shop Around The Corner, 1940, P&B, 97 minutos)

Direção
Ernst Lubitsch

Roteiro
Samson Raphaelson
Ben Hecht

Elenco
James Stewart
Margaret Sullavan
Frank Morgan
Joseph Shieldkraut



SO LONG FAREWELL
AUF WIEDERSEHEN
GOODBYE
VERÃO!

No comments:

Post a Comment