Sempre fugi de estreias. Nunca me incomodei ou me senti pressionado pelas rodas de conversa. Tenho a nítida impressão de que a aglomeração de pessoas diante da sala de cinema no primeiro dia sintetiza um sintoma patológico coletivo.
As salas soam como um laboratório improvisado do comportamento humano. As salas cheias reproduzem nossos excessos. Comida em baldes que poderiam lavar garagens, incapacidade de apreciação do silêncio, neurose de corpos que indicam a chance de diagnóstico de hiperatividade, entre outros sinais que reforçam nosso individualismo.
Ir ao cinema é o prazer da convivência com o outro. Do compartilhamento de emoções diante da mesma obra. Mas, nos últimos anos, descobri o prazer do anti-cinema.
O anti-cinema é ver um filme sozinho, numa sala completamente vazia. É como afrontar os donos de salas padronizadas, que definem a programação de olho nos cifrões. Estar sozinho na sala os obriga a atender o lobo solitário como um cliente vip, sem que o serviço exista de fato.
Só fui perceber anos depois, mas tive a primeira sensação de que a solidão cinematográfica era prazerosa na adolescência. Aconteceu numa sessão de O Último Imperador, às 13 horas, no extinto cine Alhambra, hoje um flat sofisticado, em Santos. Éramos três espectadores: eu, minha mãe e um amigo de colégio, convidado de última hora. Fiquei inundado pela sensação de que o cinema seria meu por três horas. Nós nos espalhamos como se a sala de casa e a tela da TV, de repente, inchassem.
Comprei a sala de cinema quando os cinemas estenderam suas sessões para o horário de almoço. Nada como assistir a um filme de Silvester Stallone ao meio-dia. Se comer antes, riscos à própria saúde. Se optar por uma refeição posterior, a fome virá como boa companhia diante do esforço físico alheio na tela branca.
Passei a frequentar os cinemas durante a semana, em horários de almoço. Vivi um exercício singular de egoísmo, com a vantagem de que não geraria incômodo para ninguém.
O cine solitário te oferece uma série de serviços. O combo inclui pernas esticadas na cadeira da frente, pés descalços sem riscos de impacto ambiental, prioridade absoluta na escolha do assento e, principalmente, o silêncio irrestrito antes, durante e depois da exibição do filme. Até porque desligo o celular assim que entro na sala. Sozinho ou não, penso que aparelhos eletrônicos não combinam com cinema.
Vou ao cinema sozinho por solidariedade. Vejo somente filmes que as pessoas que amo não assistiriam. Logo, o critério não envolve animações infantis, comédias românticas, terror e bons roteiros.
Sobram os filmes de ação, de má qualidade, claro. Neste sentido, Stallone é o melhor remédio para escapar do real, sem arrastar outras pessoas para a minha insanidade.
Não tenho repetido, nos últimos tempos, a experiência de isolamento nos cinemas. Ainda acredito que cinema deve ser visto em boa companhia. Mas sem estreias. Sem blockbusters. Sem horários-clichês. Assim, cultivo a saudade de não precisar de novas doses de anti-cinema para amenizar a insanidade audiovisual.
texto publicado originalmente no Boqnews
28 de Novembro de 2014
Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros)
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
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