Sunday, March 13, 2016

A FAXINEIRA

um conto de Márcio Calafiori


1.

“Como é que o senhor consegue deixar essas torradas tão crocantes?”

“Presta atenção, Rose. Eu uso esse pão de forma aqui. Integral, leve. Passo margarina nos dois lados, assim; agora ponho as fatias na frigideira antiaderente e vou virando aos poucos, até que fiquem douradas. Depois, tem um segredo. Você põe a água para o café e só então desliga o fogo da frigideira, mas não retira as fatias. Elas devem ficar descansando na frigideira até a hora de servir o café.”

“E se eu tirar as fatias antes, o que acontece?”

“Elas não ficam tão crocantes.”

“Ah, entendi... Não sei fazer café solúvel. Ou fica forte ou fraco.”

“É só medir a colher com cuidado. Vou fazer pra você. Assim... Prova.”

“Nossa, que café gostoso! E que pão crocante! Impecável.”

“Obrigado, Rose.”


2.

“Como o senhor gosta que eu passe as camisas?”

“Rose, passar camisas é uma arte. A maioria das faxineiras não sabe fazer isso.”

“Não é que não sabem. É que a maioria faz as coisas com pressa pra ir embora logo. Tem lugar que a gente chega e é uma montanha de roupa pra passar que não acaba mais. Quando a gente vai começar a limpar a casa, já são mais de duas horas da tarde. Vou dizer pro senhor: eu prefiro fazer limpeza em casa de homem. As mulheres acham que faxineira é escrava. Limpei a casa de uma que na hora de me pagar ela quis descontar até o almoço.”

“O quê?!”

“É.”

“E o que você falou pra essa cachorra?”

“Eu disse: ‘Pode descontar. Não volto mais’.”


3.

“Vem ver as camisas?”

“O quê?!”

“Tá vendo?”

“Caramba!”

“Só usei nas camisas um pouco de amaciante com água. Da próxima vez o senhor compra o Passe Bem.”

“Rose, dá vontade de vestir as camisas agora!”

“Não, não pendura desse jeito. Dá um espaço entre as camisas no guarda-roupa. Vou te ensinar. Assim...”


4.

“Na próxima faxina eu quero usar no banheiro saponáceo com cloro.”

“Não serve sabão em pó?”

“Não, sabão em pó escorrega; saponáceo com cloro limpa bem e não escorrega; pra pia quero saponáceo líquido; compra também uma vassoura nova; e álcool perfumado de qualquer sabor; e desinfetante sabor lavanda ou talco. E compra mais cândida. Hoje, vou fazer uma gambiarra só com o sabão em pó e a cândida. Ah, e compra também uma escova de dente.”

“Por que você não escova os dentes antes de sair de casa, Rose?”

“Não é pra escovar os dentes. Vou usar a escova no canto dos azulejos. Tá vendo aqui? Tá preto de mofo. Só escova de dente penetra aí.”

“Pensei que você estivesse querendo ficar com os dentes bonitos às minhas custas.”

“Enquanto deixo o banheiro de molho, vou limpar o quarto. Tem removedor?”

“Removedor? Não.”

“Então hoje vou usar no quarto só Veja e álcool sem sabor, mas essa forração aqui precisa é de removedor, além do que o removedor deixa um cheirinho de limpeza. Eu não esfrego a forração, passo só por cima, de leve, e a poeira vai sendo atraída para o pano. É uma técnica. Preciso também de lustra móvel. Mas compra aerosol. Sabor lavanda.”

“A madame precisa de algo mais?”


5.

“Vem ver o quarto.”

“É um outro quarto!”

“Pode passar o dedo.”

“Passar o dedo?”

“É, pra ver se não ficou nenhuma poeira. Não espera pra fazer isso quando eu for embora.”

“Rose, você limpou até mesmo as pás do ventilador?”

“Por que a surpresa?”

“Porque a minha última faxineira dizia que tudo tinha o dia certo pra ser limpo. Só que o dia do ventilador não chegava nunca.”


6.

“Quem ensinou o senhor a cozinhar?”

“A vida.”

“Fala sério.”

“Aprendi observando a minha mãe, e ajudando também. Se ela fazia um bolo, eu batia as claras, e eu batia as claras com o garfo, pois a minha mãe só veio ter uma batedeira Walita muito anos depois; enquanto ela preparava a carne, eu cortava a cebola... Foi assim que fui aprendendo.”

“O seu macarrão com linguiça de porco ficou impecável. Esse foi o melhor macarrão que já comi.”

“Obrigado, Rose.”


 7.

“Ah... anota na lista de compras alguma coisa pra tirar a gordura da cozinha. Existe um produto... Esqueci o nome.”

“Pelo jeito, você é uma consumidora moderna e exigente, Rose. A faxina na minha casa é uma boa oportunidade pra você se esbaldar. É isso?”

“Preciso de mais detergente também. Pode ser de qualquer marca e sabor, pois não sou alérgica a detergente. Ah... o senhor vai dormir um pouco agora? Posso ligar a tevê?”

“Não, não pode ligar a tevê! Sabe por que, Rose? Porque você tá aqui pra fazer faxina, não pra ver tevê.”

“Não é pra ver não! É só pra escutar.”


8.

“E então, gostou da faxina?”

“A sala ficou como nova!”

“E olha que eu não tinha todos os produtos de limpeza à disposição. Sinto muito a falta do álcool perfumado e do removedor.”

“Você deixou tudo exatamente no mesmo lugar, não preciso ficar procurando as coisas depois que você for embora!”

“Essa é uma das minhas especialidades: deixo tudo onde achei.”

“Incrível.”

“Que bom que o senhor gostou.”

“Tá aqui a tua grana, Rose.”

“Obrigada.”

“Ah... devolve dez reais, por favor.”

“Por quê?”

“Pensou que ia almoçar de graça?”





Márcio Calafiori é jornalista. 
Nasceu em 1957 e se formou 
pela Facos em 1986. 
Exerceu quase todos os cargos 
em redações de jornais em Santos, 
Santo André, Campinas e São Paulo. 
Foi redator, repórter, revisor, editor, 
secretário de redação, 
chefe de reportagem e ombudsman. 
Aposentou-se em 2012 
como professor da Unisanta, 
depois de 29 anos 
de dedicação exclusiva 
ao Jornalismo Impresso.
Márcio faz participações
especiais eventuais
em LEVA UM CASAQUINHO.







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