Tuesday, March 8, 2016

SAÍ DO FACEBOOK

um desabafo de Flavio Colker


Veja bem: eu adorava abrir o facebook. Era uma alegria, uma festa. Nunca me incomodei em ficar horas contando piadas, criando confusão, flertando, brincando com os amigos ou expressando minha indignação. Nunca perdí tempo. Sempre foi um ganho. Eu até brincava dizendo que me candidataria a vereador como “Flavio.. do Facebook”.

E eu saí da rede. Ou melhor: fui saído.. bloqueado, a conta eliminada. A razão? Nunca me foi comunicada e justificada mas eu tenho quase certeza ser devida a uma carta, inbox, com a foto de um menino nu. Uma obra de arte catalogada em museus, de Edward Weston, foto do seu filho. Minha amiga tambem foi bloqueada ao enviar inbox a mesma foto. A conta dela voltou e a minha não. Vigiam as cartas. Não deveriam ser privadas? Eu posso voltar ao Facebook. Basta entrar com outro email e assinar meu nome de maneira ligeiramente diferente. Só que eu não vou expor de novo os meus textos, contatos e cartas para serem confiscados do nada. Sem ter com quem reclamar porque assinei um contrato com uma empresa aonde eles decidem o que é ou não é conteúdo impróprio, podendo mudar a qualquer momento os parâmetros. Eu havia publicado abertamente a foto do Weston, o menino nu, alguns meses antes.

Qual o serviço prestado pelo Facebook? Esse serviço é prestado sob qual legislação brasileira de proteção ao consumidor? A quem eu reclamo? Cadê meus diretos? Pois é.. Fui bloqueado na véspera do aniversário de três anos do meu filho e a festa tinha sido organizada através do Facebook. Não darei mais esse poder a qualquer rede social. Não serei bloqueado e minha vida social confiscada por uma empresa que age como um Estado a margem da lei. Uma tirania arrogante que se apresenta como promotora dos direitos humanos. Estado policial que apenas Kafka poderia imaginar, onde os cidadãos entram alegres por livre e espontânea vontade para serem explorados como mão de obra, produzindo o conteúdo que alimenta a rede. Não consigo pensar em nada mais semelhante a um Estado totalitário futurista. Democracia aonde se lincha sem argumento, prova, defesa e julgamento. Democracia da turba que se repete indefinidamente. O Facebook é tão democrático como uma prisão de segurança máxima.

“Mas eu entro para me divertir”… para relaxar do trabalho. e brincar um pouco”.. E encontrar todo mundo se degladiando. Ex-presidente se dirigindo aos militantes no facebook. Militantes insultando coxinhas. Atrizes negras sendo atacadas. Atrizes negras se promovendo ao serem atacadas. Militantes acusando racismo que nas ruas e casas ninguem presencia. Nus inocentes sendo proibidos. Amigos rompendo amizades por causa de propaganda política enquanto o ex-presidente que roubou descaradamente seus eleitores faz declarações na rede. O Facebook é acolhedor e divertido como um arrastão.

“Mas eu entro para trabalhar”… trabalhar para a rede, produzindo conteúdo. A rede ganha trilhões. Resisti a protestar e mesmo escrever a respeito da minha expulsão. Precisava entender se seria capaz de viver sem o Facebook. Queria amadurecer minha posição. E amadureci: o mundo ficará melhor quando todos saírem das redes sociais. Para que possamos de novo guardar o que estamos pensando. Para que o mistério sobre a vida privada seja revelado apenas a quem conquistou nossa confiança.Que fiquem apenas os militantes.

O facebook foi um aprendizado, um laboratório para aprender a sensibilizar o outro com a escrita… agora é hora de voltar para a solidão onde não vigiam nossa correspondência e não somos perturbados por turbas de linchamento politicamente corretas.


ADENDO: O texto deveria ter tocado no principal. A rede funciona através de um algoritmo. Um numero inserido no computador que determina como voce esbarra nas pessoas, como os conhecidos e desconhecidos são dirigidos a sua página. O numero racionaliza tambem as reclamações a seu respeito, o boicote a sua pagina. A página do movimento Vem pra Rua foi suspensa as vésperas de uma manifestação que organizaram para atacar o governo. Os governistas em peso, exercendo seu papel de militantes virtuais, denunciaram conteúdo impróprio. O algoritmo computou as denúncias e fechou a página. Facebook é a democracia ideal para o dedo duro. A rede dá poder a massa sem garantias para o individuo. A democracia deve ser voltada a liberdade do individuo e garantir sua excentricidade! A graça do ser humano é ser diferente. É ser do contra.

Pretender que a simpatia, amizade e amor entre seres humanos seja dirigida através de um algoritmo é uma estupidez tecnológica.

Saiam dessa porcaria. A rede é escravidão.



Flávio Colker
é um dos maiores
fotógrafos brasileiros.
Conheça suas ideias
e seu trabalho
em seu blog



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