Sunday, March 6, 2016

BOFETADA DO PASSADO: LULA LÁ É O FIM (texto clássico de Paulo Francis para a Folha)

por Paulo Francis
para o Diário da Corte


Digam o que disserem as pesquisas de opinião, essa desculpa que a imprensa arranjou para se omitir da sua responsabilidade de analisar e de opinar, Collor deu uma lavagem em Lula no debate de anteontem.

Lula deveria perguntar a um psicanalista o que significa uma pessoa, quando acuada, ficar esfregando uma mão na outra. A resposta não seria lisonjeira.

Lula marcou alguns pontos. Collor é dono de Alagoas. But... who cares? Quem se interessa? Quase vomito quando Collor fala que é “temente de Deus”, ou do hino nacional. O virundu, eu, hem?

Mas no que consta foi um nocaute. Collor diz a besteira que remetemos 5% do nosso produto nacional bruto todo ano aos banqueiros. É 1,5% ao ano. A informação está disponível no Itamaraty. Delfim explicou zombeteiramente, seu hábito, como as coisas funcionam, no seu artigo na Folha de quarta-feira. Mas errou dizendo que o saldo comercial e os juros da dívida geram um déficit de 2% do PIB. É apenas 1,5%, diferença importante quando se trata de bilhões de dólares. E nota Delfim que esse déficit deveria ser coberto pelo governo com um superávit igual, cobrado de preços e tarifas dos setores beneficiados com a dívida, que a amortizassem. Mas nem dona Zélia nem seu Mercadante sabem disso. Caímos na jecaria e no amadorismo.

Collor, ao menos, sabe que a causa principal da inflação é a diferença entre receita e gastos do governo, que tem de emitir para pagar sua estroinice em favor dos compadres do Executivo, Legislativo e Judiciário. É Brasília contra o resto do país. Não é à toa que Lula ganha fácil em Brasília e no Rio, cidades parasitárias de burocracia federal, porque acha espantosamente – se cabe a palavra em relação ao seu bestunto – que o governo está bom do tamanho que está.

Li no excelente artigo de Newton Rodrigues, também na quarta-feira, demonstrando que Collor e Lula são minoritários, que Weffort, um dos crânios de Lula, disse que no Brasil há uma tal estatização que se a democracia avançar teremos uma sociedade socialista. É um asno ou um néscio? Povo nenhum quer ou jamais votará socialista. Votou uma pluralidade comunista na Tchecoslováquia, em 1948, e no Chile, com Allende. Mas no primeiro caso a KGB interveio para comunizar, dando um golpe, em que “suicidou” Jan Masaryk, o ministro do Exterior e filho do fundador do Estado, Thomas Masaryk. Hoje, o povo está nas ruas. Conheço pessoalmente o líder, Václav Havel, que não fugiu para Paris, como seu (ex?) amigo Milan Kundera, porque, me disse, dedicou sua vida a livrar seu país da praga do socialismo (sic), que embota a alma humana e não funciona economicamente. E, no Chile, sabemos o que aconteceu com Allende. A maioria da sociedade se revoltou contra ele. A maioria. Pinochet matou gente pra diabo, talvez cerca de 30 mil pessoas. Mas hoje o Chile é rico, ostensivamente, sua economia cresce 5% ao ano e sua inflação é de 16% ao ano! Clóvis Rossi diz que o Chile está assolado (sic) pelo neoconservadorismo. O fato é que a esquerda que se elegeu sabe que socialismo não dá certo. Até a próxima geração doidivanas que não tenha memória...

Como nós não temos. Quando Allende caiu, o PC italiano, o mais inteligente da Europa, se reuniu e decidiu não tomar o poder pelo voto. Não tomar, exatamente. Porque sabia que no máximo conseguiria uma chama de socialismo. E decidiu fazer o que chamou de “compromisso histórico”, uma aliança com a Democracia Cristã. Em nenhum órgão de imprensa brasileira encontro uma analogia entre a situação italiana e a nossa. Mogadon Suplicy me critica porque chamei Lula de “perigosíssimo”. Claro. Ele vai governar como líder sindical, o mesmo líder sindical, e nada mais, que se revelou no debate a cada soco certeiro de Collor. É afinal o que ele é. Lula vai mexer com o Partido Verde. Não é aquele dos veados. É o que tem dragonas e estrelas no ombro. Estou muito velho para aguentar outra ditadura, porque intelectuais desocupados, como notam Roberto Campos e George Orwell em “Inside the Whale”, pessoas razoavelmente instruídas, não se sentem recompensados pela sociedade brasileira, cuja pobreza cultural é igual à material, e querem um emprego rico pago pelo Estado. Ou porque intelectuais ricos querem um substituto para a fé religiosa que perderam e se prostram diante do totalitarismo como a Baal. Eu poderia dar nomes, mas estou cansado de fazer inimigos.

Lula e Mogadon acham que no Leste da Europa estão querendo socialismo com face humana, como o de Dubcek, em 1968. Estive lá, na Polônia e Hungria. Como Lula ousa dizer que o Solidariedade quer socialismo? Quer investimentos estrangeiros e o capitalismo democrático, de consumo, e não essa tamanqueira estatal, que sempre acaba falida, como a nossa já está. Weffort, francamente. Joelmir Beting citou os números: 97% do arrecadado é para pagar ao funcionalismo. Vai estourar com qualquer presidente.

Como Lula ousa dizer que é a dívida que traz miséria ao povo? O Brasil não está pagando juros, como não pagou sob a moratória, e a miséria aumentou. Lula está repetindo o que algum comuna irregenerado lhe enfiou na cabeça, que os EUA, o “imperialismo”, são o inimigo número um e que é preciso destruí-los economicamente, tese de Stálin, dos anos 1950, que Kruschev já começou a abandonar no início dos anos 1960, e que Gorbachev, claro, renegou por completo. Gorbachev quer entrar para o FMI e Lula quer sair. Collor disse certo que Lula não sabe a diferença entre uma fatura e uma duplicata.

O CANDIDATO DOS RICOS

As pesquisas mostram claramente que Collor atinge as classes C, D e E, a pobreza, e Lula, em 45%, as classes A e B. Bem, nos velhos totalitários é banzo religioso, nos jovens a culpa é de papai e mamãe, Freud explica, e, em geral, é a autoflagelação da classe média.

Mas Lula é um pelego estatal. Ganha mais do que eu, que abrilhanto com o suor do meu rosto publicações e televisão. Pelo menos no câmbio oficial. Ele vai ganhar 200 mil cruzados, disse Collor, e não foi contestado. E há, claro, mil mordomias. Não corre o risco de perder o emprego, como nós, da iniciativa privada. É o sonho de todo medíocre, disfarçado em nacionalismo, que é mania de grandeza e complexo de inferioridade, misturados.

SUGESTÕES CONSTRUTIVAS

Que ninguém reclame que não ajudei o novo governo, se for de Lula, como dizem. Ele propõe, por exemplo, estreitar relações com a África negra e cortar relações com a África do Sul. Esta tem muito dinheiro e paga suas contas. É a segunda produtora de ouro do mundo. Maltrata os seus negros, que, falando nisso, cantam e dançam quando protestam, ao contrário dos que vêm à Folha pedir minha cabeça.

Apesar disso, há 1 milhão de negros na África Negra trabalhando ilegalmente na África do Sul, porque ganham mais do que nos seus respectivos países. A África Negra, rica de recursos, está falida, roubada por tiranos pseudopopulistas. Bokassa e Amin são a regra e não a exceção.

Sabe-se, não pela ONU, que é cúmplice, que esses países estão em grande parte revertendo ao canibalismo. Sabe-se porque está nos relatórios confidenciais da comissão conjunta de informações da Câmara e do Senado dos EUA.

Logo, Lula nada tem a comprar ou vender à África Negra. Em Angola, falta sabão desde 1988... Sugestão: que Lula exporte burgueses gorduchinhos e que sejam contra sua república sindicalista. Variariam o menu dos negros. É possível imaginar: “coxas à carioca”, “peito de paulista” ou “espeto de nordestino”. Este último ficaria a cargo do presidente do PT no Paraná.

Lula, presidente, vai criar o seu “DIP”, o tal de “Controle Social das Comunicações de Massa”. Censura. Tenho um candidato para dirigir esse órgão. Dou um videoteipe do debate para quem adivinhar quem é.

Lula vai governar com um Politburo à margem do Ministério e do Legislativo. Imagino que Frei Boff faça parte. Li, finalmente, parte de um artigo dele no Jornal do Brasil. É um comunista amador. Como disse Lênin de Bukharin, não manja picas da dialética. Mas descobri que João Paulo II é um liberal. Fosse eu papa, já teria excomungado esse cara na primeira.

Villas-Bôas Corrêa lavou minha alma no debate. Disse o que qualquer jornalista decente sente em se prestando a levantar a bola dessa dupla. Jecaria e amadorismo. É nossa sina.


(Paulo Francis, 16 de Dezembro de 1989)


Paulo Francis
nasceu em Botafogo, no Rio,
no dia 2 de Setembro de 1930.
Começou sua carreira jornalística
como crítico de teatro no saudoso
Diário Carioca em 1957,
e tornou-se um dos articulistas
mais cultos do Brasil e também
um polemista implacável.
Nos Anos 60, editou a SENHOR,
trabalhou para a Última Hora
e para o Correio da Manhã.
Já nos Anos 70, em plena Censura,
escreveu para o PASQUIM
e para a FOLHA DE S.PAULO,
e publicou dois romances ambiciosos:
"Cabeça de Papel" e "Cabeça de Negro"
Nos 80, mudou da Folha para o Estadão,
estreou na TV no Jornal da Globo.
Nos 90, embarcou com Lucas Mendes
na aventura do Manhattan Connection.
Morreu de um enfarto fulminante
em 2 de Fevereiro de 1997
em seu apartamento em Nova York,
no auge da carreira aos 66 anos de idade.


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