Sempre que eu entro numa livraria, eu procuro deixar que a livraria me surpreenda. Gosto de medir livrarias pelo que elas escondem, e não pelo que ela mostram, pois é onde elas realmente se revelam. Depois de passar pelos displays que apresentam as novidades que acabam de chegar na loja -- e de não me interessar por nenhuma delas --, sigo passeando pelas estantes em busca de algo meio esquecido em algum canto que brilhe intensamente, de forma irresistível.
"Afogando Ruth", de Christina Schwarz (Editora Record), é um desses casos. Primeiro pelo título delicioso. Segundo, pelo fato de ser uma autora estreante, algo que eu adoro -- falei disso aqui semana passada. E terceiro porque consegue ser muito melhor do que aparenta. É um retrato assustador dos laços que unem duas irmãs e das forças que as separam, dos perigos dos segredos e das repercussões explosivas quando estes se revelam.
No inverno de 1919, a enfermeira Amanda Starkey passa seus dias cuidando dos soldados feridos na Primeira Guerra Mundial. Depois de uma crise nervosa ela deixa Milwaukee e se refugia na fazenda da família, buscando conforto com sua irmã mais nova, Mathilda, e a sobrinha de três anos, Ruth. Logo percebe que o seu antigo lar está longe de ser um refúgio, e que levara seus problemas consigo.
Quase um ano depois, numa noite terrível, sua irmã desaparece misteriosamente, sendo encontrada mais tarde afogada sob o gelo que cobre o lago da propriedade. Quando o marido de Mathilda volta da guerra, ferido e perturbado, encontra Amanda incumbida de Ruth e da fazenda, assumindo toda a responsabilidade com uma intensidade assustadora. De modo enviesado e cauteloso Amanda conta a história da sua família em doses homeopáticas, preocupada em ocultar de si mesma e do leitor os segredos do seu passado e daquele noite.
A pequena Ruth, aterrada pela própria memória, cresce sob o vigilante cuidado da tia magoada e possessiva, tomando gradualmente consciência dos estranhos acontecimentos da sua infância. Ao contar sua história com uma clareza cada vez maior, Ruth descobre pouco a pouco o pesado tributo cobrado de sua família em consequência dos segredos da tia.
Guiando-nos através das vidas das mulheres da família Starkey, a autora Christina Schwarz consegue fugir com muita galhardia das fórmulas e dos clichês que normalmente norteiam romances de época como este. Formada em Literatura Inglesa por Yale, e profunda conhecedora da literatura produzida por mulheres no último século, ela envereda por saídas inusitadas e, se por um lado, não chega ao extremo de reinventar essa modalidade de romance, consegue ao menos fazer de "Afogando Ruth" um thriller psicológico bastante cativante, imprimindo nele um toque de Henry James em "O Outro Lado do Parafuso"-- o que, convenhamos, não é pouca coisa.
Estranhamente, os romances seguintes de Christina Schwarz seguem trilhas diametralmente opostas à deste aqui, o que revela muito a respeito das ambições aventurescas de sua autora.
"All Is Vanity", pelo que li a respeito, é uma sátira urbana sobre mulheres na faixa dos trinta anos tentando se reinventar profissionalmente e sexualmente num mundo que não é mais predominantemente masculino.
Já "So Long At The Fair" é sobre a saga tragicômica de dois casais de Wisconsin e seus filhos, começando em 1963 e vindo até hoje, passando pela contracultura e pelos flertes yuppies até os dias de hoje, mais assentados.
Christina Schwartz nunca repetiu o estrondoso sucesso inicial de "Enterrando Ruth", que deu a sorte de ser abençoado em seu lançamento pelo pouco respeitável, mas muito influente em termos comerciais Oprah Book Club.
Se bem que eu não me espantaria se o público habitual do Oprah Book Club tiver comprado o livro e não conseguido lê-lo. "Afogando Ruth" não é um livro difícil. E pode ser extremamente indigesto para não está acostumado com personagens densos e inusitados como Amanda, Mathilda e a pequena Ruth.
Eu gostei do que li. Foi uma grata surpresa. Recomendo, principalmente para o público feminino, que vai encontrar em Christina Schwartz uma excelente interlocutora -- ao menos, é o que eu imagino.
'Afogando Ruth" é facílimo de encontrar na Estante Virtual, onde existem exemplares usados disponíveis a partir de 4 reais -- uma excelente opção de diversão inteligente para tempos de crise como esses em que vivemos.
AFOGANDO RUTH
No inverno de 1919, a enfermeira Amanda Starkey passa seus dias cuidando dos soldados feridos na Primeira Guerra Mundial. Depois de uma crise nervosa ela deixa Milwaukee e se refugia na fazenda da família, buscando conforto com sua irmã mais nova, Mathilda, e a sobrinha de três anos, Ruth. Logo percebe que o seu antigo lar está longe de ser um refúgio, e que levara seus problemas consigo.
Quase um ano depois, numa noite terrível, sua irmã desaparece misteriosamente, sendo encontrada mais tarde afogada sob o gelo que cobre o lago da propriedade. Quando o marido de Mathilda volta da guerra, ferido e perturbado, encontra Amanda incumbida de Ruth e da fazenda, assumindo toda a responsabilidade com uma intensidade assustadora. De modo enviesado e cauteloso Amanda conta a história da sua família em doses homeopáticas, preocupada em ocultar de si mesma e do leitor os segredos do seu passado e daquele noite.
A pequena Ruth, aterrada pela própria memória, cresce sob o vigilante cuidado da tia magoada e possessiva, tomando gradualmente consciência dos estranhos acontecimentos da sua infância. Ao contar sua história com uma clareza cada vez maior, Ruth descobre pouco a pouco o pesado tributo cobrado de sua família em consequência dos segredos da tia.
Guiando-nos através das vidas das mulheres da família Starkey, a autora Christina Schwarz consegue fugir com muita galhardia das fórmulas e dos clichês que normalmente norteiam romances de época como este. Formada em Literatura Inglesa por Yale, e profunda conhecedora da literatura produzida por mulheres no último século, ela envereda por saídas inusitadas e, se por um lado, não chega ao extremo de reinventar essa modalidade de romance, consegue ao menos fazer de "Afogando Ruth" um thriller psicológico bastante cativante, imprimindo nele um toque de Henry James em "O Outro Lado do Parafuso"-- o que, convenhamos, não é pouca coisa.
Estranhamente, os romances seguintes de Christina Schwarz seguem trilhas diametralmente opostas à deste aqui, o que revela muito a respeito das ambições aventurescas de sua autora.
"All Is Vanity", pelo que li a respeito, é uma sátira urbana sobre mulheres na faixa dos trinta anos tentando se reinventar profissionalmente e sexualmente num mundo que não é mais predominantemente masculino.
Já "So Long At The Fair" é sobre a saga tragicômica de dois casais de Wisconsin e seus filhos, começando em 1963 e vindo até hoje, passando pela contracultura e pelos flertes yuppies até os dias de hoje, mais assentados.
Christina Schwartz nunca repetiu o estrondoso sucesso inicial de "Enterrando Ruth", que deu a sorte de ser abençoado em seu lançamento pelo pouco respeitável, mas muito influente em termos comerciais Oprah Book Club.
Se bem que eu não me espantaria se o público habitual do Oprah Book Club tiver comprado o livro e não conseguido lê-lo. "Afogando Ruth" não é um livro difícil. E pode ser extremamente indigesto para não está acostumado com personagens densos e inusitados como Amanda, Mathilda e a pequena Ruth.
Eu gostei do que li. Foi uma grata surpresa. Recomendo, principalmente para o público feminino, que vai encontrar em Christina Schwartz uma excelente interlocutora -- ao menos, é o que eu imagino.
'Afogando Ruth" é facílimo de encontrar na Estante Virtual, onde existem exemplares usados disponíveis a partir de 4 reais -- uma excelente opção de diversão inteligente para tempos de crise como esses em que vivemos.
um romance de
Christina Schawarz
tradução de
Jaime Maldonado
Editora
Globo
344 páginas
45,00 reais
Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
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