Tuesday, March 15, 2016

CANTO DE PÁGINA SAÚDA JOYCE CAROL OATES NOS ÓTIMOS CONTOS DE "A FÊMEA DA ESPÉCIE"


por Chico Marques


Houve uma época em que eu me aventurei a acompanhar a carreira de Joyce Carol Oates.

Foi por volta do final dos Anos 70, quando li e adorei "Casamentos e Infidelidades", uma vigorosa coletânea de contos bem femininos que a Civilização Brasileira lançou em dois volumes, quebrando o ineditismo da autora por aqui.

Na época, a Livraria da Universidade de Brasília, onde eu estudava, vivia repleta de paperbacks em Inglês a preços bem camaradas, e eu lembro de ter comprado numa tacada só todos os de Joyce Carol Oates que eu vi por lá -- quatorze romances no total, que resistem na minha estante até hoje.

Confesso que não sei dizer quantos deles eu terminei.

É que. apesar de aventurescos em termos literários, os romances de Joyce Carol Oates tem um problema sério: pecam pelo excesso, e acabam cansando lá pelas tantas.

Difícil reconhecer neles a mão precisa da contista exemplar que escreve com requintes de crueldade nunca antes vistos em nenhuma outra escritora americana.



Joyce Carol Oates dá aulas de Creative Writing na Princeton University há muitos anos, e não cansa de aplicar essas técnicas em seus contos, romances, peças de teatro e poemas.

Considera "The Bell Jar", de Sylvia Plath, o romance feminino americano por excelência, e assume que perseguiu incansavelmente este padrão em boa parte de sua produção publicada nas décadas de 1960 e 1970, até cansar e sair em busca de novas possibilidades literárias.

Nenhum escritor que eu conheça consegue ser tão prolífico quanto ela. Escreve compulsivamente, e todo ano lança pelo menos dois livros novos. Publicou até o presente momento nada menos que 44 romances, 49 coletâneas de contos e novellas, 9 peças teatrais, 18 livros de ensaios e de memórias, 11 livros de poemas, 6 de literatura juvenil e 3 de literatura infantil -- sem contar os 8 romances policiais que escreveu sob o pseudônimo Rosamond Smith e os 3 romances de mistério que escreveu como Lauren Kelly.


Aos 77 anos de idade, Joyce Carol Oates continua ativa e extremamente produtiva, apostando numa literatura que seja relevante e esnobando solenemente a máxima que diz que "menos é mais".

Se tem algo de que ninguém pode acusá-la é de estar sempre reescrevendo o mesmo romance, pois ela nunca cansou de reinventar sua escrita, transitando pelas mais diversas tendências e formas literárias.

Seus livros não fazem mais o sucesso estrondoso de 30 anos atrás, mas continuam com uma ótima acolhida do público leitor feminino nos Estados Unidos e na Europa, com tiragens generosas que parecem ter finalmente chamando a atenção dos editores brasileiros, que até a virada do século passado haviam publicado apenas 4 de seus títulos por aqui.

E então, como num passe de mágica, vários livros de Joyce Carol Oates começaram a pipocar entre os lançamentos das Editoras Nova Fronteira, Globo, Alfaguara e Record.



De todos os que andaram aparecendo por aqui, gostaria de indicar a coletânea de contos de mistério "A Fêmea da Espécie", lançada na Coleção Negra da Editora Record em 2008.

Nesses textos curtos, ela mergulha de cabeça no universo sombrio e distorcido de nove personagens femininas muito diferentes entre si, manipulando vozes narrativas para causar sensações vertiginosas nos leitores -- um truque que ela domina com absoluta maestria.

A estranheza e surpresa causadas por alguns contos não se repetem em outros, como "Fantoches na avenida", com um desfecho catártico de tirar o fôlego.

"Que Deus Me ajude" mostra um turbilhão doméstico assustador disparado por trotes telefônicos.

"Diga Que Me Perdoa?" começa com a mãe velhinha escrevendo uma carta para a filha e mergulhando num flashback aterrador, do qual terá sérias dificuldades em retornar viva.

Sem contar "Fome", um conto em tom menor com uma palidez enganadora que pode passar batido para o leitor mais apressado, mas que vai tirar o fôlego de quem sempre gosta de se surpreender com a literatura de Joyce Carol Oates.

Encerro fazendo minhas as palavras sábias do amigo Alfredo Monte, que escreve sobre literatura para A Tribuna de Santos e para a Folha de S. Paulo:

"Ler Joyce Carol Oates pode ser uma experiência de excesso, mas é também uma injeção de adrenalina em meio à pasmaceira literária que reina quase absoluta: por mais que a overdose nos espreite, o risco vale a pena."


A FÊMEA DA ESPÉCIE
uma coleção de contos
de Joyce Carol Oates
tradução de
Paulo Reis
Editora
Record
256 páginas
a partir de 7 reais na Estante Virtual


Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO




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