Thursday, March 3, 2016

2 CRÍTICAS ALTAMENTE POSITIVAS PARA "MEU AMIGO HINDU", DO GRANDE HECTOR BABENCO


UM BALLET QUIMIOTERÁPICO ENTRE A VIDA E A MORTE 

por Alex Gonçalves
para Cine Resenhas

Talvez pela persona descortês em entrevistas e em aparições públicas, Hector Babenco não é um diretor relembrado com afetuosidade pelo público brasileiro. O que não pode ser dito sobre este argentino naturalizado no Brasil é alguma falta de competência sua como realizador. Enriqueceu a cinematografia de nosso país com ao menos dois clássicos, “Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia” e “Pixote, A Lei do Mais Fraco”, bem como fez uma obra que o lançou internacionalmente, “O Beijo da Mulher-Aranha”, para o qual foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor.

Mesmo com o levantamento de todas as suas virtudes, é um exagero Hector Babenco transformar o seu décimo longa-metragem em uma autobiografia não assumida. Em um documentário dirigido por Bárbara Paz, o diretor diz que somente alguns eventos de sua trajetória particular e profissional serviram de inspiração para este retorno aos longas após os oito anos de o afastam de “O Passado”. É uma afirmação difícil de levar a sério quando vemos Paz e Supla reencenando a final de “Casa dos Artistas”.

Com a escolha de Willem Dafoe para viver o protagonista, o diretor de cinema Diego Fairman, Babenco decidiu traduzir todo o roteiro para o inglês. Com exceção do “Ai, meu deus!” soltado pela empregada negra, todos os personagens que orbitam no universo de encantamento de Diego falam em inglês, ainda que sejam brasileiros dentro do Brasil. O ator americano confere aqui aquele que deve ser o papel mais físico de sua carreira, mas a empatia se dissipa diante de uma persona egocêntrica e misógina.

Mesmo com uma família grande, Diego sempre foi um sujeito que priorizou a carreira artística, o que bem ilustra o prólogo em que sai no meio do velório do próprio pai. Nem mesmo quando é diagnosticado com câncer terminal Diego amolece, chegando a dizer para a própria esposa Lívia (Maria Fernanda Cândido) que, caso tivesse a escolha, prefere que ela morra em seu lugar.

Existe um tom de autopiedade em “Meu Amigo Hindu”, que dramatiza em excesso essa luta de Diego/Hector pela vida, vilanizando os seus entes mais próximos para que tenhamos maior envolvimento com a sua dor. Seja ficção ou fato, o roteiro chega até a exibir o seu irmão Antonio (Guilherme Weber) exigindo um milhão de dólares para se submeter a um transplante de medula. Há também em “Meu Amigo Hindu” uma forte influência às mulheres de Federico Fellini, todas exuberantes, usadas e descartadas por Diego.

Temos momentos inegavelmente bons em “Meu Amigo Hindu”. Os melhores são aqueles que trazem Selton Mello como um mensageiro da morte, sempre acompanhado por uma mulher de idade em poses que se pretendem sensuais. É também bela a sequência final, com Bárbara Paz dançando “Singing In The Rain” em uma noite tempestuosa. No entanto, o sentimento de desejo pela vida está à espreita somente nesses poucos instantes e, por incrível que pareça, o “amigo hindu” (o terrível Rio Adlakha) é justamente o que há de mais avulso em um filme que pretende rever essa relação inusitada entre um adulto e uma criança, vivenciada pelo próprio Babenco em suas sessões de quimioterapia.



O FILME QUE A MORTE PERMITIU QUE HECTOR BABENCO REALIZASSE

por Mateus Guimarães Borges
para 365 Filmes

Hector Babenco é um nome imprescindível na cinematografia brasileira. Nascido na Argentina e naturalizado brasileiro, o diretor é responsável por obras como "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", "Pixote, a Lei do Mais Fraco", "O Beijo da Mulher Aranha", que lhe trouxe uma indicação ao Oscar e visibilidade mundial, e "Carandiru". "Meu Amigo Hindu" vem após um hiato de 8 anos - seu filme anterior, O Passado (2007), é uma coprodução Brasil/Argentina, com Gael Garcia e Paulo Autran, e assim como este último, abriu a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O longa, de forte caráter autobiográfico - logo no início há uma citação afirmando "o que você vai assistir é uma história que aconteceu comigo e conto da melhor maneira que sei” - tem Willem Dafoe como protagonista, alterego de Babenco. Um cineasta face a face com a morte, em processo de quimioterapia e que realiza um transplante de medula.

Na sessão exibida na Mostra de São Paulo, foi apresentado antes do filme um Making Off com direção de Bárbara Paz, esposa de Babenco. Uma escolha um tanto quanto equivocada. Não faz sentido para mim assistir a ele antes do longa, uma vez que, ainda, há diversos spoilers, além de depoimentos que tendem a condicionar o olhar do espectador para o que ele assistirá em seguida. No entanto, é elucidativo.

O convite ao Dafoe - que se disse privilegiado pela oportunidade - veio em um jantar após a apresentação do ator na peça "The Old Woman" na capital paulista. Depois de ler o roteiro, aceitou o projeto. Como de costume, se entregou ao papel, oferecendo o seu melhor dentro das limitações e exigências do personagem, até mesmo fisicamente, em função de seu estado debilitado.

O filme se mostra uma sucessão de recortes desconexos, que se guiam pela degeneração e conflitos do protagonista. Aliás, tudo gira em torno desta figura que se confirma a todo momento arrogante, egoísta e narcisista - negando, inclusive, a própria doença. Se por um lado a primeira metade do filme funciona muito bem na construção desta degeneração causada pela doença - evitando uma dramatização arrastada, vem incisiva, sem delongas -, por outro, tudo em seu entorno soa pouco ou nada convincente. E daÍ pra frente tudo tende a piorar.

Grande parte do elenco parece existir apenas para satisfazer as necessidades do roteiro, ou cairíamos em um extenso monólogo. Personagens como o de Reynaldo Gianecchini caem de paraquedas sem saber muito bem o que fazem ali. Ao menos, um diálogo traz essa bela homenagem: "já pensou que nunca mais teremos um filme do Fellini?". A citação surge desconectada, mas é uma das que mais perto chega do êxito em prestar uma ode ao cinema, um dos pilares de Meu Amigo Hindu, referenciando tanto clássicos como Top Hat e Cantando na Chuva, como os próprios filmes do cineasta.

Em entrevista a UOL, Babenco afima que "Hoje, depois de ser muito assediado pela ideia de fim, meu único pedido à morte era que ela me deixasse fazer mais um filme. E esse é o filme que a morte me deixou fazer". Como com uma chance de renascer, o cineasta tenta externar em Meu Amigo Hindu algumas de suas inquietações, transitando também pelo lúdico com confabulações, mas a constante arrogância do personagem impossibilita que os pedidos de desculpa convençam, mais parecendo espasmos culposos que logo passam. Não poderia também deixar de citar a forma desrespeitosa como as mulheres - todas do filmes - são objetificadas e existem em função daquele.

Citando seu pai, Babenco lembra que "não contar uma história é trai-la", e com isso retomo a mensagem inicial da obra, "conto da melhor maneira que sei", para dizer: você sabe e é capaz de mais, Babenco. Espero que esta péssima fase do cineasta passe, apesar dele não esboçar muito interesse em seguir adiante após seus próximo filme carioca.


MEU AMIGO HINDU
(2015, 124 minutos)

Direção e Roteiro
Hector Babenco

Elenco
Willem Dafoe
Selton Mello
Christine Fernandes
Reynaldo Giannechini
Ary Fontoura
Barbara Paz
Dalton Vigh
Dan Stubach
Maitê Proença
Maria Fernanda Cândido
Gerald Thomas


em cartaz no circuito comercial
da cidade de São Paulo


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