Tuesday, March 8, 2016

PARA OS ADOLESCENTES, SANGUE.

por Antonio Luiz Nilo


Não conheço pai que não faça de tudo para que o filho adolescente descubra os prazeres da leitura, mesmo que nele tal prazer também não exista. Como se fossem grandes consumidores de literatura, os pais modernos lamentam que seus “desinteressados filhos” nunca se aproximam da estante empoeirada do escritório onde repousa a quase completa coleção Sabrina, doada pela tia-avó acometida por uma catarata irreversível.

Mas há também os que até cultivam o hábito, apesar de minoria absoluta, e que de fato não conseguem repassá-lo aos filhos. Pois, para esses, eu tenho uma receita: ‘Sangue’. Isso mesmo. Essa garotada, como toda garotada nos últimos cinco mil anos, só se interessa por emoções que sejam realmente intensas. De preferência, sanguinolentas.

Para quem não concorda, vou dar apenas um exemplo: o universo dos videogames. Jogos de sucesso de verdade são aqueles em que o objetivo é derrubar aviões, conquistar territórios em batalhas cruéis ou atropelar velhinhos para ganhar pontos, como acontecia no viciante Armagedon do início da década de 90. No GTA, por exemplo, a curtição era roubar, matar e, acreditem, traficar drogas.

Já que não há como escapar dessa implacável realidade, a estratégia ideal talvez seja tentar canalizar essa energia aparentemente violenta para o bem. Mas como? Para responder, vou me valer de uma experiência pessoal extremamente bem-sucedida. Meus filhos, apesar de espertos até em excesso, não conseguiam de maneira alguma se aproximar dos livros. Até que, usando o meu espírito publicitário (que finalmente serviria para alguma coisa relevante), decidi buscar na literatura algo que pudesse atrair esse público-alvo previsível.


Comecei com O Cobrador, de Rubem Fonseca, com seus contos curtos, intensos, extremamente violentos... e bem escritos. Bingo! Os dois ‘enlouqueceram’ e imediatamente me pediram um novo livro. Foi a vez de Os Prisioneiros, da mesma lavra e do mesmo quilate de brutalidade. Cartela cheia!

Gradativamente fui aumentando o tamanho dos textos e variando o estilo. Para meu espanto e orgulho, sucesso absoluto. Hoje, leem até romances, com uma frequência, eu diria, razoável. E isso tudo graças, é claro, ao sangue.

Pode parecer exagero, e nem sei se de fato funciona com todos os adolescentes (em especial com as garotas), mas seguramente é uma maneira de aproximá-los dos livros. Mesmo que muitos não se interessem, vale a tentativa. Aliás, talvez sirva para estimular o prazer da leitura até mesmo naqueles pais que eu citei lá no início, que não têm o hábito de ler.

Esses pais, tão ou menos evoluídos do que os filhos que não leem, deveriam, na verdade, ter começado com O Pequeno Príncipe ou O Menino do Dedo Verde... mas, como faltaram nessa aula, e mantiveram o nível infanto-juvenil, talvez a selvageria de Rubem Fonseca ajude.




Antonio Luiz Nilo
nasceu em Santos
e é redator publicitário
e diretor de criação
há quase 30 anos,
com prêmios nacionais
e internacionais.
Circulou a trabalho
por todo o país,
com paradas prolongadas
em Brasília, Belo Horizonte e Salvador.
Publicou em 1986
"Poemas de Duas Gerações"
e, mais recentemente, o romance
"Ascensão e Queda de Pedro Pluma"
(à venda em alnilo@gmail.com).
Além disso, atuou como cronista
para o diário Correio da Bahia.
De volta a Santos desde 2013,
Antonio segue sua trajetória
cuidando de Projetos Especiais
na Fenômeno Propaganda
e como sócio-diretor
da Agência de Textos
TP Texto Profissional.



No comments:

Post a Comment