por José Luiz Tahan
Foi na Flip de 2005. Como de costume, acabei não programando a ida a Paraty. Aquela coisa vida de balcão, sem fim de semana, somada à cuca fresca, resultou numa viagem um tanto improvisada para mim e Ana Cristina, a moça que me atura. Mas quem tem amigos, tem tudo, já dizia a frase feita.
Algumas semanas antes, eu havia recebido em Santos o jornalista Zuenir Ventura e sua esposa, a Mary.
Quem leu algum dos livros do Zuenir pôde conhecer o seu saboroso estilo um jornalismo misturado à memória, que produziu o já clássico 1968 - O ano que não terminou, da editora Planeta. Mas quem, além de ler a obra, o conheceu de perto, se depara com um gentleman, uma figura rara, divertida e generosa.
E lá fomos eu e Ana para a histórica Paraty, sem nenhuma entrada para nenhuma mesa, mas cheio de amigos os escritores.
Depois de cumprimentar o “brimo” Milton Hatoum e também o vicentino Zé Miguel Wisnik, encontramos acidentalmente Zuenir e Mary. Foi aquela festa. Estávamos lá, como papagaios de pirata, assim como muita gente, sem ingressos, tomando um café e vendo o movimento de senhoras descoladas, com seus penteados cheios de laquê, echarpes e havaianas, num estilo hippie-cult-paratyense, quando mestre Zuenir nos tirou da pasmaceira. Deu um braço para mim e outro para a minha mulher e rumamos como Dona Flor e seus dois maridos para a entrada da tenda dos autores, o mais desejado local da Flip.
Furamos a fila e fomos para a entrada lateral, guardada por um segurança com cara de segurança. Vejam vocês. Zuenir exibe seu crachá como se fosse um crucifixo para o vampiro segurança. O dedicado homem perguntou a respeito das credenciais do jovem casal, e foi interrompido pelo jornalista “Meu filho e minha nora, eles vêm comigo!”.
Entramos abraçados, os três.
Uma vez lá dentro, avistamos Mary, que acenou gritando “Venham, venham!”.
Estava um pouco escuro, o que me tranquilizou. Fui tentando largar do meu segundo pai, estávamos ainda abraçados, eu queria puxar a Ana para o fundo do auditório, bem no canto, sabe Pois aí a Mary nos barrou e radicalmente e de maneira firme nos guiou à área vip, na segunda fileira. Ela falava “Nada de ir pro fundo. Vocês sentam aqui, ó”.
Claro que sentamos e, quando vi, estavam do meu lado o príncipe João e, logo ali, o editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz. Me afundei na cadeira, comovido pela adoção do casal. Estava maravilhado, mas constrangido de ser um penetra que se expôs ao lado de duas figuras de maior destaque do evento o príncipe recebe os convidados do festival em sua propriedade e o Luiz Schwarcz é um dos criadores da Flip. Glup!
À mesa estavam dois ótimos ensaistas Beatriz Sarlo e Roberto Schwarz, que conversavam sobre literatura, os caminhos da cultura e o seu deslocamento no campo das ideias. Falaram sobre Borges e Machado. Ela, argentina. Ele, brazuca.
O Luiz me viu e cumprimentou com alguma surpresa. E o príncipe, eu que o cumprimentei, quase como um tic nervoso.
Encontrei ainda o Luiz algumas vezes, almocei na pousada dos autores, sempre com meu pai e minha mãe, recém-adotados. Já com o príncipe não me encontrei. A recepção real fica para a próxima.
Fomos caminhando até o hotel onde estavam instalados – importante dizer que hospedagem eu tinha, não me alojei com os meus novos pais. Chegando ao destino, depois de uma boa caminhada, nos despedimos e, após um breve silêncio, Zuenir comentou com a Mary que poderíamos ir todos jantar naquela noite. No meio do convite, enquanto balançávamos as cabeças em sinal de sim, soubemos que iríamos antes passar na pousada do Paulinho, para aí sim irmos todos.
Comecei a entender que a mesa seria composta por Zuenir e esposa, eu e a Ana e Paulinho... da Viola! A Ana me cutucou e cochichou “Paulinho da Viola”. E eu respondi “Shhhhhh! Faz de conta que é natural!”
Saímos saltitando imagina ir jantar com essas figuras Nem em sonho.
Naquela noite fazia frio, o que fez o Paulinho da Viola sair da pousada Pardieiro esfregando as mãos de um modo frenético. Sentamos num restaurante francês e ele logo pediu um vinho – fiquei no meu domínio, cervejeiro que sou. Mas não teve jeito. Quando o vinho chegou, ele me estendeu seu copo e falou experimenta! Pensei rápido, aproximei o copo do nariz e me fiz de neo-enólogo rodopiando o cálice e sentindo o aroma. No mesmo instante passei para a minha mulher experimenta! Ela fez o mesmo – rápida também, a Ana. Fiquei acanhado em dar uma golada no copo do Paulinho.
O papo fluía muito bem, causos do samba com seus amigos, literatura e futebol. Paulinho é um grande contador de histórias, meticuloso e cadenciado, sempre pontuado e acelerado pela sua esposa, a Lila.
A noite avançava e o pequeno Merlin ficou cheio. Uma turma de senhoras bem distintas adentraram o recinto, e naquela meia-luz viram a nossa mesa. Parabenizaram efusivamente a apresentação da noite anterior de Paulinho de Viola na abertura da Flip, cumprimentaram todos e, ao me avistarem, disseram que eu também estava ótimo. Agradeci na hora. Lila me olhou e disparou “Você tocou ontem”. “Não, apenas aplaudi.”
Pronto, eu tinha sido confundido com o filho do Paulinho, o João Rabelo, grande violonista que rouba a cena sempre com um belo solo no meio do show.
Meu terceiro pai me olhou na hora, sacando rápido o engano, e disse pro seu agora filho que tudo mudaria daquela hora em diante, que achava que eu estava exagerando na bebida meu novo pai era bem severo, além de bom observador.
Rimos bastante e não explicamos nada para a senhora. Assim é mais engraçado.
De volta para a pousada, a brincadeira continuava. Recebi um breve sermão do meu terceiro pai. Aquelas coisas ele ficaria de olho em mim, eu tinha que me cuidar.
Então nos despedimos, pedi a benção pro Zuenir, pro Paulinho e, pro meu primeiro pai, só aqui em Santos, na volta daquela Flip inesquecível.
José Luiz Tahan é livreiro e editor,
e proprietário da Realejo Livros e Edições,
a livraria e publishing house
mais charmosa de Santos
e de todo o Litoral Paulista.
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