Quando a primeira edição da Rolling Stone Brasil fui lançada em Outubro de 2006, com Gisele Bundchen na capa e uma entrevista antológica concedida por Bob Dylan, muitos roqueiros brasileiros, que não suportavam o fato da Argentina ter sua edição da Rolling Stone desde meados dos Anos 90 e nós não, respiraram aliviados.
O caso é que, desde o fim da Revista BIZZ, nunca mais tivemos uma publicação musical de interesse geral com colaboradores gabaritados e um padrão de qualidade editorial que avalizasse sua leitura.
É sempre bom lembrar que, antes da BIZZ, tivemos a inesquecível Rock, A História e a Glória na segunda metade dos Anos 70 e, um pouco antes, entre 1972 e 1973, uma efêmera edição brasileira da Rolling Stone, que tinha colaboradores estelares como Luis Carlos Maciel, Ezequiel Neves, Tárik de Souza, Ana Maria Bahiana, Gabriel O'Meara e Okky de Souza. Infelizmente, era uma empreitada totalmente perdulária, quiçá suicida em termos comerciais.
A Rolling Stone funcionava numa casa antiga no bairro do Botafogo, quase não tinha anunciantes e era totalmente libertária. Lembro de uma matéria clássica da revista em que Maciel defendia os prós e os contras de usar LSD. Acreditem: era essa a levada editorial deles em pleno Governo Geisel. Se eram corajosos ou inconsequentes, pouco importa. Durou pouco, mas foram dois anos muito divertidos para todos os que tiveram o imenso prazer de fazer parte daquela aventura.
Fiu uma pena a Rolling Stone ter ficado 33 anos sem ter uma edição brasileira, e ter decidido aportar novamente por aqui somente depois da virada do Século, quando a Indústria Fonográfica, de tão pulverizada, praticamente deixou de existir. Se pudesse contar com um volume maior de anunciantes do meio musical, quem sabe a direção editorial da Rolling Stone Brasil tivesse sido mais fiel à da edição americana, que abre 80 por cento das páginas da revista para música e 20% para TV, cinema e política. Infelizmente, na Rolling Stone Brasil as prioridades se inverteram, e predominam as famigeradas matérias de comportamento, os indefectíveis editoriais de moda e as deploráveis colunas sociais da cena do entretenimento. Música que é bom, quase nada...
Para piorar, a Rolling Stone Brasil nem se dá ao trabalho de esconder sua linha editorial ufanista e pouco globalizada, esnobando solenemente tudo o que sai na edição argentina e na edição mexicana da revista, e replicando da edição americana apenas o que é publicado de mais óbvio. Tudo bem: essa postura "mané snob", nada cosmopolita, é a cara do Brasil. Nossa indústria cultural sempre levantou o nariz, encheu o peito e fechou os olhos para o que acontece nos países vizinhos. Artista argentino, por exemplo, só conhecemos Charlie Garcia, Fito Paez e os Fabulosos Cadillacs -- e isso graças ao lobby que Herbert Vianna e os Paralamas sempre fizeram dos talentos deles. A Imprensa Musical Brasileira caga solenemente para o que não conhece de uma maneira patética, já que a cena musical argentina, por exemplo, é bem mais rica do que a nossa. E agora?
Mas quando surgiu em Outubro de 2006, não era essa a proposta da Rolling Stone Brasil. Pelo contrário. No editorial do primeiro número da revista dava para notar a mesma petulância que sempre foi a marca registrada do editor da edição-mãe, Jann Wenner: "Não se engane, aqui ninguém tem crachá de otário: sabemos que a história da nossa Rolling Stone começou a ser escrita agora, e não há quase 40 anos (em 1967, quando a edição americana foi lançada). Nossa missão, nesse primeiro momento, é ser uma revista relevante - isso, claro, até o dia, não muito distante, garanto, em que passarmos a ser referência".
Eu confesso que fiquei esperançoso na ocasião. E confesso que gostei das primeiras 24 edições da revista. Mas daí para a frente, aquela empáfia editorial tão saudável deu lugar a um conformismo indisfarçável e a um paumolismo ridículo. Hoje, a Rolling Stone Brasil não passa de uma revista requentada, redigida por jornalistas recém-formados nada íntimos com a cena musical e que não escondem estar mais preocupados em se promover através de matérias de capa com atores da TV Globo do que com artistas musicais.
Nada mais sintomático disso do que a edição de Janeiro deste ano, que deu capa para Taís Araújo e Lázaro Ramos, apesar das mortes de Lemmy Kilmister e David Bowie ter sido o assunto da virada do ano.
Pelo visto, Lemmy e Bowie foram assuntos inevitáveis em todos os lugares, menos na redação da Rolling Stone Brasil.
É por essas e outras que eu decidi não renovar minha assinatura da Rolling Stone Brasil.
Não vejo sentido celebrar em Outubro próximo os dez anos de vida de uma publicação com uma trajetória tão brochante, tão cuzona.
Eu, que leio a Rolling Stone americana desde meados dos Anos 70, e que pude acompanhar de perto os grandes erros e os grandes acertos cometidos pela revista ao longo de quase 50 anos de história, não consigo reconhecer na Rolling Stone Brasil o menor vínculo com o conceito original ainda em voga na matriz.
Mas, francamente, tudo isso até que poderia ser perdoado de alguma maneira, considerando que deva haver muita gente por aí que não teve uma convivência tão próxima com a revista nas décadas de 70, 80 e 90 quanto a que eu tive, e que se sinta satisfeito com ela, e até representado por ela.
Mas eu não perdoo não. E não me contento com pouco. Não perdoo o jornalismo xinfrim praticado pela Rolling Stone Brasil, que piora a cada edição. Fiquei triste ao ler a edição de Dezembro último. Achei tão ruim que pensei seriamente em não comprar mais a revista. Em Janeiro, quando vi a capa de Taís Araújo e Lázaro Ramos, não tive a menor dúvida de que esta era a coisa certa a fazer.
Não desejo vida longa à Rolling Stone Brasil nesse formato babaca e com esse conteúdo de merda que ela adotou. Que se exploda e suma logo das bancas. Não vai fazer a menor falta.
De 2016 em diante, decidi voltar a ser leitor apenas da Rolling Stone americana. E estou satisfeito. É bem melhor assim.
Odorico Azeitona só escreve sua coluna
ouvindo rock and roll bem alto
em sua caixinha JBL acoplada a seu laptop.
É figurinha fácil toda quarta-feira
em LEVA UM CASAQUINHO
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