Thursday, March 31, 2016

2 OPINIÕES SOBRE "CONSPIRAÇÃO E PODER", COM CATE BLANCHETT E ROBERT REDFORD


DIGNIDADE ACIMA DE TUDO E ANTES DE MAIS NADA

por Carlos Cirne para COLUNAS E NOTAS


É impressionante como determinados eventos históricos se repetem ciclicamente, com apenas algumas pequenas alterações de elenco. Principalmente na mídia norte-americana, é comum presenciarmos as sagas de jornalistas – de jornais, revistas ou televisão – em busca da verdade sobre eventos relacionados ao mundo da política, com os mais variados resultados. O que há em comum, geralmente, é a maneira como as histórias são ficcionalizadas e apresentadas ao público, na forma de filmes ou séries de televisão. E é o que se vê neste “Conspiração e Poder”, atualmente em cartaz. Com a diferença de que não espere um final feliz desta vez.

Nesta história, a produtora do investigativo programa “60 Minutes”, Mary Papes (Cate Blanchett, melhor do que nunca, fora do piloto automático de “Carol”), recebe documentos que parecem atestar a “fuga” do serviço militar no Vietnã do então presidente norte-americano George W. Bush (que concorria à reeleição à época) e, com o apoio de um dos âncoras mais famosos do jornalismo americano, Dan Rather (Robert Redford, exudando confiabilidade e dignidade), monta uma equipe e parte em busca da matéria que pode mudar os rumos da campanha presidencial de 2004, assim como destacar a CBS News na mídia mundial. A equipe, que não poderia ser mais heterogênea, era composta pelos free-lances Mike Smith (Topher Grace, bem, no seu cinismo quase controlado), Lucy Scott (Elisabeth Moss, desperdiçada num papel minúsculo) e pelo Tenente-Coronel Roger Charles (Dennis Quaid, sempre simpático).

O processo, que acabou conhecido na imprensa americana como “The Killian Documents” - ou “Rathergate”, em alusão ao “Watergate” de Dan Rather -, baseou-se em documentos fornecidos por um ex-militar que, com o tempo, admitiu não haver dado todas as informações que deveria. Ou seja, toda a matéria, apresentada com destaque no programa de jornalismo de maior audiência da TV americana à época, revelou-se embasada sobre um frágil castelo de cartas. Seriam os documentos verdadeiros? Esta se torna a questão fundamental discutida em toda a mídia, e não o assunto principal da matéria – a evasão de Bush filho do front da guerra -, transformando todo o processo numa caça às bruxas, centrada nas figuras de Mapes e Rather, cujas carreiras foram completamente abaladas, sem falar na posição de rede de notícias, a CBS News.

Apropriadíssima estreia nos cinemas brasileiros, numa época em que tanto se discute a improbidade em todos os escalões da política nacional, e a atuação da imprensa neste processo, “Conspiração e Poder”, além de excelente cinema, do roteirista estreando como diretor James Vanderbilt (de “Zodíaco”, 2007), é também um libelo contra a despersonalização da figura pública, gritando contra as ações que põem por terra décadas de profissionalismo e confiabilidade um mal resolvido caso de informação incompleta ou não confirmada. (SPOILER) Pelos letreiros finais sabemos que Mary Mapes, apesar da sólida carreira que detinha até aquele ponto, nunca mais trabalhou com noticiários desde então, e que Dan Rather abandonou o programa “60 Minutes” em função deste processo. Dignidade, rara moeda corrente na imprensa mundial. No mundo da política, então...



TAPA NA CARA

por Renato Hermsdorff para ADORO CINEMA


Conspiração e Poder se vale do modus operandi do jornalismo para dar um tapa na cara da hipocrisia, tarefa na qual o filme é muito bem-sucedido. Pena que, para isso, o longa-metragem pese a mão, abusando de uma estrutura narrativa novelesca que amortece o impacto do golpe. Por outro lado, Cate Blanchett, à frente do elenco, mostra, mais uma vez, que tem mãos de fada para o ofício. (E chega desse tipo de metáfora).

O longa de estreia de James Vanderbilt (mais conhecido por seu trabalho como roteirista, de filmes como Zodíaco, O Espetacular Homem-Aranha e o próximo Independence Day: O Ressurgimento) é baseado em uma história real. Em 2004, Mary Papes (Blanchett), produtora do renomado programa jornalístico “60 Minutes”, da rede CBS, descobre uma pista de que o então presidente George W. Bush teria sido um dos muitos jovens privilegiados que usou de altos contatos para fugir do combate na Guerra do Vietnã, na época do conflito.

Ela, então, recebe o aval da emissora e monta um time para investigar o caso, que será conduzido, no ar, pelo âncora e principal estrela do jornalismo do canal Dan Rather (Robert Redford), um parceiro de longa data de Papes, que confia cegamente no trabalho da colega. É disso que trata a primeira metade do filme, da reunião de provas, mostrado num encadeamento de cenas didáticas.

Apesar de cumprir a função de apresentar a história e esmiuçar como se inicia um trabalho de apuração jornalística, o diretor abusa da inteligência do espectador com a tentativa de conduzir as emoções da plateia via uma trilha sonora muito presente (e frases de efeito que resultam em diálogos um tanto cafonas). É o melodrama, em sua pior forma, que lembra uma produção folhetinesca e, em alguns momentos, resulta involuntariamente risível.

Só que (e aí vem o conflito central), Mary e sua equipe deixam passar um (questionável) furo em suas pesquisas. E todos terão de arcar com as consequências do (possível) erro, sobretudo pela posição posteriormente assumida pelo canal: é a moral de um candidato à presidência em exercício – e em plena corrida pela reeleição – que está em jogo. É aí que a produção ganha substância, trazendo à tona temas pertinentes como o poder (do título), autoridade, machismo, enfim, a hipocrisia – e o futuro do jornalismo (um futuro anunciado em 2004, já concretizado em 2016).

A performance de Cate Blanchett é tão convincente que, ao menos tendo a temporada de premiação como norte, provavelmente ela só não foi indicada ao Oscar por ter sido ofuscada por... ela mesma, por seu papel em Carol (bem, não “só”, porque uma andorinha só não faz verão e os problemas do filme, uma obra demasiado esquemática, também não contribuem para credenciar esse Conspiração e Poder a uma vaga para a posteridade). O discurso final da protagonista (que seria o clipe do Oscar) é tão relevante e bem proclamado, que quase perdoa as falhas anteriores da produção.

Considerando o contexto atual em que o debate (político, sobretudo) se reduz a duas cores, Truth (no original), mesmo se tratando de um filme irregular, ao jogar luz sobre a importância do questionamento (pedra fundamental do exercício jornalístico, aliás), se faz obrigatório. Afinal, “Eles não têm o direito de nos dar um tapa só porque fizemos a pergunta” (dessa vez, é Mary Papes quem diz).


CONSPIRAÇÃO E PODER
(Truth, 2015, 125 minutos)

Direção e Roteiro
James Vanderbilt

Elenco
Cate Blanchett
Robert Redford
Topher Grace
Dennis Quaid
Elisabeth Moss
Bruce Greenwood


Em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping com sessões às 14h, 16h20, 18h40 e 20h50


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