Thursday, February 11, 2016

2 OPINIÕES DE 2 CRÍTICOS SOBRE "BROOKLYN", UM FILME DE JOHN CROWLEY E NICK HORNBY

BROOKLYN: UM MELODRAMA DE QUALIDADE SINGULAR

por Daniel Neves
para NIT NewInTown (Lisboa)


Apesar de o Globo de Ouro ter ido ter às mãos de Brie Larson, pela sua excelente representação no filme “Room”, a crítica internacional é praticamente unânime no que respeita à categoria de melhor atriz principal num drama: Saoirse Ronan era favorita e também o será para os Oscars. Há sempre a hipótese de Cate Blanchett fazer das suas, pela entrada em “Carol”, mas a jovem que arrebatou as audiências em 2007, com “Expiação”, está uma verdadeira senhora do cinema. O filme chega esta quinta-feira a Portugal.

O argumento de Nick Hornby – nomeado para o Oscar de melhor argumento com o filme “An Education" (2009) – é uma adaptação justa da novel de Colm Tóibín, trazendo para o ecrã as lentas, ambiciosas e sempre saudosistas páginas do livro com o mesmo título.

Década de 50. Eilis Lacey é uma jovem rapariga oriunda de um dos mais recônditos cantos da Irlanda: Enniscorthy. Vive com a mãe (Jenne Brenan) e com a irmã (Fiona Glascott), trabalha na mercearia da mesquinha Mrs Brady (Emma Lowe) e o seu espírito sonha com o dia em que tudo isto estará para trás das costas.

Ao contrário do que é normal assistir-se em filmes sobre a “vontade de fugir”, não há uma construção sobre essa saída, pois Eilis já está decidida: a próxima paragem é Brooklyn. Contudo, à medida que entramos no espírito da personagem, percebemos que o seu medo de deixar esta vida para trás é tão grande ou maior ainda que a vontade de descobrir outra no outro lado do mundo. É por isso que, chegada a Brooklyn, Eilis começa por passar um mau bocado. O estilo, a azáfama e a juventude nova-iorquinas são exigências para as quais uma jovem irlandesa não está preparada.

Esse é o ponto de partida para a história. No entanto, a forma como Ronan subtilmente submerge essa fragilidade inicial é o que “Brooklyn” tem de mais extasiante. Eilis descobre que também ela pode ser atraente, que também ela pode despertar desejo e que também ela pode inspirar confiança e sucesso. Uma das cenas mais bem conseguidas do filme são os constantes momentos de reunião de condomínio para o jantar, onde a presença de três raparigas – frívolas e espampanantes – vai passando de intimidante a cómica (uma vez que as vemos pela perspetiva da, primeiro, tímida e, depois, confiante Eilis).

As saudades de casa, ainda assim, mantêm-se. E é precisamente aí que entra a particularidade mais aborrecida do filme. A força da personagem principal é irrefutável, bem como o é a deliciosa e subtil construção da divisão emocional entre conceitos como passado e futuro, ou casa e “lá fora”. Não pode haver um “mas” nesta frase. O problema é que, a partir de um certo momento do filme, as motivações de Eilis deixam de depender dela própria, e a personagem passa a ser definida pelos seus sentimentos em relação a dois homens – um que a espera em Brooklyn e outro na Irlanda. Isto não faz com que o filme se perca – de todo –, mas, de alguma forma, tem um efeito quase redutor. Fica a ideia de que há algo ainda por explorar, sobre a relação de Eilis com Brooklyn – mas, se ficasse tudo dito, quem iria querer ler o livro?

"BROOKLYN": A BUSCA POR UMA EXPERIÊNCIA VERDADEIRA DE VIDA 

por Renato Cabral
para Papo de Cinema

A distância entre "Brooklyn" e "Era uma vez em Nova York" (2013), de James Gray, é pouca. Explorando problemáticas relativas à imigração, ambos colocam como protagonistas mulheres que escolhem caminhos distintos dadas as oportunidades do destino. No filme de Gray, ambientado nos anos 1920, a ingênua Ewa (Marion Cottilard) se vê entregue à uma vida de abusos, do burlesco e dos shows de vaudeville em plena Nova York. Já a tímida irlandesa Ellis (Saoirse Ronan), em "Brooklyn", ganha sua entrada para os Estados Unidos nos anos 1950 de forma organizada, através da igreja de um padre que é seu conterrâneo.

A distância entre ambas as personagens é de apenas três décadas, mas já mostra que a imigração e a busca pelo american way of life perpassa anos e, afinal, como vemos, chega até os dias atuais. Propício para o cenário contemporâneo, em que grandes nações se veem à frente de questionamentos sobre fecharem as suas fronteiras e até mesmo declarações de xenofobia, os filmes acabam sendo perfeitos para retratar a experiência de estrangeiros, mesmo que se valendo de décadas atrás. Quanto às tramas, Gray escolhe o drama trágico, enquanto que o diretor de "Brooklyn", John Crowley, tempera sua narrativa para oscilar entre o drama e o romance.

Ellis é uma jovem tímida que embarca para os Estados Unidos deixando para trás a mãe e a irmã, além do trabalho em um armazém de uma mulher mesquinha, em busca do óbvio: tentar uma vida melhor na maior potência mundial. Chegando ao Brooklyn, a jovem se hospeda em uma pensão gerenciada pela simpática Senhora Kehoe (Julie Walters), que mantém diversas garotas através dos mesmos programas da Igreja irlandesa que auxiliaram a novata a embarcar para a América.

O roteiro de Nicky Hornby é uma incrível adaptação do romance de Colm Tóibín, e perpassa os diversos estágios de alguém que está longe de sua família, da necessidade de apoio externo e a beleza do momento em que a personagem se vê madura, pequena demais para a cidade que um dia morou no interior da Irlanda. Além do mais, nessa trajetória o envolvimento da protagonista com um jovem filho de imigrantes italianos, Tony (Emory Cohen), entrega uma camada ainda mais interessante de leitura, acrescentando conflitos e profundidade à história. A intensidade da paixão do rapaz por ela é digna dos filmes clássicos hollywoodianos, tanto que um dos pontos fortes de Brooklyn é exatamente esse resgate que faz da narrativa clássica. A garota, ainda imatura quanto a qualquer tipo de romance, se mantém gélida e distante quando o jovem diz que a ama. A resposta dela é quase um “obrigado”. Arrependida, depois de muito analisar a situação ela se explica de modo tocante e, sem nem pestanejar, Tony a pede em casamento. Cohen e Ronan criam um casal de protagonistas com uma química ao mesmo tempo intensa e delicada.

É quando entra o segundo ato do filme. Devido a uma tragédia, a jovem precisa retornar a sua cidade natal. O casamento com Tony é um segredo e sua chegada à cidadezinha é repleta de tentativas que a façam ficar por lá e deixar Nova York para trás. Porém Ellis está diferente, se tornou grande demais para aquele espaço e aquela vida. Mesmo assim, se vê diante de uma dúvida que para o espectador se constrói de forma claustrofóbica. É impressionante a potência que Hornby e Crowley criam durante esse ato. Seus antigos vizinhos parecem se reunir inconscientemente em um complô para que ela permaneça com eles. São oferecidas oportunidades de emprego e até um pretendente, Jim Farrell (interpretado pela sensação do momento, Domhnall Gleeson). E a plateia fica com o constante suspense a respeito da decisão da jovem e seu poder de escolha.

Tanto em "Brooklyn" quanto em "Era uma vez em Nova York" é construída uma trama em volta das mulheres. A representação dada às personagens e a força que carregam vai bem além de relacionamentos superficiais e um platonismo em volta do amor. As personagens, Ellis e Ewa, possuem uma cumplicidade belíssima com suas irmãs e uma constante lembrança de suas verdadeiras origens. Se "Era uma vez..." decide mostrar as dificuldades, a miséria e a desesperação que sua protagonista é colocada, "Brooklyn" se vale da beleza, do sutil e da esperança sem, no entanto, perder o verdadeiro cerne: a busca por uma experiência de vida verdadeira para essas protagonistas e o poder de cada uma em fazer suas escolhas.


BROOKLYN
(Brooklyn, 2015, 110 minutos)

Direção
John Crowley

Roteiro
Nick Hornby

Elenco
Saoirse Ronan
Emma Lowe
Brid Brennan
Emory Cohen
Christian De La Cortina


em cartaz nas Redes Roxy e Cinespaço


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