Monday, February 29, 2016

HISTÓRIA QUE NOSSOS NETOS VÃO CONTAR PARA NOSSOS BISNETOS

por Antonio Luiz Nilo


Era uma vez um pequenino país chamado Uruguai. Seu presidente, acreditem, doava 90% do seu salário para programas sociais. Ele vivia numa chácara, onde dividia o espaço de sua casa de um quarto, de teto de zinco, com a mulher e um cachorro de 3 patas.

O presidente se chamava Pepe Mujica e, além da modestíssima residência, possuía apenas um fusca 87. Somente dois policiais faziam a sua segurança e normalmente o acompanhavam no carro presidencial, um Corsa sedan.

Mujica tinha um passado revolucionário, de esquerda, mas quando chegou ao poder, diferente de outros presidentes muito próximos, continuou pobre. O país que ele governava era considerado o mais seguro e menos corrupto de toda a America Latina. O sistema de saúde funcionava perfeitamente e o de educação era modelo: cada um dos 300 mil alunos da rede pública tinha um computador pessoal doado pelo governo.

Mujica possuía uma visão social tão justa e corajosa que chegou a vender inúmeros prédios públicos, incluindo uma residência oficial em Punta del Este, para construir casas populares.

“El Viejo”, como era conhecido, tinha, em 2016, 80 anos de idade. E de sua experiência e estilo pessoal irrompia uma conversa simples, inteligente e bem humorada.

No ano de 2012, depois de ir a três enterros em pouco mais de uma semana, comentou com um amigo: “deixa eu ir embora logo senão aprendo o caminho”. Mas era de seu discurso que nasciam as mais respeitadas e importantes reflexões do mundo globalizado.

O mais espetacular, sem dúvida, foi o proferido na conferência Rio + 20: “Estamos governando a globalização ou é a globalização que nos governa?” Depois de sentenciar aos presentes de que não se tratava de uma crise ecológica e sim política, Mujica ferroou com precisão: “Não viemos ao planeta para nos desenvolver. Viemos para ser felizes”. E explicava, num texto pausado e professoral, que nenhum bem material valia um milionésimo do que valia a vida. E que era o hiper-consumo que de fato corroia o planeta. E parafraseando pensadores antigos, emendou: “pobre não é o que tem pouco, mas sim o que necessita muito...e que deseja cada vez mais.”

Explicou que em seu rico país, os companheiros lutaram para conseguir uma jornada de 6 horas de trabalho. Mas que esse benefício só serviu para que trabalhassem em dois períodos com o propósito de pagar suas contas, sua moto, seu carro, suas ilusões. E que quando acordassem já estariam velhos como ele, sem esperanças. E concluía: “É esse o sentido da vida? Me desculpem, mas o desenvolvimento não pode ir contra a felicidade. Ele tem que ir a favor das relações humanas... e para isso basta ter o necessário.”

A vida de um homem assim, de tanta sabedoria e tamanho desapego material, pode até parecer uma fábula, mas é uma história linda. Feio é viver num país onde uma fábula é o que nos custa um governante.


Antonio Luiz Nilo nasceu em Santos
e é redator publicitário
e diretor de criação
há quase 30 anos,
com prêmios nacionais e internacionais.
Circulou a trabalho por todo o país,
com paradas prolongadas em
Brasília, Belo Horizonte e Salvador.
Publicou em 1986
"Poemas de Duas Gerações"
e, mais recentemente, o romance
"Ascensão e Queda de Pedro Pluma"
(disponível para venda em alnilo@gmail.com).
Além disso, atuou como cronista
para o diário Correio da Bahia.
De volta a Santos desde 2013,
Antonio segue sua trajetória
cuidando de Projetos Especiais
na Fenômeno Propaganda
e como sócio-diretor
da Agência de Textos
TP Texto Profissional.




2 comments:

  1. Texto impecável sobre um homem "fabuloso". E a conclusão: brilhante!

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  2. Texto impecável sobre um homem "fabuloso". E a conclusão: brilhante!

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