Thursday, February 11, 2016

O BARQUINHO PELO MAR DESLIZA SEM PARAR (por Ademir Demarchi)



Carnaval rolando, longe do samba e do sol, tevê desligada, me internei em minha cobertura diante do Pacífico, sozinho como um lobo do mar em uma ilha para terminar um livro. Nada de sereias, somente peixes já devidamente pescados e prontos para ir ao forno, dormindo no freezer. Mas o terrível editor manda uma mensagem: e aí, não vai sair dessas férias? Pô, só ele deve estar fabricando jornal... É preciso continuar embrulhando os peixes, me avisa. Desejei esse dia, olhar à volta, náufrago, somente água em volta. E peixes, peixes de verdade, saindo da água. Mas a mente está em dilúvio, tudo misturado com lama da Samarco, aí vêm os peixes sendo pescados não na água, mas na memória. Tudo começa com uma musiquinha, fitando o mar: “Dia de luz, festa de sol/ Um barquinho a deslizar no macio azul do mar/ Tudo é verão, amor se faz/ Num barquinho pelo mar que desliza sem parar...” Pronto, acabou o carnaval: o barquinho já não está mais lá no azul do mar, está nos jornais, é de alumínio, custou quatro paus e foi comprado para um sítio de um amigo do Lula que dizem ser dele. A mente está confusa ainda do ano que não começou e esses pescadores aparecem togados como pinguins, vistos no fundo do prato de frutos do mar (a cerveja artesanal Cais é mais alcoólica, faz fundir as criaturas...) usam linha de pescar marlim-azul, para pescar merlim, pessoa sabida, refinada, astuta, que exige linha refinada. Eles sonham com peixe grande, dão linha para marlim-azul tentando pegar molusco... Eis que a diversão do brasileiro é acompanhar a jogatina de lances. Se fosse na Inglaterra teria uma bolsa de apostas para transformar isso numa fonte de renda. Os juízes agora estão que nem em corrida de cavalos, num páreo para ver quem consegue. Lula foi transformado no Grande Prêmio e, seguindo a lógica de valores da voracidade que alimenta esse campeonato, os grandes meios de comunicação e os juízes vão preferindo barquinhos, ouvindo bossa-nova, não estão nem aí para música tipo Pink Floyd com som de helicópteros, helicópteros carregados de cocaína, como aquele que pegaram em Minas Gerais e até hoje não se sabe quem é o dono do pó. Se essa música não está boa, podemos ir para os Stones ou um Chuck Berry pra essa gente que acha que está sempre na Rota 66 com seus carrões: os do Collor ele conseguiu a guarda, o do Carli já virou sucata e ele está impune na cara de todos, assim como o do Thor, o filho do Eike Batista, que se safou da culpa por ter atropelado e matado um ciclista... Na verdade nem podemos dizer que o ano está começando mais cedo. O problema todo é que o ano que passou nunca acaba, não vai acabar tão cedo, com perspectiva de fôlego até as próximas eleições, a depender dos cavalos azarões que conseguirem se manter nas raias dessa loucura, e continuar depois. A coisa não tem fim. Não vão conseguir pegar o anti Cristo, pois ele muda a todo momento. E o bagulho está ficando tão doido que o setor evangélico-capitalista, contabilizando ganhos, está querendo aplicar em todos as leis das tábuas: todo mundo vai ter que andar na linha dos dez mandamentos. Senão... Senão o que? Vai para o inferno? Mas quem é que acredita em inferno hoje em dia? Se pudermos chamar as prisões dos colarinhos brancos de inferno a conta é rápida: ele dura uns poucos anos e pra gente que mata com carro, tipo o Carli ou o deus trovejão Thor, nada. Ou seja, ganha-se uma grana danada e se paga com uns poucos anos de inferno e pronto, está perdoado para ir para o Caribe gastar e curtir a vida, pois trabalho é pra nós, que vivemos no céu.

Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho

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