Monday, February 22, 2016

BOFETADA DO PASSADO: GENETON MORAES NETO CONVERSA COM MÁRIO QUINTANA

(publicado originalmente no Blog do Geneton no G1)


GENETON MORAES NETO: Qual deve ser o primeiro compromisso da agenda da vida de um poeta?
MÁRIO QUINTANA: "O primeiro compromisso deve ser: não parar de poetar. Não parar de viver intensamente” O senhor diz que gosta de fazer projetos a longo prazo, para “desafiar o diabo".

Que último desafio o senhor lançou?
“O último desafio foi uma viagem – gorada – a Paris. O próximo, já em execução, é aprender a falar inglês. Eu era apenas tradutor de francês da Editora Globo. Aprendi, sozinho, a língua inglesa numa gramática, para traduzir. Mas apenas lia o que estava escrito, sem saber a pronúncia. Agora, estou lidando com um curso de inglês da Inglaterra por meio de fitas cassete. O primeiro tradutor de Virginia Woolf no Brasil fui eu. A tradução foi bem recebida pela crítica”.

O escritor Erico Verissimo dizia que “Quintana é um anjo que se disfarçou de homem”. O senhor tem algum reparo a fazer à observação?
“Tenho. Sempre desejei ser exatamente o contrário: uma espécie de diabo”

Qual a grande compensação que a poesia dá a quem a escreve?
“Minha grande compensação é ter, às vezes, conseguido pegar a poesia nuínha em flor. Mas é difícil! (ri)”

Críticos já notaram que o senhor tem uma preferência especial pelas reticências. É verdade que prefere as reticências aos pontos finais?
“Considero que as reticências são a maior conquista do pensamento ocidental, porque evitam as afirmativas inapeláveis e sugerem o que os leitores devem pensar por conta própria, após a leitura do autor”

O senhor diz que, ao escrever, “pergunta mais do que responde”. Qual a grande pergunta que o senhor não conseguiu ver respondida até hoje, aos oitenta e dois anos?
“O essencial é a gente fazer perguntas. As respostas pouco importam”

Se a poesia, segundo suas palavras, “é uma loucura lúcida”, todo bom poeta deve ser necessariamente louco, ainda que lúcido?
“Creio que é na Bíblia que foi escrito que todos nós temos um grão de loucura. O poeta deve ter esse grão de loucura, mas não necessariamente estar num grau de loucura”

O senhor já se confessou simpático à restauração da monarquia no Brasil. Que cargo gostaria de ocupar no Brasil governado por um Rei?
“É claro que nenhum! Eu não desejaria ser o Poeta da Coroa. A melhor receita para fazer um mau poema é fazê-lo de encomenda”

Além de poeta, o senhor é tradutor de obras clássicas, como vários volumes de Marcel Proust. Que semelhança pode existir entre o trabalho de tradução e o ofício da criação poética?
“Há sempre uma diferença entre tradução literal e tradução literária. Creio que a tradução de um autor é, nada mais, nada menos, a estréia desse autor na literatura da língua para a qual ele foi traduzido. Daí, a responsabilidade enorme de traduzir um Proust, um Voltaire, gente assim”

O senhor já chegou a trabalhar simultaneamente na preparação de cinco livros. Em algum momento da vida se sentiu tentado a deixar de escrever?
“Sempre estou escrevendo, em prosa e em verso.Venho trabalhando em quatro livros. Cinco é demais! Nunca pensei em deixar de escrever, porque é a única coisa que sei fazer na vida”.

Qual o grande medo do poeta Mario Quintana hoje?
“Tenho medo de dizer”

O senhor, segundo notou o autor de um artigo publicado pela revista ISTOÉ, “nada tem: nem casa, nem mulher, nem dinheiro, nem família”. Tanto desapego foi escolha pessoal ou aconteceu à revelia do que o senhor desejou?
“Catastrófico o autor, para mim desconhecido, dessa coisa publicada na ISTOÉ. O certo é que elas não tiveram tempo…E agora, no fim da picada, acho preferível a solidão sozinho à solidão a dois. Quero a solidão sozinho!”

(Enclausurado num quarto de hotel em Porto Alegre, Mario Quintana tinha uma mania: escrever a mão textos que, só depois, eram datilografados pela secretária Mara Cilaine, guardiã do poeta)

O senhor já declarou que “o proletário é um sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados”. Em algum momento, o senhor acreditou que a poesia poderia mudar o mundo?
“Para mudar o mundo, caberia ao poeta candidatar-se a vereador, a deputado ou a outro cargo assim- e não fazer poemas que as classes necessitadas não têm tempo de ler. Ou não sabem ler. É verdade que Castro Alves influiu na abolição da escravatura. Mas acontece que Castro Alves era genial. Já nós temos apenas algum talento….”

O senhor é autor de uma sugestão original: a nação lucraria se pudesse escolher livremente os ministros – e não apenas o presidente. De onde nasceu essa constatação?
“Não me lembro de ter feito tal sugestão. Mas agora gostei! O povo poderia influir mais diretamente no Executivo – que não ficaria só com o presidente e seus amiguinhos…” O senhor escreveu que a poesia é a “invenção da verdade”.

Conseguiu inventar todas as verdades que queria através da poesia?
O que meu cérebro lógico pensa não é exatamente o que pensa a parte não lógica do cérebro. Além da mera geometria euclidiana, existe a geometria não-euclidiana. Isso parece meio confuso, mas me faz lembrar uma verdade que escrevi um dia: a poesia não se entrega a quem sabe defini-la”.

Aos oitenta e dois anos, o senhor é otimista ou pessimista diante do destino do homem neste fim de século?
“Sou otimista. Há mais liberdade de expressão e mais comunicação. Não há, como nos meus tempos de menino, aquela proibitiva divisão entre as faixas etárias” 

Num livro lançado há exatamente quarenta anos, "Sapato Florido!", o senhor escreveu que “os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas. Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais”. Qual foi, então, o melhor anúncio que o senhor já leu?
“Não sei se foi o melhor, mas o mais divertido foi este: “Alugam-se duas salas para mulheres bem-arejadas”. Ler os pequenos anúncios, em todo caso, é pôr-se em contato com as necessidades do povo”

Saber que “o vôo do poema não pode parar”, como o senhor diz em “O Vento e a Canção”, é um consolo para quem escreve?
“Para quem escreve, saber que o vôo do poema não pode parar é sinal de que a vida continua deslizando, apesar dos solavancos”

O poema “No Meio do Caminho”, escrito por Carlos Drummond de Andrade no final dos anos vinte, foi ridicularizado e bastante criticado quando surgiu. O senhor, no entanto, incluiu o poema entre os que gostaria de ter escrito. De que maneira o senhor reagiria às críticas que foram feitas ao poema?
“Quando alguém pergunta a um autor o que é que ele quis dizer, um dos dois é burro…”

Se “os caminhos estão cheios de tentações”, qual a grande tentação do poeta Mario Quintana hoje?
“Os caminhos continuam cheios de tentações. Mas…..cabem,aqui, reticências”

Os jovens poetas sempre esperam ensinamentos dos mais experientes. Se um poeta de vinte anos pedisse um conselho a Mário Quintana, que resposta o senhor daria a ele?
“Que ele não exigisse conselho de ninguém – e seguisse o próprio nariz”

Quem – ou o quê – atravanca o caminho do senhor hoje?
”Ah, a popularidade!”

E sobre a Academia Brasileira de Letras ?(N: Quintana foi derrotado nas três vezes em que tentou entrar para a Academia). O senhor não quer dizer nada?
“Não. Nem para dizer que não pretendo falar”


(Entrevista gravada em 1988.
Quintana morreu em 1994)



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