Wednesday, February 10, 2016

THE ASHES, OU TRABALHO DE PREGUIÇOSO (por Marcelo Rayel Correggiari)



O título acima é o inglês para “As Cinzas”. Também é nome de uma das principais competições mundiais de cricket. Um esporte muito popular dentro do Commowealth (a comunidade britânica, que inclui o Reino Unido e ex-colônias), mas impensável para um público ibérico (principalmente o Brasil).

The Ashes é a Copa do Mundo do cricket, internacionalmente conhecida. No caso do público brasileiro, o desinteresse talvez tenha suas raízes em duas hipóteses: não ter sido colônia britânica e partidas que duram dias (de 5 a 7, em média).

São ‘nas cinzas’ que nos deparamos com a ressaca nos dias da ‘Folia de Mômo’, aquela quantidade de besteiras feitas com a caveira cheia, com os fogos devidamente apagados. Para os que não são ‘do balacobaco’, o período serve de reflexão para novos rumos na vida.


Não sou ‘connoisseur’ de carnaval. Longe disso... Gosto da folia, mas entender de escolas de samba, ser da comunidade do samba, não sou. Talvez conheça de escolas de samba tanto quanto de obstetrícia. ‘Id est’, quase nada.

Portanto, não vou aqui dar pitaco em relação ao que um carnavalesco deva fazer no seu trabalho, licenças poéticas, permissões, ‘viagens’, aquele ‘seis-por-oito’ que geralmente cai no Egito da época do faraós.

É um momento do ano que o lance é brincar e vestir a fantasia. E as permissões acontecem. Desde que o mundo é mundo, sempre foi assim, e não caberia a ninguém mudar tal ‘inclinação’ que esse período do ano oferece.

Diante dos comentários coletados nas ruas, aqui e ali, na segunda de carnaval cidade afora, há de se pontuar certas coisas que podem ser enxergadas de maneira bem desconfortável, ou que talvez demandem maior reflexão sobre como as coisas são feitas.


Santos (ou pelo menos a Fonte do Itororó, no centro da cidade) foi a homenageada esse ano pela Grande Rio, escola de samba (por favor, memória!) de Caxias, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro. E o que se viu no desfile da agremiação foram mais derrapagens do que acertos, de tal maneira que a insatisfação de porções significativas da população me pareceu, ao longo da segunda de carnaval, bem pronunciada.

Se houve uma intenção da escola de samba em trabalhar com a ‘marca’ Neymar, não haveria problema algum: era só ir na tabela do campeonato espanhol (publicada com anos de antecedência) e ver se o jogador estaria disponível para a data. Caso não estivesse (foi o que aconteceu), plano B: samba, antigos carnavais, o céu, o mar, o Egito antigo... o que não falta é enredo.


Neymar é uma personalidade que garante certo ‘carisma’ (ou simpatia) em favor de quem o homenageia. Se a escola de samba deseja ganhar notoriedade com o homenageado (ou a simpatia do público), talvez tentasse outro tipo de atividade. Não sei qual, mas qualquer outra onde esse tipo de estratégia é mais pertinente. No marketing, na publicidade, talvez haja espaço para isso.

Porque colocar uma cidade de 470 anos como ‘moto’ (ou pano de fundo) para cobrir um eventual ‘furo’ caso o personagem principal da intenção não pudesse vir, acaba sobrando tanto para a cidade quanto para a escola de samba.


Realmente, o Santos FC é um dos produtos da terra que melhor se ergueu como instituição nacional e internacional há mais de 100 anos. Lembro-me em 2012, em Bangor, Irlanda do Norte, quando era apresentado aos ‘locais’ como morador da Vila Belmiro, ter de responder a perguntinha: “E aí?! Quem foi melhor?! Pelé ou George Best (uma espécie de Pelé da Irlanda do Norte, grande craque do Manchester United nos anos 1960, que inclusive dá nome ao aeroporto doméstico da capital, Belfast)?!”.

Mas não desenvolver ao longo do enredo os outros dois times da cidade: primeira derrapagem. Não citar o Theatro Guarany como patrimônio importante para a abolição da escravatura nacional: segunda derrapagem. O Teatro Coliseu só foi lembrado pela simpatia de um dos comentaristas da transmissão pela TV. Acerto: foi a Casa da Frontaria Azulejada.

Meno male? Talvez... deixar de fora a igreja do Valongo, é roubada. A igreja do Valongo tem vários elementos artísticos do pré-barroco (isso mesmo, anterior a todas aquelas igrejas maravilhosas das cidades históricas mineiras!). OK, não sejamos tão pentelhos! Houve menção do porto quando o enredo se endereçou aos tempos áureos do café. E vamos para a evolução...

Houve menção dos canais numa ala chamada ‘O Homem de Saturno’, uma outra ala sobre saneamento e urbanização, mas sem a menção da companhia canadense, a City & Improvements, que ajudou no desenho das ruas onde o(a) querido(a) leitor(a) caminha todo santo dia.

Prossigamos! Não sejamos tão chatos assim... Menção do Orquidário, do Aquário, e nada dos jardins da praia, item do livro dos records, o Guiness. Como somos chatos, hein?! A gente se apega a cada coisa... Terceira derrapagem.


Até nos depararmos com o patrimônio imaterial da cidade. Deve ter sido muita caipirinha (Úia! Nossa contribuição etílica!). Nada de arte. Aliás, pelo jeito deve ser o segmento da cidade com menor moral na casa (dentro e fora dos nossos domínios?!). Se tem uma parte da comunidade santista que precisa pensar na vida é a cultural e artística: nada! Esqueçam Pagu, Plínio Marcos, Gilberto Mendes, Rui Ribeiro Couto e mais uma constelação de artistas com devida e palpável contribuição para as artes nacionais. Se partir para Baltazar, Bartolomeu de Gusmão, Mário Covas, Celso Amorim, a coisa piora sensivelmente.

Se não há disposição em citar o Charlie Brown Jr., pelo rumo que as coisas tomaram na dissolução do grupo, é compreensível. Mas deixar de fora o Aliados, mais uma prova de que o segmento cultural e artístico da cidade precisa parar para pensar: quarta derrapagem.


O que entrou no lugar? Um grupo de Guarulhos, o Mamonas Assassinas, autores de um de seus grandes sucessos que tem o nome ‘Santos’ na letra da música. Valeu uma brasília amarela na proa do transatlântico, com um sósia do Roberto Carlos em cima, última alegoria da escola. Também é do Roberto grande sucesso ‘Nas Curvas da Estrada de Santos’, que garantiu uma ala da escola e deve ter entrado no lugar dos jardins da praia. Vale por três derrapagens, mas fiquemos com apenas a quinta derrapagem.

Há mais derrapagens, mas é bom conselho pararmos por aqui. Ficou de fora muita, mas muita coisa, da Ponta da Praia (que é um aterro) à Fortaleza da Barra, do Engenho São Jorge dos Erasmos ao primeiro vereador negro da história do país. E lá foi o coitado do Santos FC, dá-lhe Pelé, o pai e irmã do Neymar, porque o próprio não pôde vir por motivos profissionais.

Devemos entender que como o enredo ‘Neymar’ deu furo, fiquemos com Santos. Colocam-se algumas ‘coisas interessantes’ e viva a licença poética (Mamonas Assassinas foi dose para elefante!).

Ficou a impressão de ‘trabalho de preguiçoso’. Para quem é santista, foi duro. Fiquemos com essa possibilidade, afinal, Neymar não viria. Não sejamos tão exigentes assim. 470 anos é quase nada de significativo comparados a milênios de cultura oriental, não é?! O que são 470 anos?! Nada! Bobagem... Não esquentem. Não somos, assim, a ‘última bolacha do pacote’. Quem seríamos nós na economia do universo?! “Façam qualquer trabalho que para eles estará bom. Afinal, quanta honra em ser enredo de uma escola de samba com transmissão nacional”.

O que poderia ser uma homenagem, acaba sendo encarado como acinte. E para os quatro cantos do mundo. É carnaval! Não sejamos tão chatos assim... Relaxem! Agora é cinzas! The Ashes, lembram?! 

Como o Neymar não veio, faltou certo rigor de convívio e pesquisa. Uma impressão de que bateu certa preguiça na hora de levantar os dados, a história (470 years on the bonfire*). Ou... então... se essa é a visão de quem está do lado de fora, é hora de pararmos para pensar nos rumos que estamos tomando.

*470 anos na fogueira.

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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